A importância de uma aproximação histórica
Com suas posturas e pronunciamentos referidos às injustiças na humanidade e seu posicionamento a favor dos mais pobres, dos trabalhadores e, em geral, dos excluídos, o Papa Francisco surpreendeu agradavelmente aos militantes de movimentos populares de todo o mundo.
- Opinión
Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 505: Francisco e os movimentos sociais: Terra, Teto e Trabalho 11/09/2015 |
Com suas posturas e pronunciamentos referidos às injustiças na humanidade e seu posicionamento a favor dos mais pobres, dos trabalhadores e, em geral, dos excluídos, o Papa Francisco, desde o início de seu pontificado, surpreendeu agradavelmente aos militantes de movimentos populares de todo o mundo pelo contraste com seus antecessores.
O próprio fato de haver elegido o nome de Francisco, com toda a carga simbólica que tem São Francisco de Assis, seja para o comportamento das pessoas ou inclusive no interior da Igreja, representa em si mesmo um fato histórico e revolucionário. Nenhum outro pontífice teve coragem de honrar a Francisco de Assis.
Em todos os assuntos sobre os que se pronunciou – a guerra na Síria, a fome, a migração de africanos para a Europa, a questão do desemprego, as pessoas sem moradia, etc. -, o fez sempre com uma posição clara e firme; sem temor a demonstrar culpabilidades, abandonando a postura diplomática anterior, que justificava a postura do Vaticano de estar sempre ao lado dos poderosos e dos organismos internacionais.
Por outro lado, desde um primeiro momento também vem impulsionando mudanças conducentes a um processo de democracia interna dentro dos organismos do Vaticano, que se converteram em verdadeiras monarquias centralizadas, ao mesmo tempo em que estabeleceu com valentia sanções contra aqueles membros da Igreja comprometidos em atos criminais que antes se escondiam debaixo do tapete.
O diálogo com os movimentos populares
Com estes ventos de mudança, desde o segundo semestre de 2013 começamos a receber sinais de que lhe agradaria ter pontes com os movimentos populares de todo o mundo. Como tinha laços históricos com movimentos de trabalhadores precarizados da Argentina, através deles iniciamos os primeiros diálogos a respeito de como organizar uma reunião mundial de movimentos populares.
No final de 2013, no Vaticano, com a participação da Pontifícia Academia de Ciências e da Comissão de Justiça e Paz, tivemos diversas conversações para fazer realidade da vontade do Papa Francisco. Realizamos um primeiro seminário para debater as razões das desigualdades sociais no mundo, e como as víamos desde os movimentos populares.
Depois, propusemos e entregamos um documento elaborado por nove cientistas de todo o mundo, vinculados à Via Campesina internacional, que trata de explicar ao Papa as razões de por que as sementes transgênicas e os agrotóxicos são um perigo para a humanidade e para a natureza.
Nesta sequência de nosso diálogo permanente, realizamos um Encontro Mundial de Movimentos Populares com o Papa Francisco em outubro de 2014. Na preparação do encontro, por consenso se estabeleceu que a representação devia ser de movimentos populares que se organizam e lutam para resolver três direitos fundamentais das pessoas: terra para semear, teto para viver e trabalho digno. Também ficou explícito em nossas articulações que deveríamos evitar tanto representações viciadas de mecanismo internacionais, como representações da Igreja, porque já têm outros espaços para articular-se a nível internacional.
De modo que nos encontramos com mais de 180 representantes de movimentos de trabalhadores de todo o mundo, com uma ampla pluralidade de credos religiosos, etnias, gênero, juventude, orientação sexual e representação geográfica, de todos os continentes. Não houve do Papa Francisco ou do Vaticano nenhum condicionamento.
O encontro foi histórico. Pela primeira vez na história do Vaticano, o Papa se encontrou com representantes de movimentos populares. Nos reunimos no salão do Sínodo Velho, utilizado por séculos somente por cardeais. O mesmo revelou que nunca antes havia estado neste lugar. E ali analisamos os problemas que enfrentam os trabalhadores/as, suas causas e as propostas para encontrar saídas.
E em sua exposição, o Papa Francisco defendeu um programa síntese de toda nossa luta, na qual devemos perseverar, para que não haja mais na humanidade: nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem trabalho digno e nenhuma família sem moradia digna!
Agora, novamente vamos a encontrar-nos em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, (9 de Julho de 2015), em ocasião de sua visita a este país. A representação dos movimentos populares será maior com cerca de 1.500 companheiros e companheiras, principalmente da América do Sul, com os mesmos objetivos: refletir sobre nossa realidade e buscar as verdadeiras soluções que possam contribuir para construir uma sociedade mais igualitária, justa e fraterna.
João Pedro Stedile é membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina Brasil.
*Tradução: Caróu Oliveira (Coletivo Chasqui)
Artigo publicado em espanhol na edição 505 (junho 2015) da revista América Latina en Movimiento: “Francisco y los movimientos populares: Tierra, Techo y Trabajo”. http://www.alainet.org/es/revistas/170627
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