Um novo fôlego na nacionalização do gás
16/07/2008
- Opinión
Em 2008, governo do presidente Evo Morales, que vem sendo criticado por alguns setores da esquerda boliviana por não consolidar o processo iniciado em maio de 2006, acelera as medidas rumo ao controle de toda a cadeia da produção de hidrocarbonetos
Evo Morales prometeu: o gás, além de nacionalizado, seria industrializado. Pois, passados dois anos do decreto de 1º de maio de 2006, quando se estabeleceu que os recursos hidrocarboríferos (petróleo e gás) seriam de propriedade do Estado boliviano, sobravam críticas ao presidente indígena.
Alguns analistas da esquerda diziam que a nacionalização não estava consolidada, pois o gás ainda não era processado industrialmente e as transnacionais ainda comandavam a cadeia de produção de hidrocarbonetos.
Além disso, as empresas estrangeiras continuavam a operar nos poços. O que havia acontecido teria sido tão somente um pequeno aumento de impostos a elas (ver matéria), se comparados com os determinados pela Lei 3058, de 2005, formulada no governo de Carlos Mesa (2003-2005).
Pois, em 2008, o governo, como que concordando com os críticos, decidiu acelerar as ações de consolidação da nacionalização. O último capítulo foi executado no dia 14, quando Evo Morales inaugurou, no departamento de Santa Cruz, a construção de uma planta separadora de líquidos do gás natural, que terá a capacidade de produzir, diariamente, 260 toneladas de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP, ou gás de cozinha) e 450 barris de gasolina.
Perda econômica
Tal processo industrial é essencial para a economia do país. Na exportação de gás natural ao Brasil e à Argentina, estes recebem, juntamente com o produto bruto, componentes que possuem preços elevados no mercado, como o GLP, a gasolina e outros energéticos. E não pagavam por isso – recentemente, o Brasil iniciou uma pequena compensação financeira. Com a separação, a Bolívia poderá, além de abastecer o mercado interno com tais produtos, exportar com base no valor de mercado.
Mas o novo fôlego dado pelo governo boliviano à nacionalização dos hidrocarbonetos teve início em 1º de maio deste ano. Através de decretos supremos, o Estado passou a controlar, através da compra de ações, 50% mais um das transnacionais Andina e Chaco, além de 100% da Companhia Logística de Hidrocarbonetos Boliviana (CLHB).
A primeira tinha 50% de participação nos dois maiores campos de gás do país, San Alberto e San Antonio (em ambos, a Petrobras participa em 35%). A segunda explorava poços de petróleo cru condensado e gás natural. Já a última, de capitais alemães e peruanos, era responsável pelo armazenamento e transporte de líquidos (diesel, querosene etc).
Em 2 de junho, o governo boliviano emitiu outro decreto, estabelecendo o controle, através da compra, de 97% da Transredes, holding de transporte formada pelas empresas Shell e Ashmore e que contava com a participação da Enron (veja matéria).
Refundação
Além dessas medidas, o Executivo preparou a “refundação” da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), através da sua recomposição como uma empresa corporativa, ou seja, com subsidiárias em todos os setores da cadeia de produção de hidrocarbonetos (veja matéria). A retomada do controle sobre as empresas Andina, Chaco, Transredes e CLHB insere-se nesse contexto.
Para o ex-ministro dos Hidrocarbonetos do governo Evo, Andrés Soliz Rada, o setor conciliador dentro do Executivo que impedia medidas mais radicais retrocedeu, uma vez que os “avanços de 2008 são muito importantes”. “Os decretos de 1º de maio deste ano são positivos, já que é preferível que se façam as coisas tarde do que nunca”, diz, lembrando, no entanto, que já houve tentativas frustradas de se reorganizar a YPFB.
Segundo o vice-ministro boliviano de Desenvolvimento Energético (órgão subordinado ao Ministério dos Hidrocarbonetos), Jorge Ortiz, o processo de nacionalização dos hidrocarbonetos se sustenta em quatro pilares: a propriedade estatal dos recursos, o controle e direção da cadeia a cargo do Estado, a recuperação das empresas privatizadas e a industrialização do gás.
Propriedade estatal
De acordo com ele, o primeiro passou foi dado em 1º de maio de 2006, com o decreto de nacionalização, e em outubro do mesmo ano, com a assinatura dos novos contratos. “Assinamos 44 contratos com 16 empresas, para investigação e exploração de mais de 60 campos de hidrocarbonetos, que hoje produzem mais de 40 mil barris de petróleo e mais de 40 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. São contratos de serviços, onde as empresas assumem os riscos, e o Estado devolve o investimento e um lucro. Aqui, a propriedade dos recursos é do Estado, através da YPFB, a única que pode comercializar no mercado interno e externo”, explica.
