A luta pela reforma agrária continua
18/04/2011
- Opinión
Todos os anos, os sem-terra retomam as ocupações de latifúndios, marchas, ocupações do Incra, e fazem diversas formas de luta pela reforma agrária
A sociedade brasileira já se acostumou, desde 1997, a ver as manifestações de trabalhadores rurais em todo país na luta pela reforma agrária no mês de abril. As jornadas do “abril vermelho” inciaram com uma marcha epopeica realizada pelo MST, com apoio de todas as forças populares do país, em abril de 1997, que marcou o primeiro aniversário do massacre de Carajás e chegou a Brasília com mais de 100 mil manifestantes.
Aquele 17 de abril foi a maior manifestação contra a política neoliberal do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
De la para cá, todos os anos, os sem-terra, os trabalhadores em geral, retomam as ocupações de latifúndios, marchas, ocupações do Incra, e fazem diversas formas de luta pela reforma agrária. Mas o que mudou nesses 15 anos, desde o massacre em 1996?
A classe trabalhadora derrotou os candidatos neoliberais nas eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010. Com isso, a política de repressão aos movimentos sociais passou a ser exercida mais abertamente pelos governos estaduais conservadores. E a mídia, antes condescendente com a luta pela reforma agrária, assumiu cada vez mais seu papel de porta-voz dos interesses do agronegócio e dos latifundiários. Até porque a maioria de seus proprietários também tem terra.
No caso do massacre de Carajás, apesar das mudanças no governo federal, nenhum responsável direto ou indireto por aquela chacina foi punido. Apesar da comoção gerada na sociedade na época (semelhante à que aconteceu agora com a tragédia de Realengo), infelizmente, a sociedade esqueceu, e o poder Judiciário, fiel escudeiro dos interesses conservadorese do poder econômico, engavetou. O Tribunal do Júri condenou o coronel Mário Colares Pantoja a 228 anos de prisão e o major José Maria Pereira de Oliveira a 158 anos e quatro meses de detenção. Os condenados ainda respondem em liberdade graças a um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Deram o direito de esperarem os recursos em liberdade... provavelmente até a morte natural.
15 anos de impunidade
Na reforma agrária, apesar de oito anos do governo Lula, pouco mudou. O capital segue aplicando sua lógica e sua sanha de acumular permanentemente a propriedade da terra. E, nesses oito anos, a concentração da propriedade da terra aumentou ainda mais. Segundo os dados do último censo do IBGE, relativos a 2006, a concentração da propriedade da terra agora é maior do que em 1920, quando recém havíamos saído da escravidão.
Pior. Com a crise do capitalismo financeiro globalizado, o Brasil virou porto seguro para capitais financeiros especulativos, que buscam se proteger investindo no patrimônio de bens da natureza: terra, biodiversidade, hidrelétricas, etanol, minérios. Tudo isso em abundância no Brasil. E o resultado é que houve também uma desnacionalização da propriedade da terra, que nem sequer o governo tem controle, pois as empresas estrangeiras compram as ações das empresas brasileiras e nem precisam notifi car ao Incra.
Felizmente o novo governo Dilma está atento e promete ser rigoroso para evitar a desnacionalização da propriedade da terra, que entre outras consequências, afeta a própria soberania nacional sobre nossas riquezas naturais e sobre o território.
Da aliança entre o grande capital das empesas transnacionais que operam no agro com os grandes fazendeiros nasceu o agronegócio. Um modelo de produção que apenas transforma a agricultura em produtora de lucro e de commodities, e não de alimentos ou de justiça social. E o resultado é que o país voltou a ser uma economia agroexportadora e 69% de todas exportações são commodities. Ou seja, matérias-primas agrícolas e minerais sem nenhum valor agregado. Assim, alguns poucos brasileiros ganham muito, mas as empresas transnacionais ganham mais ainda. E o povo brasileiro fi ca com o passivo ambiental e com a injusta distribuição de renda.
Longo caminho
Do lado dos trabalhadores, há ainda, segundo estudos do próprio Ministério da Agricultura, cerca de 3,8 milhões de famílias de pequenos proprietários de terra de até 10 hectares, que não têm acesso ao Pronaf ou a políticas públicas agrícolas. Portanto constituem-se em mero exército industrial de reserva, esperando ir para cidade ou a aposentadoria do Funrural. E, abaixo deles, temos outros 4 milhões de famílias de trabalhadores sem-terra, posseiros, assalariados rurais, público potencialmente beneficiário da democratização da propriedade da terra.
Mas quantos anos ainda serão necessários para que a reforma agrária deixe de ser letra morta da Constituição? Esperamos que pelo menos as mobilizações justas e necessárias dos trabalhadores rurais sirvam para a sociedade brasileira refl etir sobre isso. Não pode haver democracia sem democratizar a propriedade dos bens da natureza, em especial da terra.
Os movimentos sociais têm dito que ainda têm esperança de que o lema do novo governo de combater a pobreza seja sério, pois para combater a pobreza no meio rural, o principal caminho é garantir acesso à terra a todos os trabalhadores. E complementar com políticas de produção agrícola, como incentivo à agroindústria, a garantia de compra da produção de alimentos e assistência técnica verdadeira.
Não resta dúvida de que os pobres do campo são os mais necessitados de políticas públicas que universalizem os direitos sociais básicos, como educação para todos e moradia digna. Mas também, com certeza, essa luta será ainda muita longa. Por isso, salve, salvetodos os lutadores do campo!
Editorial edição 425 do Brasil de Fato
https://www.alainet.org/en/node/149278
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