O “poder global”
09/10/2007
- Opinión
“A esperança e a previsão, embora inseparáveis, não são a mesma coisa, e toda previsão sobre o mundo real tem que repousar em algum tipo de inferência sobre o futuro, a partir daquilo que aconteceu no passado, ou seja, a partir da história.”
Eric Hobsbawm, Sobre a História, Companhia das Letras, p:67
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Na década de 70, do século XX, discutiu-se muito sobre a “crise da hegemonia americana”. Foi no tempo da derrota dos EUA, no Vietnã, da crise do “padrão dólar”, da subida do preço do petróleo e do fim do crescimento econômico acelerado do pós-guerra. E foi também, no tempo da Revolução Sandinista, da Nicarágua, da revolução islâmica, do Irã, e da invasão soviética, do Afeganistão, consideradas, na época, grandes derrotas da política externa norte-americana. Hoje, quase quarenta anos depois, volta-se a falar com insistência, do declínio do poder mundial dos Estados Unidos. O historiador inglês, Eric Hobsbawm, afirmou numa entrevista recente, que o “projeto americano está falindo”, e que a “superioridade dos Estados Unidos é um fenômeno temporário”[1]. Quase na mesma linha do economista italiano, Giovanni Arrighi, que defende a tese que a “hegemonia americana” está vivendo uma “crise terminal”, depois do “fracasso do projeto neo-conservador no Iraque”, e depois que “os Estados Unidos deixaram de ser um estado hegemônico que criava ordem, para se tornarem uma força do caos e da desordem”[2]. No caso do sociólogo norte-americano, Immanuel Wallerstein, a previsão é ainda mais radical: o que está em crise e deve acabar até a metade do Século XXI, não é apenas a hegemonia americana, é o próprio “sistema mundial moderno” que se formou a partir da Europa, depois do século XVI[3]. Mas nenhum destes autores consegue definir com precisão o que seja uma “crise terminal”, do poder e da superioridade americana, ou do próprio “sistema mundial moderno”, de que fala Wallerstein. Por que se trataria de uma “crise terminal”, e não apenas de uma crise cíclica ou passageira? e além disto, mesmo que fosse “terminal”, qual seria a sua duração e o seu desfecho? e o que é mais importante, o que passaria no mundo, durante este período de transição e de espera do “juizo final”?
Na verdade, o ponto fraco de todas estas previsões não está na sua análise da conjuntura internacional, está na teoria em que se apoiam suas projeções de longo prazo: a hipótese de que o “sistema mundial moderno” requer a existencia de “potencias hegemônicas” sucessivas, para manter a sua ordem política e o bom funcionamento da sua economia internacional. Dentro desta teoria das “sucessões hegemônicas”, o “líder” ou “hegemon” aparece na história como uma espécie de “resposta funcional” ao problema da “ingovernabilidade” de um sistema que é anárquico, porque é formado por estados nacionais soberanos. Por isto, em geral, esta teoria destaca as contribuições positivas do hegemon, para o bom funcionamento e para “governaça global” do sistema, sem dar maior atenção à dinâmica contraditória das relações existentes entre o “hegemon” e os demais estados que participam do sistema mundial. Por isto também, esta teoria funcional e evolucionista da “hegemonia”, não consegue dar conta do movimento contínuo de competição, luta e expansão dos estados e economias nacionais que já conquistaram a condição de “grandes potências”, e fazem parte do “núcleo central” de todo o sistema, mas seguem competindo entre si, mesmo nos períodos que aparentam uma alta “tranqüilidade hegemônica”. Daí sua dificuldade para compreender situações de conflito e de ruptura, e a pressa com que estas análises e previsões, anunciam “crises terminais”, a cada nova turbulencia econômica, guerra, ou derrota do “hegemon”, sem considerar a possibilidade que estas crises e guerras possam fazer parte do processo de reprodução e expansão do poder e riqueza do próprio “hegemon”, que não foi eleito para ser representante, nem para cuidar dos interesses gerais da humanidade.