Além disso, segundo Ortiz, o governo estabeleceu 33 áreas de investigação e exploração reservadas à estatal. Ou seja, somente esta pode operar os campos, sozinha ou em sociedade. “Esperamos conseguir os primeiros resultados este ano com o início de perfuração no sul e no norte do país com a YPFB Petro Andina SA Mista, nova empresa onde a YPFB tem 60% e a PDVSA (estatal venezuelana), 40%”, diz.
No segundo pilar, Ortiz destaca o conceito da YPFB corporativa. Agora, a matriz conta com seis subsidiárias, cinco delas recuperadas do processo de privatização (o terceiro pilar). Além das quatro empresas retomadas entre maio e junho deste ano (nas áreas de exploração, transporte e logística), há as duas refinarias compradas da Petrobras em julho de 2007, que formaram a YPFB Refinação. A sexta subsidiária é a YPFB Petro Andina SA Mista.
Atrasado
Já o quarto pilar, a industrialização dos recursos, é considerado o menos avançado pelo vice-ministro de Desenvolvimento Energético, “porque tivemos que começar do zero”. No entanto, ele destaca algumas ações, como a criação da Empresa Boliviana de Industrialização de Hidrocarbonetos – hoje ainda parte da YPFB, mas que no futuro será independente –, a construção da planta de separação de gás em Santa Cruz, a previsão de instalação da “maior planta de separação da América do Sul” no departamento de Tarija e de uma fábrica de plásticos em parceria com a brasileira Braskem.
Mesmo avaliando como bastante positivo o processo de nacionalização iniciado em 2006, Ortiz acredita que ainda falta muita coisa, como o estabelecimento de mecanismos mais efetivos de fiscalização dos contratos com as transnacionais; a exigência de mais investimentos destas; a implementação mais rápida da estratégia das 33 áreas reservadas à YPFB, para que mais campos sejam descobertos; a consolidação da YPFB corporativa com pessoal especializado e com visão política; a melhora da eficiência das empresas recuperadas; e a aceleração da execução de projetos mais específicos, como a instalação de gás domiciliar em todos os lares bolivianos.
“Essas tarefas pendentes fazem parte de uma estratégia nacional proposta pelo Ministério dos Hidrocarbonetos e que será o ponto de referência para se levar adiante as atividades em toda a cadeia de produção”, conclui Ortiz.
O controle estatal sobre a cadeia de produção
O governo boliviano promete consolidar, até o fim de 2008, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) em sua composição corporativa. Ou seja, a atuação em todos os setores da cadeia de hidrocarbonetos, através da matriz e suas subsidiárias.
“Até a nacionalização, a YPFB era uma empresa residual. Não havia possibilidade de empreender por conta própria, só estava em algumas tarefas da comercialização. Depois, em maio de 2008, possibilitou-se a participação em toda a cadeia. Isso vai reposicionar totalmente os termos da produção e os de geração de recursos”, prevê Misael Gemio, gerente de planejamento da estatal.
Para ele, o que resta à empresa é aprofundar tal controle da cadeia de hidrocarbonetos. Para atingir esse objetivo, a YPFB está elaborando um plano estratégico de ação até 2015, que visa mais que duplicar a capacidade de produção.
Ou seja, a Bolívia saltaria de 42 milhões de metros cúbicos de gás natural e 47 mil barris de petróleo produzido diariamente em 2007 para 100 milhões de m³ e 100 mil barris já em 2013. Para tal, estão previstos investimentos de 13,4 bilhões de dólares entre 2008 e 2015, o quádruplo do investido no período 2000-2007 (3,4 bilhões). Só na industrialização dos recursos, serão desembolsados 4 bilhões de dólares.
Dinheiro em caixa
E, devido aos efeitos da nacionalização de maio de 2006, a YPFB poderá aportar algo desse total de investimentos. Sem recursos após o processo de privatizações, a estatal contaria, hoje, com entre 400 e 500 milhões de dólares, segundo seu gerente de planejamento.
Isso porque, com o decreto de dois anos atrás, os dois maiores campos de gás passaram a destinar 32% da produção à empresa. Além disso, o Brasil pagou 100 milhões de dólares em 2007 e pagará outros 100 milhões em 2008 de compensação pelos componentes enviados juntos com o gás natural (ver matéria)
A intenção, segundo Gemio, é resolver imediatamente o problema de abastecimento dos mercados interno e externo, mas também projetar a questão da energia até 2020. “Concebemos a YPFB como um dos atores mais importante da América Latina em termos de energia. Com todas essas medidas, ela está adquirindo valor e também tem a possibilidade de gerar valor”, explica.
Gemio cita como essencial dentro dessa estratégia a recuperação de empresas privatizadas (veja matéria). Segundo ele, estas irão representar, nos próximos cinco anos mais da metade do valor total dos investimentos no setor. A meta é fazer da YPFB, em 2015, a maior empresa do Cone Sul no segmento de gás.
Modelo Petrobras
No entanto, para Carlos Arze Vargas, diretor do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (CEDLA), a estatal boliviana não renascerá totalmente, nos moldes anteriores às privatizações. Para ele, a empresa ainda não possui capacidade técnica nem recursos humanos adequados, sendo, basicamente, um “escritório de administração”.
