Lula reafirma inocência e sai fortalecido do dia de depoimento em Curitiba
- Opinión
Curitiba- O ex-presidente Lula (PT) veio a Curitiba nesta quarta-feira (13) para prestar o segundo depoimento como réu na operação Lava Jato. Mais uma vez, o que poderia ser um dia triste na carreira do petista se transformou em um momento de festa e manifestação de carinho.
Sete mil pessoas, a maior parte formada por membros de movimentos populares do interior do Paraná, demonstraram que confiam na inocência de Lula e apostam no retorno dele à Presidência da República em 2018.
A voz rasgada do ex-presidente, legado dos 20 dias de caravana pelo Nordeste, não impediu que ele arrancasse os aplausos do público de Curitiba.
Pela segunda vez em menos de quatro meses, a cidade que já foi propagada como símbolo da Lava Jato se tornou palco de um momento-chave para a reafirmação da candidatura de Lula. Como no dia 10 de maio, o que se viu foi um tiro no pé daqueles que usam a Justiça e a mídia para tentar destruir reputações e suprimir o direito de defesa.
A chegada
O cordão de isolamento formado nas proximidades do prédio da Justiça Federal para receber Lula representava a diversidade de pessoas que estiveram em Curitiba neste dia 13. Jovens, negros, mulheres e idosos deram as mãos e abriram alas para a passagem do ex-presidente às 13h40, vinte minutos antes do horário marcado para o depoimento.
Um dos fundadores do PT no Paraná, Jairo Graminho, de 89 anos, não mediu esforços para ver Lula de perto por alguns segundos. Mesmo de cadeira de rodas e com um dreno implantado no abdômen, ele pediu aos filhos que o levassem ao bairro Ahú debaixo de sol.
Quando o ex-presidente desembarcou do carro, se deparou com quase 800 apoiadores vestidos em duas cores. O vermelho, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e o laranja dos trabalhadores petroleiros, uma das categorias mais afetadas pelo golpe de 2016.
Se do lado de fora do prédio o rosto de Lula expressava gratidão e serenidade, a postura assumida durante o depoimento mostrou a indignação acumulada desde a sentença condenatória sem provas no “caso triplex”.
Diante do juiz de primeira instância Sérgio Moro, o petista reafirmou que discorda da maneira como a Lava Jato usa as delações premiadas para, segundo ele, exercer pressão sobre os investigados. Ao citar o depoimento recente do ex-ministro Antonio Palocci (PT), Lula foi taxativo: “Ele está preso há mais de um ano. Ele tem direito querer ser livre. Mas se você não quer assumir a sua responsabilidade pelos atos ilícitos que você fez, não jogue em cima dos outros. O Ministério Público, ligado à Lava Jato, enveredou por um caminho que vocês estão com dificuldade de sair. O objetivo é encontrar alguém para me criminalizar”.
Quanto ao objeto da ação penal, os vídeos demonstram que Lula não foi colocado diante de nenhuma evidência do suposto crime, e apenas reafirmou sua inocência no caso. Por isso mesmo, o depoimento foi mais curto que o do dia 10 de maio. O petista acabou liberado pela Justiça Federal após duas horas de interrogatório, e ainda teve tempo para passar no hotel e “recarregar as baterias” antes de discursar em agradecimento aos militantes de várias partes do país.
Entenda o caso
O Ministério Público Federal (MPF) acusa o ex-presidente Lula de receber dois imóveis da empreiteira Odebrecht em troca de benefícios em contratos com a Petrobras. A suposta propina teria sido paga com um apartamento em São Bernardo do Campo e um terreno em São Paulo, para construção de uma nova sede para o Instituto Lula.
Mais uma vez, o que pesa contra Lula não são provas documentais, mas sim, depoimentos concedidos sob pressão, em troca de uma redução de pena – as chamadas delações premiadas.
A defesa do ex-presidente pediu o adiamento dos prazos do processo até que fosse liberado o acesso aos documentos do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht – onde a empreiteira costumava negociar pagamentos de propinas, segundo a Justiça.
Além de consulta aos dados da empresa, os advogados de Lula também pediam acesso integral ao acordo de leniência firmado pela Odebrecht, para que pudessem cruzar dados e comprovar a inocência do petista.