A crítica desta teoria da “hegemonia mundial”, e destas previsões baseadas na hipótese dos “ciclos hegemônicos”, está na origem do conceito e da pesquisa sobre o “poder global”[4]: um modo de olhar e analisar o sistema político mundial e suas relações com a internacionalização capitalista, que privilegia o conflito e as contradições do sistema mais do que suas relações funcionais. Da perspectiva do “poder global”, o sistema mundial é uma “máquina de acumulação de poder e riqueza”, e seu motor é a competição e a guerra, entre seus estados e economias nacionais Dentro deste “sistema mundial”, não existem países satisfeitos, todos estão sempre se propondo aumentar seu poder e sua riqueza, e neste sentido, todos são expansivos, em particular, as “grandes potências” que já ocupam o topo da hierarquia do poder e da riqueza mundiais. Por isto, este sistema pode ser comparado com um “universo” em expansão contínua, onde todas as potências que lutam pelo poder global, estão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise, paz e guerra. E como conseqüência, se pode afirmar com toda certeza que dentro deste universo, ou seja, dentro do “sistema mundial moderno”, nunca houve nem haverá “paz perpétua”, nem hegemonia estável . Pelo contrário, do nosso ponto de vista, o que ordena e “estabiliza” as relações hierárquicas internas do sistema mundial, paradoxalmente, é a existência de “eixos conflitivos crônicos”, junto com a permanente possibilidade de uma nova guerra, entre as grandes potências. Por isto, do ponto de vista do “poder global”, desordem, crise e guerra não são, por si mesmos, um anuncio do “fim”, são uma parte necessária do movimento de expansão do sistema mundial. E deste mesmo ponto de vista, falar de uma “crise terminal”, com data marcada, de um poder hegemônico, ou do próprio “sistema mundial moderno” é um absurdo teórico e histórico. Até porque, no tempo de espera da “hora final”, o mais provável é que o sistema siga enfrentando e superando crises econômicas, como em toda a história da internacionalização capitalista, e situações de guerra, como em toda a história geopolítica das nações, inaugurada pela Paz de Westfália, em 1648. E, portanto, com relação a este tempo de espera, todas estas previsões “terminais”, são absolutamente inúteis.
Eric Hobsbawm, Sobre a História, Companhia das Letras, p:67
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Na década de 70, do século XX, discutiu-se muito sobre a “crise da hegemonia americana”. Foi no tempo da derrota dos EUA, no Vietnã, da crise do “padrão dólar”, da subida do preço do petróleo e do fim do crescimento econômico acelerado do pós-guerra. E foi também, no tempo da Revolução Sandinista, da Nicarágua, da revolução islâmica, do Irã, e da invasão soviética, do Afeganistão, consideradas, na época, grandes derrotas da política externa norte-americana. Hoje, quase quarenta anos depois, volta-se a falar com insistência, do declínio do poder mundial dos Estados Unidos. O historiador inglês, Eric Hobsbawm, afirmou numa entrevista recente, que o “projeto americano está falindo”, e que a “superioridade dos Estados Unidos é um fenômeno temporário”[1]. Quase na mesma linha do economista italiano, Giovanni Arrighi, que defende a tese que a “hegemonia americana” está vivendo uma “crise terminal”, depois do “fracasso do projeto neo-conservador no Iraque”, e depois que “os Estados Unidos deixaram de ser um estado hegemônico que criava ordem, para se tornarem uma força do caos e da desordem”[2]. No caso do sociólogo norte-americano, Immanuel Wallerstein, a previsão é ainda mais radical: o que está em crise e deve acabar até a metade do Século XXI, não é apenas a hegemonia americana, é o próprio “sistema mundial moderno” que se formou a partir da Europa, depois do século XVI[3]. Mas nenhum destes autores consegue definir com precisão o que seja uma “crise terminal”, do poder e da superioridade americana, ou do próprio “sistema mundial moderno”, de que fala Wallerstein. Por que se trataria de uma “crise terminal”, e não apenas de uma crise cíclica ou passageira? e além disto, mesmo que fosse “terminal”, qual seria a sua duração e o seu desfecho? e o que é mais importante, o que passaria no mundo, durante este período de transição e de espera do “juizo final”?