Segundo Vargas, sua reorganização acentuará o formato híbrido da YPFB, especialmente com a criação de empresas mistas. “A idéia é refundá-la sob o modelo Petrobras. Estatal, mas com lógicas capitalistas e transnacionais”, analisa.
Na opinião dele, no caso das recuperações das transnacionais Andina e Chaco, por exemplo, a YPFB provavelmente aparecerá como controladora acionária, mas a empresa estrangeira continuará na direção. “Porque, mesmo no governo, está muito incrustada a idéia de que o estatal não é suficiente”.
O Estado estaria utilizando a propriedade legal dos recursos para negociar os novos projetos em melhores condições. “Não muda radicalmente a orientação, e sim se adéqua ao que se tem”, critica. (IO)
Um processo cheio de contradições
Apesar das recentes medidas tomadas pelo governo boliviano no sentido de avançar na nacionalização dos hidrocarbonetos, existem ainda inúmeras críticas ao processo liderado pelo presidente Evo Morales.
“O erro do governo residiu em executar o decreto de maio de 2006 a conta-gotas, em vez de aproveitar o fervor e a mobilização popular que resultou na medida. Por exemplo, a YPFB devia ter tomado o controle da produção de petróleo em poucas semanas, o que obrigaria a Petrobras a vender suas refinarias imediatamente, em lugar de esperar um ano”, analisa Andrés Soliz Rada, ex-ministro dos Hidrocarbonetos da atual gestão.
Para ele, a recuperação das empresas Transredes, Chaco e Andina (ver matéria) também deveria ter sido executada na ocasião. “E o pagamento das indenizações deveria estar condicionado aos resultados das auditorias previstas pelo decreto, assim como às sentenças judiciais por golpe, evasão de impostos e contrabando, cometidos pelas petroleiras, incluindo a Petrobras”.
Segundo Rada, outro problema derivado da nacionalização é o mau uso dos seus recursos financeiros. Ele critica a destinação do dinheiro a bolsas sociais e a empréstimos a transnacionais e bancos estrangeiros.
Mau negócio
“A Bolívia empresta ao Banco Santander Hispano, por exemplo, a 3% de juros anuais, com o argumento de que ter o dinheiro dentro do país gera inflação. E toma emprestado da Corporação Andina de Fomento (CAF) a 8% anuais. Por que não usar isso numa planta separadora de líquidos, numa refinaria grande para não ter que subvencionar o gás que importamos?”, questiona.
Carlos Arze Vargas, diretor do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (CEDLA), vai mais longe nas restrições ao processo. Para ele, não houve uma verdadeira nacionalização em 1º de maio. “Foi uma reforma basicamente no aspecto tributário do setor. Essa é a principal mudança, ainda que existam outras secundárias, por exemplo, uma maior participação em algumas fases da atividade hidrocarburífera, mas a medida mesmo não consistiu em uma expropriação de ativos nem de direitos”, opina.
De acordo com Vargas, houve uma “negociação de concessões”: as empresas deveriam cumprir a lei, e o Executivo garantir a segurança jurídica, além de acelerar a exportação. “O governo submeteu as empresas à lei, mas com base em contratos renegociados que não significa substancialmente mudanças rumo a um maior controle do excedente”.
Como agravante, os novos contratos, ao começaram do zero, eliminaram as práticas ilegais das petroleiras, e, além disso, não lhes exigem um cronograma de investimentos na produção.
“Capitalismo social”
Na opinião de Vargas, tais contradições encontram explicação na própria ideologia do Movimiento Al Socialismo (MAS, partido do governo), que aspiraria converter pequenos proprietários e a classe média em atores importantes na economia do país, mas sem excluir os grandes grupos, inclusive os monopólios. “É a famosa frase de Evo, de que queremos sócios, não patrões. Ou seja, pode-se conviver com as grandes empresas num novo tipo de capitalismo social. É o capitalismo andino-amazônico de do vice-presidente Álvaro García Linera”.
Daí, viria a proximidade da política de hidrocarbonetos da Bolívia com petroleiras como a Petrobras e a francesa Total. Para Andrés Soliz Rada, a empresa brasileira já recuperou todas as posições que se haviam enfraquecido com a nacionalização. “Se Evo tem terríveis problemas com a meia lua [a oposição regional ao governo], e pede ajuda para o Lula, o que o Lula pode pedir que o Evo possa negar? ‘Eu falo que a meia lua é ilegal, mas o contrato tem que dizer isso, isso e isso.’”, exemplifica.
Em relação aos franceses, Rada conta um episódio descrito em um livro do ex-presidente Carlos Mesa (2003-2005). “Ele diz que se reuniu, numa ocasião, com integrantes do MAS para discutir a lei de hidrocarbonetos. E que, junto com a delegação, estava um homem chamado Gastón Mujía. Ele é o representante da Total na Bolívia!”.