Ambos os pedidos foram negados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). O relator da decisão foi o desembargador João Pedro Gebran Neto, amigo de Sérgio Moro – em livro publicado em 2008, Gebran Neto admitiu “amizade crescente” com o “culto e perspicaz” juiz de Curitiba.
Em 2016, a defesa de Lula entrou com um pedido de suspeição, dada a amizade entre os juízes de primeiro e segundo grau, mas Gebran Neto se recusou a dar qualquer explicação sobre suas relações com Sérgio Moro.
Próximos passos
Após o depoimento dos réus, encerra-se a fase instrutória do processo, quando são produzidas as provas. Ambas as partes (acusação e defesa) serão chamadas a apresentar as alegações finais sobre o caso. Depois, os voltam às mãos do juiz Sérgio Moro, responsável pela sentença em primeiro grau.
Mesmo após a sentença de Moro, cabe recurso, e o caso deve ser encaminhado para julgamento em segunda instância no TRF-4, onde está Gebran Neto.
O clima na praça
Os atos políticos desta quarta-feira foram convocados pela Frente Brasil Popular, que chamou o evento de 2ª Jornada de Lutas pela Democracia - para reforçar a ideia de continuidade em relação à 1ª Jornada, que reuniu 20 mil pessoas em Curitiba por ocasião do primeiro depoimento de Lula.
A praça Generoso Marques, na região central de Curitiba, foi tomada pelos manifestantes desde o final da manhã. Além de trabalhadores sem-terra, estudantes e pessoas que vieram de todas as regiões do país de maneira autônoma para se solidarizar com Lula, havia juristas, pesquisadores, artistas populares e lideranças políticas nacionais.
O sociólogo Emir Sader e o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, deram uma espécie de aula pública sobre os danos causados pelo desvirtuamento do Poder Judiciário no Brasil. Além do presidente da CUT, Vagner Freitas, da presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, do vice-presidente Alexandre Padilha e de vários senadores e deputados estaduais petistas, havia representantes de outros partidos, que também expressaram solidariedade a Lula.
O ex-governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), que pertence ao mesmo partido de Michel Temer (PMDB), desvelou a estratégia dos golpistas: “Dão um golpe, derrubam uma presidenta e colocam um projeto que chamam de ‘ponte para o futuro’. A grande questão não é o que estão fazendo com o Lula, mas o que fazem por trás desse biombo de perseguição política", disse.
Ana Julia Ribeiro, estudante secundarista que ganhou notoriedade ao discursar na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) em defesa das ocupações de escolas em 2016, foi além: “Não é só a defesa de um homem, mas a defesa da democracia e de um projeto de país”.
Antes que o ex-presidente subisse ao palco, houve uma série de apresentações musicais e uma breve cerimônia de lançamento do livro “Comentários a uma sentença anunciada”, que reúne artigos de dezenas de juristas sobre as fragilidades da sentença condenatória em primeira instância no chamado “caso triplex”.
O ex-presidente Lula chegou à praça às 18h40. Estava com a voz rouca, desgastada pelos inúmeros discursos inflamados que proferiu durante a caravana de 20 dias pelo Nordeste brasileiro. Mesmo assim, o recado para a multidão foi claro.
O pronunciamento
Antes de criticar os métodos da Lava Jato, Lula ressaltou que virá a Curitiba prestar “quantos depoimentos forem necessários”. O ex-presidente acrescentou que respeita o Poder Judiciário, mas pediu aos juristas a dignidade de pedir desculpas, quando o réu é inocente e sofre perseguição.
“Ao invés de ficar nervoso, eu fico orgulhoso, porque depois de mais de dois anos investigando minha vida, gravando meus telefonemas, invadindo minha casa, ainda não encontraram uma única prova", declarou. “Cometi um erro imperdoável para a elite: fiz com que durante 12 anos o salário mínimo aumentasse 84%”, disse.
O discurso emocionado terminou em tom de convocatória: “O Lula incomoda muita gente, mas milhões de Lulas incomodam muito mais, e vão transformar esse país”, concluiu, ovacionado. Se alguém imaginava que a Lava Jato iria “vencer pelo cansaço” e poderia destruir a carreira política do ex-presidente, o dia 13 de setembro de 2017 mostrou que a tarefa não é tão fácil quanto parecia.
Edição: Ednubia Ghisi
14 de Setembro de 2017
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