Milho transgênico: a quem interessa?
19/03/2008
- Opinión
Caros amigos, para evitar que minha incontrolável indignação interfira sobre a clareza dos fatos que vou narrar, por si só contundentes, vou alinhá-los em tópicos e da forma mais enxuta possível.
1. Em julho de 2002, o candidato Lula publicou seu programa de governo, assinado pelo coordenador de sua campanha, Antonio Palloci. No capítulo agricultura, item dos transgênicos, há um compromisso claro: que o governo Lula assumiria a responsabilidade pela precaução. Ou seja, não liberaria nenhuma semente transgênica sem absoluta segurança.
2. Durante o ano de 2007, a CTN-BIO, Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia, aprovou sem nenhum estudo científico de impactos na natureza e na saúde humana, como manda a lei, o uso comercial de duas variedades de milho transgênico: o milho MON 810, da empresa americana Monsanto, e o milho Liberty Link, da alemã Bayer.
3. Não tendo sido cumpridas as regras de segurança previstas na lei, o Ibama, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e a Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, recorreram ao conselho de ministros denunciando o perigo que isso significa para o meio ambiente e para a saúde da população.
4. No dia 12 de fevereiro, o conselho se reuniu. Sua coordenadora, a ministra Dilma Rousseff, advertiu que a liberação era uma questão de interesse do governo (ou de empresas transnacionais?) e exigiu fidelidade dos ministros. Não conseguiu a de todos, mas mesmo assim as novas “variedades” de milho foram aprovadas por sete votos a favor e quatro contra.
5. Entre os que votaram a favor estão o Itamaraty e o Ministério da Justiça. Além dos que tradicionalmente se manifestam a favor das empresas transnacionais, como Agricultura, Desenvolvimento e Indústria, Defesa, e Ciência e Tecnologia.
6. O Itamaraty foi questionado: como explicar que em reuniões internacionais assina acordos pelo direito da precaução e em nível interno vota contra? Explicação: o subsecretário que foi à reunião e votou não obedeceu à linha do ministério!
7. O ministro Tarso Genro, também questionado, tirou o corpo fora, alegando que o chefe de gabinete também não espelhava sua opinião... Então, espelha a opinião de quem?
8. Terminada a reunião, o ministro Sérgio Rezende comemorou descaradamente, na imprensa, a vitória da Bayer e da Monsanto. E saber que o rapaz é filiado ao Partido Socialista. Deveria mudar para o partido Sou-da-lista...
9. Os movimentos sociais advertiram o governo. Dezenas de intelectuais, pastores, bispos, cientistas enviaram carta aberta aos ministros pedindo a manutenção da precaução, conforme recomendação do Ibama e Anvisa, os dois órgãos diretamente ligados ao assunto.
10. A ciência já comprovou: as sementes de milho transgênicas não convivem com as outras variedades. Elas afetam geneticamente todas as demais em imensas extensões de lavouras. Nos anos oitenta, os norte-americanos cobriram com adesivos a fuselagem de um avião que sobrevoou, a grande altitude, o Corn Belt (o Cinturão do Milho) do país. Colheram desse adesivo material genético de milhares de variedades do cereal. É a glória e maldição do milho: a polinização é aberta, promovida pelo próprio vento. Deve-se esclarecer, também, que a pesquisa genética com essas sementes não visa selecionar características que as tornem resistentes às pragas e doenças, mas sim aos herbicidas e venenos fabricados por seus próprios desenvolvedores. E, pior, não há estudo comprobatório de sua segurança. Nenhum.
11. O sistema de acompanhamento de contaminação de transgênicos do Greenpeace, uma das mais importantes organizações ambientalistas do mundo, já recolheu denúncias de “contaminação” genética por essas variedades de milho em dezesseis países.
12. Nos Estados Unidos, a variedade da Bayer está proibida, pois apresentou problemas na alimentação dos porcos. Em janeiro passado, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, que não é nenhum fanático-ambientalista, proibiu o cultivo comercial do milho da Monsanto. Talvez por isso as duas empresas transnacionais tenham aumentado a pressão pela aprovação do seu milho no Brasil.
13. Lembre-se ainda que a difusão dessas variedades de milho no México acabou com todas as variedades locais, crioulas, que eram controladas pelos camponeses e usadas no preparo da tortilla, o prato nacional do país. e levou à falência milhares de famílias de camponeses pobres.
13. As empresas alegam que vão diminuir a dosagem dos venenos. O mesmo diziam sobre a soja transgênica da Monsanto. No Rio Grande do Sul, depois de consolidado o uso da soja transgênica, a utilização de veneno subiu 7,5 quilos para cada quilo usado antes (750%). Por isso, o Brasil é hoje o maior consumidor de venenos agrícolas do mundo!
14. Os movimentos camponeses do Brasil não ficarão calados. Buscaremos todas as formas possíveis para defender nossas variedades e a saúde de nossos cultivos. Dos ministros defensores das transnacionais, só esperamos que tenham vergonha na cara. Porque a história de um povo é um pouquinho mais longa do que quatro anos de governo – e um dia o povo brasileiro vai cobrá-los.