O resultado, segundo Rada, é que, nos dias 27 e 28 de outubro de 2006, data da assinatura dos novos contratos com a petroleira, quem assina primeiro é a Total, enquanto as demais o fazem no dia seguinte. “Acredito que tal relação tenha nascido em viagens prévias de Evo como candidato à presidência”, diz.
Crise energética
A falta de mão dura no trato com as transnacionais e a conseqüente falta de obrigatoriedade de investimentos seriam as causas principais, na opinião de Carlos Arze Vargas, do CEDLA, da crise energética pela qual passa e passará o país (60% da eletricidade vem do gás), além da incapacidade de abastecer suficientemente a Argentina de gás natural.
Atualmente, a Bolívia produz 42 milhões de metros cúbicos ao dia. Cerca de 7 milhões de m³ são destinados ao mercado interno, 31 milhões de m³ ao Brasil, e o restante à Argentina, que recebe menos de 30% do que o previsto.
“A crise já se apresentou. A escassez de diesel e de GLP está se tornando crônica. O governo só apela para soluções conjunturais, sem atacar os problemas de fundo, como a construção do Gasoduto Boliviano do Ocidente”, lamenta Rada. (IO)
Estado não arrecada 82% da produção de gás
Desconhecimento do resultado de auditorias nas petroleiras reduz a tributação para pouco mais de 50%
A idéia que se tem sobre a nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia, decretada pelo presidente Evo Morales, é que, desde então, as transnacionais passaram a receber, de retorno, apenas 18% do valor da produção de gás, e não mais 50%.
No entanto, atualmente, as porcentagens se aproximam mais do segundo que do primeiro caso. Isso porque, em primeiro lugar, o decreto de 1º de maio de 2006 estabeleceu os 32% adicionais de imposto – destinados à YPFB – apenas às operações nos mega-campos de San Alberto e San Antonio, operados pela Petrobras.
Em relação aos restantes, a tributação foi mantida nos mesmos patamares até a entrada em vigência dos novos contratos, em maio de 2007, já que estes tiveram que passar pela aprovação do Congresso Nacional.
Além disso, a cobrança adicional dos 32% aos mega-campos de gás foi estabelecida de forma provisória, também até maio de 2007. A partir de então, a porcentagem cobrada de todas as empresas seria definida através da realização de auditorias nas petroleiras, que analisaria variáveis como investimentos, custos etc.
Tributação menor
Porém, como na ocasião da assinatura dos contratos, em outubro de 2006, as investigações ainda estavam em curso, a YPFB aceitou, temporalmente e de “boa fé”, os dados proporcionados pelas próprias transnacionais.
Entretanto, até o momento, os resultados das auditorias ainda não são conhecidos oficialmente. Enquanto isso, a participação de 32% devido à YPFB se reduziu a uma média de 4%, fazendo com que o Estado arrecade pouco mais de 50%, e não 82%.
“Como as auditorias não foram levadas em conta, voltou a tributação 50-50, estabelecida na Lei de Hidrocarbonetos 3058 [de 2005]. Sustento que esse 50-50 diminuiu um pouco em prejuízo do Estado, já que a YPFB deve subvencionar com 10 milhões de dólares as companhias que trabalham em campos marginais”, lamenta Andrés Soliz Rada, ex-ministro dos Hidrocarbonetos do governo Evo. (IO)
O golpe da Enron na Bolívia
O decreto presidencial de 2 de junho deste ano, que estabeleceu o controle do Estado, por meio da compra de ações, de 97% da transnacional Transredes, ganha importância se for levado em conta um fato em especial: a associação desta com a empresa Enron, envolvida no maior escândalo financeiro da história dos EUA.
Em julho de 1994, no contexto de um memorando de entendimento entre Brasil e Bolívia para a construção do gasoduto entre os dois países, ficou acordado que a Enron deveria conseguir financiamento para as obras.
No entanto, o investimento não vem e a Petrobras decide bancar o empreendimento, recebendo da Bolívia, como pagamento, gás natural. No momento da assinatura do contrato, a Enron aparece no lugar da YPFB, a estatal boliviana de hidrocarbonetos, tornando-se proprietária do gasoduto.
Conspiração
Em seguida, a empresa estadunidense, juntamente com a Shell, forma a Transredes, empresa de transporte de gás desmembrada da YPFB no processo de privatização. De acordo com o governo boliviano, a Enron embolsou 130 milhões de dólares sem investir um centavo.
Além disso, segundo Andrés Soliz Rada, ex-ministro dos Hidrocarbonetos, a Transredes “é uma das empresas que mais trabalharam com as correntes separatistas no oriente do país. Isso está demonstrado quando a empresa entregou o gasoduto de Villamontes a Tarija ao governador de Santa Cruz, ignorando o governo”.
