Novo ciclo político na América do Sul impacta a segurança regional
- Opinión
As instituições não pairam no ar. A máxima utilizada para demonstrar que toda organização política representa os interesses daqueles grupos e indivíduos que as compõem é útil para entender o atual giro de (não) atuação dos mecanismos de integração regional na América do Sul. Dois elementos podem ser destacados na atual conjuntura subcontinental: 1) a ascensão de forças neoliberalizantes e conservadoras em grande parte dos países, e 2) as crises econômicas explicadas dentro da narrativa de esgotamento dos modelos neodesenvolvimentistas.
Os governos que chegam ao poder nesse contexto divergem em relação à forma como a subida se dá – democraticamente na Argentina e no Peru, ou por meio de golpes parlamentares no Paraguai e no Brasil –, mas contemplam-se pela agenda defendida: reformas neoliberalizantes, principalmente nas políticas sociais e trabalhistas; abertura de setores estratégicos das economias, principalmente os de exploração de recursos estratégicos; e novos padrões comerciais nos moldes dos megatratados de livre comércio como a Parceria Transpacífico (TPP), o Acordo sobre o Comércio de Serviços (TISA) e o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP).
Como percebemos os impactos de tais mudanças na integração da América do Sul? Ao projetarmos a agenda desses novos governos para a região, percebemos que os perfis do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) da última década são tidos como entraves. O argumento no discurso das atuais chancelarias não é a destruição desses mecanismos, mas o reposicionamento de seus papéis na “nova agenda pragmática e não ideologizada” da região.
Apesar da pouca existência, movimentos dos novos governos já são notados nesse sentido. Na Argentina de Mauricio Macri, a aceitação do pedido do país como membro observador da Aliança do Pacífico (AP) e a reaproximação com os Estados Unidos exemplifica o atual processo de desmantelamento do “regionalismo pós-neoliberal”.
A visita de Barack Obama à Argentina em março desse ano representou o fim de 19 anos sem visitas de presidentes norte-americanos ao país. A reaproximação dos EUA com países latino-americanos pode ser entendida dentro da nova estratégia para a região e incide diretamente nos rumos da integração no subcontinente. Ao observamos o conteúdo do que foi acordado entre Macri e Obama percebemos dois temas preponderantes nos documentos de entendimento mútuo: a) o comércio e a cooperação militar para o combate ao narcotráfico; e b) o terrorismo na região da Tríplice Fronteira.
O documento disponibilizado pelo Ministério de Relações Exteriores e Culto (MRECIC) indica o aprofundamento da relação militar entre os países. No item denominado “Seguridad: narcotrafico y terrorismo” estão previstos o estreitamento da colaboração sobre esses temas no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA); intercâmbios para a formação e o treinamento das forças de segurança argentinas nos EUA e a criação de um “Centro de Fusión de Inteligencia” bilateral, com o objetivo de compartilhar informações das agências de segurança dos dois países. Destaca-se ainda a assistência que o governo norte-americano prestará para que a Argentina incremente sua segurança fronteiriça, especialmente na Tríplice Fronteira.
Para consolidar políticas dessa estratégia comum, o vice-ministro de Defesa da Argentina, Ángel Tello, viajou para Washington em maio. As reuniões de âmbito secreto com o Pentágono e a Subsecretaria Adjunta de Defesa para Assuntos do Hemisfério Ocidental do governo norte-americano despertaram a atenção de vários setores da sociedade argentina. Especula-se que a instalação de duas bases militares no país sul-americano sejam efetivadas nesse processo, sendo uma em Ushuaia e outra na província de Misiones, na Tríplice Fronteira.
Não se encontram informações oficiais do governo argentino sobre a instalação dessas bases. A falta de transparência, aliás, é apontada por especialistas como uma das características principais da atuação do governo Macri.
A proposta das bases surge hoje como um redirecionamento na temática da segurança regional das últimas décadas desenvolvida no âmbito da Unasul, especificamente no Conselho de Defesa e Segurança Sul-americano (CDS), estimuladas por Brasil e Argentina. “A posição do governo argentino significa um giro muito pronunciado nessa matéria, já que desde os anos 1990 se vem rechaçando as diversas propostas de ‘internacionalização’ da Tríplice Fronteira”, afirma Alejandro Simonoff, professor de Relações Internacionais da Universidad de La Plata (UNLP).
A região é alvo sistemático de enquadramento pelo Departamento de Estado Americano como um safe raven, com a justificativa de que células terroristas estariam presentes na região. Enquadramentos como black spots, safe ravens, ou áreas não-governadas fazem parte da retórica discursiva dos EUA para justificar intervenções militares diretas ou indiretas.
A questão da instalação de bases militares, e consequentemente a influência do país na região, é um dos pontos centrais em uma percepção comum de defesa e segurança para a América do Sul desde a Unasul.
No ano de 2009 foi convocada uma reunião extraordinária do CDS na cidade argentina de Bariloche, para que os países discutissem a ativação das bases norte-americanas na Colômbia, sob o governo do ex-presidente Álvaro Uribe. A então presidente da Argentina, Cristina Kirchner, à época defendia que os países buscassem uma doutrina comum sul-americana na questão da segurança regional atentando para a ameaça à soberania dos países em caso de insucesso dessa estratégia regional.
Diferentemente daquele momento, o que podemos observar regionalmente no caso da cooperação Argentina-EUA no campo militar é um profundo silêncio. Não ocorrem discussões sobre as consequências desse acordo e da provável instalação dessas bases, nem no âmbito bilateral com a Argentina ou na esfera multilateral pela Unasul. Na prática, isso significa que os espaços regionais de construção de uma política de segurança sul-americana comum estão sendo colocados em segundo plano pelos atuais governos e substituídos por posturas “individualistas”.
O que vemos no limiar da segunda década dos anos 2000 é a desarticulação dos frágeis espaços multilaterais na região que ainda representam alguma autonomia. Movimentos como o do novo governo argentino parecem incrementar a noção de “regionalismo anárquico” proposto por Monica Hirst, cuja principal característica é a recusa à construção de instituições sólidas, efetivas e sustentáveis no nível sub-regional.
Todavia, há uma linha tênue entre o prosseguir com o fortalecimento dos espaços de concertação sub-regional e, por outro lado e de maneira negativa, desarticular as relativas conquistas dos ciclos progressistas. No caso de temas estratégicos, como defesa e segurança, isso pode significar o comprometimento das próprias margens de manobra soberanas dos países no controle de suas políticas e de seus recursos.
- Karen Honório é professora da Unila, membro do Núcleo de Pesquisa em Política Externa Latino-Americana (Nupela) e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e Puc-SP) e membro do GR-RI.
- Cairo Junqueira é professor no curso de Relações Internacionais da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) e doutorando no San Tiago Dantas.
21/07/2016
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Integración, Libre Comercio
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