Entre o continuísmo, as boas intenções e a realidade
- Opinión
A proposta do presidente peruano Martín Vizcarra de convocar um referendo para tratar das reformas política, eleitoral e constitucional-judicial – além de indagar sobre uma reestruturação do corrupto Conselho Nacional da Magistratura similar ao CNJ no Brasil – são um explícito apelo à mobilização da cidadania como forma de apoio a estes processos diante de uma realidade na qual o Congresso está dominado por uma maioria de fujimoristas e apristas, contrários à iniciativa presidencial.
Nesta semana, três projetos de reforma serão apreciados: o que estabelece o fim da reeleição para cargos legislativos, o que cria a bicameralidade no Parlamento e o de financiamento privado de partidos políticos.
Será difícil conseguir o apoio dos partidos que são parte do putrefato mundo da política tradicional, envolvida em complexos esquemas de corrupção que atravessa as instituições horizontal e verticalmente (sejam elas públicas ou privadas), e por isso Vizcarra tenta conseguir o apoio das ruas para dar o impulso necessário aos seis projetos para a reforma judicial. Por sua parte, os movimentos sociais peruanos esperam que as ruas também se manifestem sobre a política de igualdade de gênero e contra o feminicídio.
Mas a realidade mostra que o continuísmo do governo de Vizcarra com respeito ao modelo econômico impulsado por seu renunciado antecessor, o neoliberal Pedro Pablo Kuczynski, não o ajuda a ter credibilidade, já que esse modelo é a base da desigualdade social e da corrupção que assolam o país. Embora esse modelo econômico, baseado na exportação de recursos naturais sem valor agregado, proporcione ao Peru um crescimento com cifras importantes, não serve para distribuir renda e impulsar maiores níveis de desenvolvimento, como reconhecem até mesmo os organismos multilaterais.
Nos últimos tempos, os governos peruanos vêm priorizando o crescimento econômico e sem direcionamento do mesmo a projetos sociais, e essa dinâmica levou a uma corrupção generalizada, um aumento constante da desigualdade, a fragilização das instituições e a ausência de reformas políticas e eleitorais. O ponto positivo da mensagem de Vizcarra é que dá oxigênio às reformas e fortalece alguns canais de participação popular (passiva) através dos referendos.
O investimento público continua estancado, não alcança as cifras anunciadas pelo Ministério de Economia e Finanças, cujo objetivo principal é a redução do déficit fiscal. A renda do país cresceu bastante este ano, em comparação com os anteriores, mas somente até junho, quando Donald Trump anunciou sua guerra comercial contra a China, que afetou muitos outros países, incluindo o Peru.
Enquanto isso, os empregos formais nas zonas urbanas e nas empresas privadas vêm diminuindo há meses. Em junho passado, caiu em 0,1%. É difícil querer que a economia cresça quando o emprego cai, mas essas são as bases do modelo.
Em seu discurso para a celebração do Dia da Independência, Vizcarra anunciou sua aposta pelo extrativismo, com investimentos mineiros em torno de 15 bilhões de dólares (alguns já realizados), em projetos como Quellaveco (5,3 bilhões), além de outros que esperam licenças sociais e ambientais. E foi o único que o país ouviu em termos de novidades econômicas, de um governo que claramente segue os passos marcados por Kuczynscki.
A revista Gestión chamou a atenção ao fato do presidente não mencionar a necessidade de uma nova licitação do Gasoduto Sul Peruano, que significa energia mais barata para a indústria, para os lares e para o transporte automotor, além de (e principalmente) um investimento na indústria petroquímica para a diversificação produtiva.
Enquanto Vizcarra apela o apoio popular, se prepara uma rápida aprovação no Congresso de uma nova (e daninha) Lei dos Hidrocarbonetos, “na ausência de uma política de diversificação produtiva que permita ligar outros motores para alcançar o crescimento e o desenvolvimento”, diz um editorial do meio digital La Otra Mirada.
“Se, desta vez, a luta contra a corrupção e a favor das reformas políticas e institucionais não trouxer também as mudanças na política econômica e nas alternativas de desenvolvimento, todos esses esforços correm sério risco e serão aproveitados por aqueles que não querem nem luta contra a corrupção nem mudanças na economia”, acrescenta.
- Mariana Álvarez Orellana é antropóloga, docente e investigadora peruana, analista associada ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE). www.estrategia.la
08/08/2018
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