Rada conta que quando era ministro, a transnacional apresentava gastos mal explicados, que coincidiam com as datas das mobilizações pró-autonomia em Santa Cruz de La Sierra. (IO)
Igor Ojeda
Correspondente do Brasil de Fato em La Paz (Bolívia)
http://www.brasildefato.com.br
Evo Morales prometeu: o gás, além de nacionalizado, seria industrializado. Pois, passados dois anos do decreto de 1º de maio de 2006, quando se estabeleceu que os recursos hidrocarboríferos (petróleo e gás) seriam de propriedade do Estado boliviano, sobravam críticas ao presidente indígena.
Alguns analistas da esquerda diziam que a nacionalização não estava consolidada, pois o gás ainda não era processado industrialmente e as transnacionais ainda comandavam a cadeia de produção de hidrocarbonetos.
Além disso, as empresas estrangeiras continuavam a operar nos poços. O que havia acontecido teria sido tão somente um pequeno aumento de impostos a elas (ver matéria), se comparados com os determinados pela Lei 3058, de 2005, formulada no governo de Carlos Mesa (2003-2005).
Pois, em 2008, o governo, como que concordando com os críticos, decidiu acelerar as ações de consolidação da nacionalização. O último capítulo foi executado no dia 14, quando Evo Morales inaugurou, no departamento de Santa Cruz, a construção de uma planta separadora de líquidos do gás natural, que terá a capacidade de produzir, diariamente, 260 toneladas de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP, ou gás de cozinha) e 450 barris de gasolina.
Perda econômica
Tal processo industrial é essencial para a economia do país. Na exportação de gás natural ao Brasil e à Argentina, estes recebem, juntamente com o produto bruto, componentes que possuem preços elevados no mercado, como o GLP, a gasolina e outros energéticos. E não pagavam por isso – recentemente, o Brasil iniciou uma pequena compensação financeira. Com a separação, a Bolívia poderá, além de abastecer o mercado interno com tais produtos, exportar com base no valor de mercado.
Mas o novo fôlego dado pelo governo boliviano à nacionalização dos hidrocarbonetos teve início em 1º de maio deste ano. Através de decretos supremos, o Estado passou a controlar, através da compra de ações, 50% mais um das transnacionais Andina e Chaco, além de 100% da Companhia Logística de Hidrocarbonetos Boliviana (CLHB).
A primeira tinha 50% de participação nos dois maiores campos de gás do país, San Alberto e San Antonio (em ambos, a Petrobras participa em 35%). A segunda explorava poços de petróleo cru condensado e gás natural. Já a última, de capitais alemães e peruanos, era responsável pelo armazenamento e transporte de líquidos (diesel, querosene etc).
Em 2 de junho, o governo boliviano emitiu outro decreto, estabelecendo o controle, através da compra, de 97% da Transredes, holding de transporte formada pelas empresas Shell e Ashmore e que contava com a participação da Enron (veja matéria).
Refundação
Além dessas medidas, o Executivo preparou a “refundação” da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), através da sua recomposição como uma empresa corporativa, ou seja, com subsidiárias em todos os setores da cadeia de produção de hidrocarbonetos (veja matéria). A retomada do controle sobre as empresas Andina, Chaco, Transredes e CLHB insere-se nesse contexto.
Para o ex-ministro dos Hidrocarbonetos do governo Evo, Andrés Soliz Rada, o setor conciliador dentro do Executivo que impedia medidas mais radicais retrocedeu, uma vez que os “avanços de 2008 são muito importantes”. “Os decretos de 1º de maio deste ano são positivos, já que é preferível que se façam as coisas tarde do que nunca”, diz, lembrando, no entanto, que já houve tentativas frustradas de se reorganizar a YPFB.
Segundo o vice-ministro boliviano de Desenvolvimento Energético (órgão subordinado ao Ministério dos Hidrocarbonetos), Jorge Ortiz, o processo de nacionalização dos hidrocarbonetos se sustenta em quatro pilares: a propriedade estatal dos recursos, o controle e direção da cadeia a cargo do Estado, a recuperação das empresas privatizadas e a industrialização do gás.
Propriedade estatal
De acordo com ele, o primeiro passou foi dado em 1º de maio de 2006, com o decreto de nacionalização, e em outubro do mesmo ano, com a assinatura dos novos contratos. “Assinamos 44 contratos com 16 empresas, para investigação e exploração de mais de 60 campos de hidrocarbonetos, que hoje produzem mais de 40 mil barris de petróleo e mais de 40 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. São contratos de serviços, onde as empresas assumem os riscos, e o Estado devolve o investimento e um lucro. Aqui, a propriedade dos recursos é do Estado, através da YPFB, a única que pode comercializar no mercado interno e externo”, explica.
Além disso, segundo Ortiz, o governo estabeleceu 33 áreas de investigação e exploração reservadas à estatal. Ou seja, somente esta pode operar os campos, sozinha ou em sociedade. “Esperamos conseguir os primeiros resultados este ano com o início de perfuração no sul e no norte do país com a YPFB Petro Andina SA Mista, nova empresa onde a YPFB tem 60% e a PDVSA (estatal venezuelana), 40%”, diz.