Na verdade, o ponto fraco de todas estas previsões não está na sua análise da conjuntura internacional, está na teoria em que se apoiam suas projeções de longo prazo: a hipótese de que o “sistema mundial moderno” requer a existencia de “potencias hegemônicas” sucessivas, para manter a sua ordem política e o bom funcionamento da sua economia internacional. Dentro desta teoria das “sucessões hegemônicas”, o “líder” ou “hegemon” aparece na história como uma espécie de “resposta funcional” ao problema da “ingovernabilidade” de um sistema que é anárquico, porque é formado por estados nacionais soberanos. Por isto, em geral, esta teoria destaca as contribuições positivas do hegemon, para o bom funcionamento e para “governaça global” do sistema, sem dar maior atenção à dinâmica contraditória das relações existentes entre o “hegemon” e os demais estados que participam do sistema mundial. Por isto também, esta teoria funcional e evolucionista da “hegemonia”, não consegue dar conta do movimento contínuo de competição, luta e expansão dos estados e economias nacionais que já conquistaram a condição de “grandes potências”, e fazem parte do “núcleo central” de todo o sistema, mas seguem competindo entre si, mesmo nos períodos que aparentam uma alta “tranqüilidade hegemônica”. Daí sua dificuldade para compreender situações de conflito e de ruptura, e a pressa com que estas análises e previsões, anunciam “crises terminais”, a cada nova turbulencia econômica, guerra, ou derrota do “hegemon”, sem considerar a possibilidade que estas crises e guerras possam fazer parte do processo de reprodução e expansão do poder e riqueza do próprio “hegemon”, que não foi eleito para ser representante, nem para cuidar dos interesses gerais da humanidade.
A crítica desta teoria da “hegemonia mundial”, e destas previsões baseadas na hipótese dos “ciclos hegemônicos”, está na origem do conceito e da pesquisa sobre o “poder global”[4]: um modo de olhar e analisar o sistema político mundial e suas relações com a internacionalização capitalista, que privilegia o conflito e as contradições do sistema mais do que suas relações funcionais. Da perspectiva do “poder global”, o sistema mundial é uma “máquina de acumulação de poder e riqueza”, e seu motor é a competição e a guerra, entre seus estados e economias nacionais Dentro deste “sistema mundial”, não existem países satisfeitos, todos estão sempre se propondo aumentar seu poder e sua riqueza, e neste sentido, todos são expansivos, em particular, as “grandes potências” que já ocupam o topo da hierarquia do poder e da riqueza mundiais. Por isto, este sistema pode ser comparado com um “universo” em expansão contínua, onde todas as potências que lutam pelo poder global, estão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise, paz e guerra. E como conseqüência, se pode afirmar com toda certeza que dentro deste universo, ou seja, dentro do “sistema mundial moderno”, nunca houve nem haverá “paz perpétua”, nem hegemonia estável . Pelo contrário, do nosso ponto de vista, o que ordena e “estabiliza” as relações hierárquicas internas do sistema mundial, paradoxalmente, é a existência de “eixos conflitivos crônicos”, junto com a permanente possibilidade de uma nova guerra, entre as grandes potências. Por isto, do ponto de vista do “poder global”, desordem, crise e guerra não são, por si mesmos, um anuncio do “fim”, são uma parte necessária do movimento de expansão do sistema mundial. E deste mesmo ponto de vista, falar de uma “crise terminal”, com data marcada, de um poder hegemônico, ou do próprio “sistema mundial moderno” é um absurdo teórico e histórico. Até porque, no tempo de espera da “hora final”, o mais provável é que o sistema siga enfrentando e superando crises econômicas, como em toda a história da internacionalização capitalista, e situações de guerra, como em toda a história geopolítica das nações, inaugurada pela Paz de Westfália, em 1648. E, portanto, com relação a este tempo de espera, todas estas previsões “terminais”, são absolutamente inúteis.
[1] Entrevista a Folha de São Paulo, dia 30 de setembro de 2007
[2] Entrevista para a Folha de São Paulo, do dia 2 de setembro de 2007.
[3] Entrevista para o jornal O Globo, do dia 18 de agosto de 2007
[4] Fiori, J.L. (2007), O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações, Editora Boitempo, São Paulo
https://www.alainet.org/en/node/123674
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