Jornalismo cortesão e governos tíbios
27/08/2006
- Opinión
Tenho visto as coberturas das televisões sobre a agressão que Israel promove contra a gente do Líbano e contra o povo palestino. Enoja-me! Sem contexto algum a explicar porque isso acontece, os repórteres chamam essa violência toda de “guerra”. Bom, não é uma guerra. Guerra se faz exército contra exército. Ali, Israel bombardeia casas, hospitais, escolas, enfim, mata civis. Anuncia estar buscando “terroristas”, palavra que até já perdeu seu sentido. Hoje, terrorista parece ser todo aquele que se ergue contra a injustiça. É, porque até um tempo atrás terrorista era aquele que praticava atos de violência sem motivo algum. Se é que se mudou o sentido da palavra, então devemos ter no mundo pelos menos 2/3 da população formada por “terroristas”. Afinal, esse parece ser o número de pessoas no planeta submetidas à injustiça, à fome, à dor. E grande parte dessa gente está em luta. Querem o direito de viver feliz. Seria isso terrorismo?? Bueno, para os repórteres cortesãos do poder, parece que sim.
Dia após dia, as reportagens se sucedem falando dos brasileiros que estão no Líbano e os jornalistas – enviados especiais - contam como está sendo feita a retirada das famílias. Cenas emocionantes de pessoas chegando aos aeroportos, voltando para casa, fugindo das bombas. E, em casa, as pessoas choram. Oh, estão salvos! Nossos irmãos estão salvos da guerra. Depois, vêm a mesma reportagem na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Itália, enfim... em vários países. Os governos apressados em tirar os seus da área de conflito. Tá certo! Muito que bem. Se eu tivesse um parente no Líbano também gostaria de vê-lo a salvo. Mas algum dos enviados se dispõe a fazer uma boa análise disso? Afinal, jornalismo não é isso? Análise do dia?
Se cada governo, ao invés de só tirar os seus da área de conflito, buscasse acabar com o conflito, não seria melhor? Quanto vale um garotinho libanês? Menos do que um brasileiro? Quanto vale uma mãe palestina? Menos que uma estadunidense? Que repórteres são esses que estudam tanto para serem meros papagaios dos “senhores da guerra”? Que falta de conteúdo, que falta de conhecimento, que falta de espírito reportero. Fico a lembrar de meu grande mestre Marcos Faerman diante dos generais da ditadura: “Repórteres são seres que perguntam...” Pobre Marcos, ficaria vermelho ao ver seus colegas agirem como servos dos generais. Tudo o que fazem é repetir o diapasão de “terrorismo”, “bandidos”, “assassinos”, protegidos do lado de cá da fronteira, nas barracas israelenses. Talvez devessem ler o clássico de Phillip Knightley, que mostra como o jornalista pode acabar servindo de propagandista do poder, fazendo também ele a sua vítima: a verdade.
Uma guerra é sempre uma grande dor. E se faz por liberdade, por justiça, por honra. Muitos tombam nesses conflitos que buscam vida digna a toda a gente. Mas uma agressão covarde e violenta contra civis desarmados, não tem argumento que a salve. Um jornalista sério, crítico, analítico, contextualizador, deveria saber distinguir uma coisa da outra. E um governo popular, digno, deveria também saber que não basta tirar os seus compatriotas do conflito. Há que agir para parar o massacre.
O Líbano está no chão. De novo ocupado, arrasado, abatido. As gentes estão em desespero, sem ter para onde correr, sob bombas e terror. Os estrangeiros – que poderiam ser escudo - estão em retirada. Não há ninguém para ajudar. Os libaneses estão sós, assim como os palestinos estão em solidão desde há 60 anos. Aqui, neste lado do mundo, também acossados pela violência da fome, da insegurança, da miséria, estamos nós, praticamente impotentes. Meu desejo é de que, pelo menos os jornalistas que estão por lá, possam fazer algo. Que digam o que, de fato, acontece. Basta de propaganda barata. Queremos as outras vozes!!! A moeda dos fatos não tem face única.
- Elaine Tavares – jornalista no Ola/UFSC. O OLA é um projeto de observação das lutas populares na América Latina. www.ola.cse.ufsc.br
https://www.alainet.org/en/node/116224
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