No segundo pilar, Ortiz destaca o conceito da YPFB corporativa. Agora, a matriz conta com seis subsidiárias, cinco delas recuperadas do processo de privatização (o terceiro pilar). Além das quatro empresas retomadas entre maio e junho deste ano (nas áreas de exploração, transporte e logística), há as duas refinarias compradas da Petrobras em julho de 2007, que formaram a YPFB Refinação. A sexta subsidiária é a YPFB Petro Andina SA Mista.
Atrasado
Já o quarto pilar, a industrialização dos recursos, é considerado o menos avançado pelo vice-ministro de Desenvolvimento Energético, “porque tivemos que começar do zero”. No entanto, ele destaca algumas ações, como a criação da Empresa Boliviana de Industrialização de Hidrocarbonetos – hoje ainda parte da YPFB, mas que no futuro será independente –, a construção da planta de separação de gás em Santa Cruz, a previsão de instalação da “maior planta de separação da América do Sul” no departamento de Tarija e de uma fábrica de plásticos em parceria com a brasileira Braskem.
Mesmo avaliando como bastante positivo o processo de nacionalização iniciado em 2006, Ortiz acredita que ainda falta muita coisa, como o estabelecimento de mecanismos mais efetivos de fiscalização dos contratos com as transnacionais; a exigência de mais investimentos destas; a implementação mais rápida da estratégia das 33 áreas reservadas à YPFB, para que mais campos sejam descobertos; a consolidação da YPFB corporativa com pessoal especializado e com visão política; a melhora da eficiência das empresas recuperadas; e a aceleração da execução de projetos mais específicos, como a instalação de gás domiciliar em todos os lares bolivianos.
“Essas tarefas pendentes fazem parte de uma estratégia nacional proposta pelo Ministério dos Hidrocarbonetos e que será o ponto de referência para se levar adiante as atividades em toda a cadeia de produção”, conclui Ortiz.
O controle estatal sobre a cadeia de produção
O governo boliviano promete consolidar, até o fim de 2008, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) em sua composição corporativa. Ou seja, a atuação em todos os setores da cadeia de hidrocarbonetos, através da matriz e suas subsidiárias.
“Até a nacionalização, a YPFB era uma empresa residual. Não havia possibilidade de empreender por conta própria, só estava em algumas tarefas da comercialização. Depois, em maio de 2008, possibilitou-se a participação em toda a cadeia. Isso vai reposicionar totalmente os termos da produção e os de geração de recursos”, prevê Misael Gemio, gerente de planejamento da estatal.
Para ele, o que resta à empresa é aprofundar tal controle da cadeia de hidrocarbonetos. Para atingir esse objetivo, a YPFB está elaborando um plano estratégico de ação até 2015, que visa mais que duplicar a capacidade de produção.
Ou seja, a Bolívia saltaria de 42 milhões de metros cúbicos de gás natural e 47 mil barris de petróleo produzido diariamente em 2007 para 100 milhões de m³ e 100 mil barris já em 2013. Para tal, estão previstos investimentos de 13,4 bilhões de dólares entre 2008 e 2015, o quádruplo do investido no período 2000-2007 (3,4 bilhões). Só na industrialização dos recursos, serão desembolsados 4 bilhões de dólares.
Dinheiro em caixa
E, devido aos efeitos da nacionalização de maio de 2006, a YPFB poderá aportar algo desse total de investimentos. Sem recursos após o processo de privatizações, a estatal contaria, hoje, com entre 400 e 500 milhões de dólares, segundo seu gerente de planejamento.
Isso porque, com o decreto de dois anos atrás, os dois maiores campos de gás passaram a destinar 32% da produção à empresa. Além disso, o Brasil pagou 100 milhões de dólares em 2007 e pagará outros 100 milhões em 2008 de compensação pelos componentes enviados juntos com o gás natural (ver matéria)
A intenção, segundo Gemio, é resolver imediatamente o problema de abastecimento dos mercados interno e externo, mas também projetar a questão da energia até 2020. “Concebemos a YPFB como um dos atores mais importante da América Latina em termos de energia. Com todas essas medidas, ela está adquirindo valor e também tem a possibilidade de gerar valor”, explica.
Gemio cita como essencial dentro dessa estratégia a recuperação de empresas privatizadas (veja matéria). Segundo ele, estas irão representar, nos próximos cinco anos mais da metade do valor total dos investimentos no setor. A meta é fazer da YPFB, em 2015, a maior empresa do Cone Sul no segmento de gás.
Modelo Petrobras
No entanto, para Carlos Arze Vargas, diretor do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (CEDLA), a estatal boliviana não renascerá totalmente, nos moldes anteriores às privatizações. Para ele, a empresa ainda não possui capacidade técnica nem recursos humanos adequados, sendo, basicamente, um “escritório de administração”.