- João Pedro Stedile é do MST e da coordenação nacional da Via Campesina Brasil.
1. Em julho de 2002, o candidato Lula publicou seu programa de governo, assinado pelo coordenador de sua campanha, Antonio Palloci. No capítulo agricultura, item dos transgênicos, há um compromisso claro: que o governo Lula assumiria a responsabilidade pela precaução. Ou seja, não liberaria nenhuma semente transgênica sem absoluta segurança.
2. Durante o ano de 2007, a CTN-BIO, Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia, aprovou sem nenhum estudo científico de impactos na natureza e na saúde humana, como manda a lei, o uso comercial de duas variedades de milho transgênico: o milho MON 810, da empresa americana Monsanto, e o milho Liberty Link, da alemã Bayer.
3. Não tendo sido cumpridas as regras de segurança previstas na lei, o Ibama, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e a Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, recorreram ao conselho de ministros denunciando o perigo que isso significa para o meio ambiente e para a saúde da população.
4. No dia 12 de fevereiro, o conselho se reuniu. Sua coordenadora, a ministra Dilma Rousseff, advertiu que a liberação era uma questão de interesse do governo (ou de empresas transnacionais?) e exigiu fidelidade dos ministros. Não conseguiu a de todos, mas mesmo assim as novas “variedades” de milho foram aprovadas por sete votos a favor e quatro contra.
5. Entre os que votaram a favor estão o Itamaraty e o Ministério da Justiça. Além dos que tradicionalmente se manifestam a favor das empresas transnacionais, como Agricultura, Desenvolvimento e Indústria, Defesa, e Ciência e Tecnologia.
6. O Itamaraty foi questionado: como explicar que em reuniões internacionais assina acordos pelo direito da precaução e em nível interno vota contra? Explicação: o subsecretário que foi à reunião e votou não obedeceu à linha do ministério!
7. O ministro Tarso Genro, também questionado, tirou o corpo fora, alegando que o chefe de gabinete também não espelhava sua opinião... Então, espelha a opinião de quem?
8. Terminada a reunião, o ministro Sérgio Rezende comemorou descaradamente, na imprensa, a vitória da Bayer e da Monsanto. E saber que o rapaz é filiado ao Partido Socialista. Deveria mudar para o partido Sou-da-lista...
9. Os movimentos sociais advertiram o governo. Dezenas de intelectuais, pastores, bispos, cientistas enviaram carta aberta aos ministros pedindo a manutenção da precaução, conforme recomendação do Ibama e Anvisa, os dois órgãos diretamente ligados ao assunto.
10. A ciência já comprovou: as sementes de milho transgênicas não convivem com as outras variedades. Elas afetam geneticamente todas as demais em imensas extensões de lavouras. Nos anos oitenta, os norte-americanos cobriram com adesivos a fuselagem de um avião que sobrevoou, a grande altitude, o Corn Belt (o Cinturão do Milho) do país. Colheram desse adesivo material genético de milhares de variedades do cereal. É a glória e maldição do milho: a polinização é aberta, promovida pelo próprio vento. Deve-se esclarecer, também, que a pesquisa genética com essas sementes não visa selecionar características que as tornem resistentes às pragas e doenças, mas sim aos herbicidas e venenos fabricados por seus próprios desenvolvedores. E, pior, não há estudo comprobatório de sua segurança. Nenhum.
11. O sistema de acompanhamento de contaminação de transgênicos do Greenpeace, uma das mais importantes organizações ambientalistas do mundo, já recolheu denúncias de “contaminação” genética por essas variedades de milho em dezesseis países.
12. Nos Estados Unidos, a variedade da Bayer está proibida, pois apresentou problemas na alimentação dos porcos. Em janeiro passado, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, que não é nenhum fanático-ambientalista, proibiu o cultivo comercial do milho da Monsanto. Talvez por isso as duas empresas transnacionais tenham aumentado a pressão pela aprovação do seu milho no Brasil.
13. Lembre-se ainda que a difusão dessas variedades de milho no México acabou com todas as variedades locais, crioulas, que eram controladas pelos camponeses e usadas no preparo da tortilla, o prato nacional do país. e levou à falência milhares de famílias de camponeses pobres.
13. As empresas alegam que vão diminuir a dosagem dos venenos. O mesmo diziam sobre a soja transgênica da Monsanto. No Rio Grande do Sul, depois de consolidado o uso da soja transgênica, a utilização de veneno subiu 7,5 quilos para cada quilo usado antes (750%). Por isso, o Brasil é hoje o maior consumidor de venenos agrícolas do mundo!
14. Os movimentos camponeses do Brasil não ficarão calados. Buscaremos todas as formas possíveis para defender nossas variedades e a saúde de nossos cultivos. Dos ministros defensores das transnacionais, só esperamos que tenham vergonha na cara. Porque a história de um povo é um pouquinho mais longa do que quatro anos de governo – e um dia o povo brasileiro vai cobrá-los.
- João Pedro Stedile é do MST e da coordenação nacional da Via Campesina Brasil.
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