Crise dos EUA e visões catastrofistas

06/10/2008
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Há algum tempo atrás, quando se afirmava que o imperialismo estadunidense caminhava para o desfiladeiro, o que não significava prever a sua morte súbita, muitos questionavam o diagnóstico. Afirmavam que ele era catastrofista. Agora, porém, alguns analistas já admitem que o “império do mal” está em célere declínio, cuja maior expressão é sua grave crise econômica. A renomada intelectual Maria da Conceição Tavares, que escreveu vários livros e artigos sobre a inabalável hegemonia dos EUA, acaba de fazer uma autocrítica honesta e corajosa da sua visão anterior.

“Deus mercado virou diabo”

“Não escreveria hoje, como escrevi em 1984, sobre a retomada da hegemonia americana”, disse numa entrevista à Reuters. Sempre incisiva, ela antevê que “o século XXI não será mais norte-americano” e decreta a falência das idéias neoliberais. “O Deus mercado virou diabo na terra do gelo”. Para ela, não há mais dúvida de que os EUA entrarão em recessão. “A ligação entre essa crise e o setor real agora é o aperto do crédito. Sem continuar, vamos para uma recessão global. Sem crédito, o capitalismo não funciona”. A tendência, afirma, seria a da “desordem mundial”.

Apesar deste diagnóstico, que seria taxado por alguns, no passado, de catastrofista e apocalíptico, a brilhante economista ainda vê saídas para o sistema. “No momento, interessa ao capitalismo se regular. O neoliberalismo foi-se... Sofreu golpe mortal. O governo terá de regular, mas não é um processo fácil... Se conseguirem um acordo, ai já dá para todos [John McCain e Barack Obama] irem para casa disputar as eleições”. Para ela, “ou os EUA resolvem quais são as regras agora, enquanto são donos do cassino, ou daqui a pouco não adianta porque não serão mais os donos”.

“O dólar acabou”

Mais pessimista, o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa, avalia que não há mais retorno para a crise estadunidense e prevê que ela contaminará o conjunto da economia mundial – “ela já chegou ao Brasil”. Para ele, “o dólar acabou” e a crise só poderia ser estancada com um acordo entre as potências mundiais, um novo Bretton Woods. “Mas o problema é o seguinte: os EUA não vão deixar que o dólar acabe. Os americanos vão tentar distribuir essa conta pelo mundo inteiro”.

Lessa também abraçou a tese do declínio do império. “Na história da humanidade, nunca houve uma sociedade tão poderosa quanto os EUA. É um poder militar, um poder cultural enorme, mas a chave desse poder chama-se dólar. Isto por uma razão muito simples: as reservas de todos os bancos centrais do mundo são lastreadas, predominantemente, em títulos do Tesouro dos EUA... Essa crise americana foi, na verdade, o jogo financeiro dos bancos americanos que, em última instância, debilitou profundamente o dólar. Ninguém sabe o tamanho do buraco”. Com a crise do dólar, esse poder se derrete e, como efeito, a colapso econômico se espalha pelo mundo inteiro.

É o fim do neoliberalismo?

Mais cauteloso, o sociólogo Emir Sader avalia que a crise será grave, mas esboça dúvida sobre o fim da hegemonia ianque ou sobre a falência do neoliberalismo. Diante das maciças intervenções estatais nos EUA e na Europa para salvar o sistema do caos, ele pergunta: “Elas significam o fim do neoliberalismo? É possível a retomada de processos regulatórios globais – um novo Bretton Woods –, que brequem estruturalmente a livre circulação de capitais e revertam os processos de desregulação econômicas, essência mesma do neoliberalismo?”. A sua resposta é inquietante:

“Nada indica que isso seja possível. Não existe uma lógica racional do capitalismo, que faça com que seus agentes – de grandes corporações a estados dominantes – ajam conforme uma lógica... Trata-se de uma grande crise capitalista, já se diz que a maior desde a de 1929, que pode abrir caminho à construção de um modelo alternativo. Mas por enquanto não se vislumbra nenhum modelo que possa ter esse papel, nem sequer de maneira embrionária... Tudo indica que, entre a crise do modelo precocemente envelhecido e as dificuldades de surgimento de um novo, mediará um período mais ou menos longo de instabilidades, de sucessão de crises, de turbulências”.

Crise crônica e sistêmica

Já no seu 11º congresso, em outubro de 2005, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) reafirmava a sua tese sobre o declínio do império estadunidense. “Pode-se afirmar que o sistema capitalista-imperialista vive um período de aprofundamento de sua crise crônica e sistêmica. Sem cair numa visão fatalista e na atitude ingênua de prever a débâcle automática do sistema, pode-se asseverar que as contradições fundamentais do capitalismo estão em agravamento, normente a contradição entre o caráter social da produção e a apropriação privada de seus produtos”, diz a resolução. De lá para cá, a crise apenas se agravou, revelando que a tese do declínio nada tinha de catastrofista.

O estouro da bolha imobiliária, a crise do subprime, confirmou o apodrecimento desta economia, após um curto ciclo de expansão que iludiu muita gente. Os EUA são hoje um país endividado, totalmente parasitário. Seu déficit gêmeo não pára de crescer e superou a casa de US$ 1,3 trilhão em 2006. O país precisa atrair cerca de US$ 3 bilhões ao dia para sustentar seus déficits. No final do ano passado, a dívida das famílias ianques atingiu a cifra recorde de US$ 11,5 trilhões e a das empresas superou US$ 8,4 trilhões. Na ocasião, o economista cubano Osvaldo Martinez garantiu que a “crise econômica dos EUA é estrutural e insolúvel”. A vida confirmou o seu diagnóstico.

 

https://www.alainet.org/en/node/130173?language=es
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