Segundo Vargas, sua reorganização acentuará o formato híbrido da YPFB, especialmente com a criação de empresas mistas. “A idéia é refundá-la sob o modelo Petrobras. Estatal, mas com lógicas capitalistas e transnacionais”, analisa.
Na opinião dele, no caso das recuperações das transnacionais Andina e Chaco, por exemplo, a YPFB provavelmente aparecerá como controladora acionária, mas a empresa estrangeira continuará na direção. “Porque, mesmo no governo, está muito incrustada a idéia de que o estatal não é suficiente”.
O Estado estaria utilizando a propriedade legal dos recursos para negociar os novos projetos em melhores condições. “Não muda radicalmente a orientação, e sim se adéqua ao que se tem”, critica. (IO)
Um processo cheio de contradições
Apesar das recentes medidas tomadas pelo governo boliviano no sentido de avançar na nacionalização dos hidrocarbonetos, existem ainda inúmeras críticas ao processo liderado pelo presidente Evo Morales.
“O erro do governo residiu em executar o decreto de maio de 2006 a conta-gotas, em vez de aproveitar o fervor e a mobilização popular que resultou na medida. Por exemplo, a YPFB devia ter tomado o controle da produção de petróleo em poucas semanas, o que obrigaria a Petrobras a vender suas refinarias imediatamente, em lugar de esperar um ano”, analisa Andrés Soliz Rada, ex-ministro dos Hidrocarbonetos da atual gestão.
Para ele, a recuperação das empresas Transredes, Chaco e Andina (ver matéria) também deveria ter sido executada na ocasião. “E o pagamento das indenizações deveria estar condicionado aos resultados das auditorias previstas pelo decreto, assim como às sentenças judiciais por golpe, evasão de impostos e contrabando, cometidos pelas petroleiras, incluindo a Petrobras”.
Segundo Rada, outro problema derivado da nacionalização é o mau uso dos seus recursos financeiros. Ele critica a destinação do dinheiro a bolsas sociais e a empréstimos a transnacionais e bancos estrangeiros.
Mau negócio
“A Bolívia empresta ao Banco Santander Hispano, por exemplo, a 3% de juros anuais, com o argumento de que ter o dinheiro dentro do país gera inflação. E toma emprestado da Corporação Andina de Fomento (CAF) a 8% anuais. Por que não usar isso numa planta separadora de líquidos, numa refinaria grande para não ter que subvencionar o gás que importamos?”, questiona.
Carlos Arze Vargas, diretor do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (CEDLA), vai mais longe nas restrições ao processo. Para ele, não houve uma verdadeira nacionalização em 1º de maio. “Foi uma reforma basicamente no aspecto tributário do setor. Essa é a principal mudança, ainda que existam outras secundárias, por exemplo, uma maior participação em algumas fases da atividade hidrocarburífera, mas a medida mesmo não consistiu em uma expropriação de ativos nem de direitos”, opina.
De acordo com Vargas, houve uma “negociação de concessões”: as empresas deveriam cumprir a lei, e o Executivo garantir a segurança jurídica, além de acelerar a exportação. “O governo submeteu as empresas à lei, mas com base em contratos renegociados que não significa substancialmente mudanças rumo a um maior controle do excedente”.
Como agravante, os novos contratos, ao começaram do zero, eliminaram as práticas ilegais das petroleiras, e, além disso, não lhes exigem um cronograma de investimentos na produção.
“Capitalismo social”
Na opinião de Vargas, tais contradições encontram explicação na própria ideologia do Movimiento Al Socialismo (MAS, partido do governo), que aspiraria converter pequenos proprietários e a classe média em atores importantes na economia do país, mas sem excluir os grandes grupos, inclusive os monopólios. “É a famosa frase de Evo, de que queremos sócios, não patrões. Ou seja, pode-se conviver com as grandes empresas num novo tipo de capitalismo social. É o capitalismo andino-amazônico de do vice-presidente Álvaro García Linera”.
Daí, viria a proximidade da política de hidrocarbonetos da Bolívia com petroleiras como a Petrobras e a francesa Total. Para Andrés Soliz Rada, a empresa brasileira já recuperou todas as posições que se haviam enfraquecido com a nacionalização. “Se Evo tem terríveis problemas com a meia lua [a oposição regional ao governo], e pede ajuda para o Lula, o que o Lula pode pedir que o Evo possa negar? ‘Eu falo que a meia lua é ilegal, mas o contrato tem que dizer isso, isso e isso.’”, exemplifica.
Em relação aos franceses, Rada conta um episódio descrito em um livro do ex-presidente Carlos Mesa (2003-2005). “Ele diz que se reuniu, numa ocasião, com integrantes do MAS para discutir a lei de hidrocarbonetos. E que, junto com a delegação, estava um homem chamado Gastón Mujía. Ele é o representante da Total na Bolívia!”.
O resultado, segundo Rada, é que, nos dias 27 e 28 de outubro de 2006, data da assinatura dos novos contratos com a petroleira, quem assina primeiro é a Total, enquanto as demais o fazem no dia seguinte. “Acredito que tal relação tenha nascido em viagens prévias de Evo como candidato à presidência”, diz.
