Quando eu perco a fé!
13/08/2006
- Opinión
Tem momentos em que eu perco a fé. Não sei, me dá um vazio, uma sensação de que tudo me foge. O chão sai dos pés e eu caio num torvelinho. A vida fica sem sentido e eu me penduro no abismo, tentando encontrar um mísero galhinho onde me agarrar. Minha primeira reação, quando fico assim, é brigar com deus. É, porque meu deus é assim, minúsculo. Ele não tem a magnificência de um Deus com D grande. Ele é fraco. Tão fraco quanto eu. Por isso brigamos. Porque, às vezes, eu lhe exijo poder.
Fico vendo as imagens do Líbano, da Rocinha, do Morro do Vidigal, da periferia de São Paulo, dos morros de Floripa. É tanta dor. É tanto sangue, tanta violência, tanto desprezo pela vida. Policiais matam meninos. Meninos matam meninos. Exércitos massacram civis. O amor não tem lugar. E, mesmo quando existe, parece não ter força para salvar sequer aqueles que estão mais próximos. É miragem, excrescência, pieguice. Todo o sonho de uma vida repartida, de realidades em comunhão, de fartura sã, de alegria gratuita, se esvai num segundo. E, nesse vazio, onde está aquele que prometeu nunca ir embora?
Aí eu fico por dias a manear a cabeça, a resmungar palavras sem sentido, a chorar pelos cantos, perdida na impotência. Grão de areia, poeira cósmica, quem sou eu para mudar a caminhada da raça? E onde está o meu amparo das noites de solidão? Por que não faz alguma coisa, já que eu não tenho poder algum para parar a guerra e espalhar o amor?
Então, noite dessas, ele veio, de manso, porque me conhece. Um sorriso, um carinho e aquele olhar de primavera. Ficou quieto, no jeito mineiro que tem – é, meu deus tem todo o jeitinho mineiro de estar acocorado, olhando longe, a mastigar hastes de capim. Eu a bufar, numa raiva surda. E ele no silêncio, esperando. Então me abraçou e choramos longamente, os dois, perdidos na impotência. Até que, na escuridão, surgiram os vaga-lumes, vários deles. Faziam piruetas em volta de nós, como a convidar para uma dança. Nessa hora, ouvi o riso de cristal do meu deus virado em menino. A lua era cheia, a noite era amena, as corujas piavam no telhado e tudo parecia em paz. Rolamos na grama, rindo, encantados com os vaga-lumes. Foram poucos minutos de uma graça plena, como se tudo tivesse parado. “E sabe do que mais, pequena? Amanhã vai amanhecer...” disse ele quando se foi.
O fato é que amanheceu e aqui estou falando de fé, de dores e dessa vontade louca de fazer com que o mundo seja mesmo um imenso jardim, onde possamos sempre brincar com os vaga-lumes... É dia já, mas ainda escuto seu riso de cristal.
- Elaine Tavares – jornalista no OLA
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