Itaipu e as relações Paraguai-Brasil

19/03/2013
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Com as obras implementadas em Itaipu a partir do acordo Lugo-Lula, a geografia econômica do Paraguai mudará e a relação com o Brasil assumirá um novo caráter. O país consome menos de 20% de toda a energia que lhe cabe em Itaipu. Algumas projeções mostram que, dependendo do ritmo de aumento de seu consumo, deve requerer a totalidade de sua parte na hidrelétrica entre 2025 e 2030
 
Em resposta à suspensão da participação do governo paraguaio no Mercosul devido ao golpe parlamentar contra Lugo, as forças golpistas anunciaram que não mais cederiam energia de Itaipu ao Brasil. Afora a bizarrice de uma direita animada pelo desejo de expor publicamente sua ignorância sobre o tema, o fato é que as relações Paraguai-Brasil estão mudando e devemos analisar potencialidades, desafios e problemas das novas tendências econômicas bilaterais.

O Paraguai não pode utilizar toda a energia que lhe cabe em Itaipu porque, em primeiro lugar, não tem a infraestrutura necessária de transformação e transmissão e, em segundo, não tem demanda, nem terá a curto ou médio prazo, para tanta energia. Após duas décadas de funcionamento e produção plenos da hidrelétrica, hoje o país consome menos de 20% de toda a energia a que tem direito.

Desde a segunda metade dos anos 1990 os técnicos (paraguaios e brasileiros) de Itaipu vinham alertando as autoridades do Paraguai sobre a necessidade de novos investimentos em transformação e transmissão, para evitar a falta de energia para seu sistema elétrico. Nesse ínterim, o país teve quatro presidentes da República, e nada foi feito. Do início da década passada para cá, várias áreas sofrem com apagões por falta de fornecimento da energia de Itaipu. Um paradoxo de produção abundante com crise de abastecimento para sua indústria e suas residências.

Esses investimentos só foram feitos na gestão do presidente Fernando Lugo, coincidindo com a presença de Lula na Presidência do Brasil. Depois de meses de intensas negociações, eles firmaram um acordo bilateral, em 25 de julho de 2009, com o qual inauguraram uma nova etapa nas relações entre os dois países. Ambos os presidentes e a direção paraguaio-brasileira de Itaipu Binacional aprovaram e iniciaram em 2010-2011 uma série de investimentos para a ampliação da subestação na margem paraguaia de Itaipu, uma linha de transmissão de 500 kV entre a hidrelétrica e os arredores de Assunção e uma subestação no ponto de chegada. Para cumprir os acordo de 2009, o governo Lula fez um aporte voluntário de US$ 300 milhões ao Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) para financiar tais obras. Quando todas estiverem concluídas, no final de 2013, o Paraguai poderá usar cerca de metade da energia que lhe corresponde em Itaipu. Para que isso funcione efetivamente, porém, terá de fazer outros investimentos em sua infraestrutura elétrica, por intermédio da empresa pública.

No mesmo pacote de investimentos foi aprovado o seccionamento das linhas de transmissão que hoje saem da usina, passam por território paraguaio e alimentam diretamente o sistema elétrico brasileiro. São linhas que levam energia paraguaia de Itaipu para consumo no Brasil, sem que haja meios de ser usada pelo Paraguai. Quando essa obra ficar pronta e forem feitas as devidas ampliações para a transformação e transmissão dessa energia, o Paraguai então poderá tomar 100% da energia que lhe corresponde. O seccionamento deve terminar ainda este ano, mas as demais obras nem sequer têm projeto e muito menos financiamento.

Algumas projeções mostram que o Paraguai, dependendo do ritmo de aumento de seu consumo de energia elétrica, deve requerer a totalidade de sua parte de Itaipu entre 2025 e 2030. Essas são as atuais condições e os prazos para que toda a energia paraguaia de Itaipu seja enfim consumida pelo país.