Crise energética
A falta de mão dura no trato com as transnacionais e a conseqüente falta de obrigatoriedade de investimentos seriam as causas principais, na opinião de Carlos Arze Vargas, do CEDLA, da crise energética pela qual passa e passará o país (60% da eletricidade vem do gás), além da incapacidade de abastecer suficientemente a Argentina de gás natural.
Atualmente, a Bolívia produz 42 milhões de metros cúbicos ao dia. Cerca de 7 milhões de m³ são destinados ao mercado interno, 31 milhões de m³ ao Brasil, e o restante à Argentina, que recebe menos de 30% do que o previsto.
“A crise já se apresentou. A escassez de diesel e de GLP está se tornando crônica. O governo só apela para soluções conjunturais, sem atacar os problemas de fundo, como a construção do Gasoduto Boliviano do Ocidente”, lamenta Rada. (IO)
Estado não arrecada 82% da produção de gás
Desconhecimento do resultado de auditorias nas petroleiras reduz a tributação para pouco mais de 50%
A idéia que se tem sobre a nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia, decretada pelo presidente Evo Morales, é que, desde então, as transnacionais passaram a receber, de retorno, apenas 18% do valor da produção de gás, e não mais 50%.
No entanto, atualmente, as porcentagens se aproximam mais do segundo que do primeiro caso. Isso porque, em primeiro lugar, o decreto de 1º de maio de 2006 estabeleceu os 32% adicionais de imposto – destinados à YPFB – apenas às operações nos mega-campos de San Alberto e San Antonio, operados pela Petrobras.
Em relação aos restantes, a tributação foi mantida nos mesmos patamares até a entrada em vigência dos novos contratos, em maio de 2007, já que estes tiveram que passar pela aprovação do Congresso Nacional.
Além disso, a cobrança adicional dos 32% aos mega-campos de gás foi estabelecida de forma provisória, também até maio de 2007. A partir de então, a porcentagem cobrada de todas as empresas seria definida através da realização de auditorias nas petroleiras, que analisaria variáveis como investimentos, custos etc.
Tributação menor
Porém, como na ocasião da assinatura dos contratos, em outubro de 2006, as investigações ainda estavam em curso, a YPFB aceitou, temporalmente e de “boa fé”, os dados proporcionados pelas próprias transnacionais.
Entretanto, até o momento, os resultados das auditorias ainda não são conhecidos oficialmente. Enquanto isso, a participação de 32% devido à YPFB se reduziu a uma média de 4%, fazendo com que o Estado arrecade pouco mais de 50%, e não 82%.
“Como as auditorias não foram levadas em conta, voltou a tributação 50-50, estabelecida na Lei de Hidrocarbonetos 3058 [de 2005]. Sustento que esse 50-50 diminuiu um pouco em prejuízo do Estado, já que a YPFB deve subvencionar com 10 milhões de dólares as companhias que trabalham em campos marginais”, lamenta Andrés Soliz Rada, ex-ministro dos Hidrocarbonetos do governo Evo. (IO)
O golpe da Enron na Bolívia
O decreto presidencial de 2 de junho deste ano, que estabeleceu o controle do Estado, por meio da compra de ações, de 97% da transnacional Transredes, ganha importância se for levado em conta um fato em especial: a associação desta com a empresa Enron, envolvida no maior escândalo financeiro da história dos EUA.
Em julho de 1994, no contexto de um memorando de entendimento entre Brasil e Bolívia para a construção do gasoduto entre os dois países, ficou acordado que a Enron deveria conseguir financiamento para as obras.
No entanto, o investimento não vem e a Petrobras decide bancar o empreendimento, recebendo da Bolívia, como pagamento, gás natural. No momento da assinatura do contrato, a Enron aparece no lugar da YPFB, a estatal boliviana de hidrocarbonetos, tornando-se proprietária do gasoduto.
Conspiração
Em seguida, a empresa estadunidense, juntamente com a Shell, forma a Transredes, empresa de transporte de gás desmembrada da YPFB no processo de privatização. De acordo com o governo boliviano, a Enron embolsou 130 milhões de dólares sem investir um centavo.
Além disso, segundo Andrés Soliz Rada, ex-ministro dos Hidrocarbonetos, a Transredes “é uma das empresas que mais trabalharam com as correntes separatistas no oriente do país. Isso está demonstrado quando a empresa entregou o gasoduto de Villamontes a Tarija ao governador de Santa Cruz, ignorando o governo”.
Rada conta que quando era ministro, a transnacional apresentava gastos mal explicados, que coincidiam com as datas das mobilizações pró-autonomia em Santa Cruz de La Sierra. (IO)
Igor Ojeda
Correspondente do Brasil de Fato em La Paz (Bolívia)
http://www.brasildefato.com.br
https://www.alainet.org/en/node/128714
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