A que então se referiam os porta-vozes da direita paraguaia quando ameaçavam utilizar a energia de Itaipu como resposta à suspensão do Paraguai no Mercosul? Uns não sabiam do que estavam falando, outros queriam encobrir uma negociação em curso com a empresa multinacional Rio Tinto Alcan (RTA), que quer instalar uma planta de alumínio. Isso significa uma indústria altamente dependente de eletricidade que, quando em pleno funcionamento (daqui uns cinco anos), demandará algo equivalente a todo o consumo atual do Paraguai.

O fato é que o projeto enfrenta muitos questionamentos por parte da opinião pública paraguaia. Afinal, essa planta industrial usaria matéria-prima importada do Brasil, energia paraguaia abundante e barata, pagaria impostos mais baixos (do que se estivesse em outros países), criaria pouquíssimos empregos e reexportaria para o Brasil o produto final com os benefícios inerentes a um país-membro do Mercosul. Se a RTA usar a energia de Itaipu em território paraguaio, isso terá parcos efeitos sociais e econômicos multiplicadores. Toda a “soberania” propalada pelo governo de Federico Franco se resume a que uma planta de alumínio como essa consuma uma boa parte da energia paraguaia de Itaipu em território paraguaio, e não em território brasileiro.

Todavia, não está claro como será o desfecho da negociação com a RTA. Sabe-se apenas que, com as obras acordadas e implementadas a partir do acordo Lugo-Lula, a geografia econômica do Paraguai irá mudar e a relação bilateral com o Brasil assumirá um novo caráter.

Foi isso que o jornal O Estado de S. Paulo expressou, à sua maneira e fazendo eco à posição do empresariado paulista, em fevereiro de 2011, no artigo intitulado “Investindo no Paraguai”. O jornal abordou as perspectivas de aumento dos investimentos brasileiros no vizinho e as razões para isso: energia elétrica abundante e barata, que estaria disponível graças às obras viabilizadas pelo acordo entre os governos Lugo e Lula; níveis de impostos bem inferiores aos do Brasil (uma carga tributária total abaixo de 13%) e menos benefícios sociais para os trabalhadores (menor “custo laboral”) do que aqueles pagos por aqui. Produzir no Paraguai nessas condições e vender no mercado brasileiro (e argentino) pode ser uma tendência crescente do fluxo de investimentos com capital brasileiro e internacional.

Essas são as razões do empresariado paulista. O curioso é que, após o golpe, o novo governo e os setores empresariais conservadores passaram publicamente a “vender o Paraguai” com base nesses mesmos critérios: venham para cá, pois vão pagar menos do que em seu país (por energia, salários e impostos)...

O Paraguai precisa de investimentos estrangeiros e pode ser muito interessante que sejam voltados à obtenção de uma escala de produção para vender ao Brasil e à Argentina. O problema se coloca quando as atuais autoridades paraguaias consideram as situações problemáticas vigentes no país suas “vantagens competitivas”. Há mais de dez anos a tarifa de energia elétrica não é reajustada, apesar da inflação acumulada em todo esse período. Assim sendo, é impossível garantir os investimentos necessários para expandir o uso da energia paraguaia de Itaipu (e Yacyreta). O Estado não poderá funcionar com os atuais níveis baixos impositivos. E o mercado de trabalho tem de melhorar muito, incorporando benefícios sociais que hoje inexistem ou são simplesmente burlados. Os três temas configuram típicas situações de “vantagens espúrias”, daquelas que, quando o país melhora, a pressão social faz com que desapareçam ou diminuam sensivelmente.

No entanto, apesar das incongruências do atual pensamento oficial paraguaio, o país efetivamente continuará aprofundando sua relação econômica com o Brasil e será um destino para investidores. O portfólio de projetos e investimentos vem crescendo, enquanto as obras de infraestrutura elétrica iniciadas pelo governo Lugo amadurecem. Por isso, este é um momento importante para debater que “estilo de desenvolvimento” será fomentado por esses investimentos estrangeiros no Paraguai. Essa tarefa, porém, caberá a um próximo governo.

- Gustavo Codas é jornalista e economista, mestre em Relações Internacionais
 
Teoria e Debate, edição 110, 19 março 2013
 
https://www.alainet.org/en/node/74697
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