A única coisa que salva a política econômica é a ameaça de uma pior
02/06/2013
- Opinión
Os ciclos de alta e baixa das economias dependem muitas vezes menos dos homens que das circunstâncias internacionais. Contudo, a crise na qual começa a mergulhar a economia brasileira é uma crise que se explica pela péssima condução da política econômica. Mais do que isso, é uma crise de ausência de política econômica em aspectos críticos centrais para o desempenho da economia brasileira num contexto internacional mal aproveitado, no início, e não adequadamente enfrentado agora. Não sabemos para onde o mundo vai. E não sabemos para onde o Governo nos quer levar.
Vivemos nos anos 2002 a 2008, como se fosse eterno, o miniciclo fabuloso das commodities que elevou para níveis inéditos os preços e as quantidades por nós exportadas de matérias primas minerais e agrícolas, puxados pela China. Entregamo-nos ao conforto de acumular reservas sem nenhum esforço, pois, obviamente, isso não dependia de genialidade dos condutores da política econômica. Mantivemos, com Meirelles, taxas de juros basicas escorchantes, a despeito da confortável situação externa em reservas.
Quando veio a crise de 2008, fizemos, sim, alguma coisa realmente inteligente: o Tesouro repassou em dois anos ao BNDES algo como 180 bilhões de reais para financiar investimentos em 2009 e 2010. Junto veio a desoneração fiscal de produtos duráveis de consumo. Foi apresentada como política anticíclica, e realmente funcionou no caso dos automóveis. Acontece que a indústria automobilística se tornou “dependente” da desoneração, e o Governo acabou como refém dela. Como conseqüência, estamos com nossas vias públicas, nas grandes metrópoles, entupidas de carros, sem escoamento e sem alternativa de adequados serviços públicos de transportes.
O lado do investimento público propriamente dito ficou totalmente relegado a a segundo plano, ou bloqueado por razões burocáticas e judiciais. Ao mesmo tempo, insistiu-se na política de geração de superávit primário. Numa situação em que o setor privado parou de investir, mesmo com os estímulos da desoneração, a acumulação de superávits primários tem efeito necessariamente contracionista, já que o Governo está retirando da sociedade, via impostos, mais do que lhe está devolvendo em forma de investimentos e compras. Por isso, sobretudo por isso, temos um Pibinho.
Com a desoneração fiscal e a auto-imposta geração de superávit primário, os ortodoxos presentes no Governo – já que nossa política econômica continua sendo dominada pelo conflito entre ortodoxia e heterodoxia, sendo o ministro Mantega nem uma coisa nem outra – começaram a advertir que o Estado estava quebrado e não podia, ele mesmo, liderar o processo de desenvolvimento com investimentos públicos. Decorreu disso a prevalência no espírito de nossa Presidenta da ilusão de que fará desenvolvimento de infraestrutura no Brasil com PPP (Parcerias Público-Privadas).
Essa ilusão vai passar logo, diante da frustração revelada pelos fatos: o setor privado não quer PPP, que gera obrigações (mesmo a partir de empréstimos a baixo custo); quer simplesmente fazer grandes obras públicas a fundo perdido, receber pelos contratos e pular fora. Foi assim que se fez infraestrutura no Brasil e no mundo, e não será agora que isso vai mudar. Como conseqüência, temos 7,5 mil quilômetros de rodovias e ferrovias licitadas na foram de PPP e para as quais não apareceu ganhador.
O resultado disso tudo é que não temos investimentos adequados em infraestrutura. Certamente que temos uma política de assistência social efetiva e que merece todo o apoio da sociedade. Contudo, é uma ilusão pensar que uma política assistencialista, por mais justa que seja, vá sobreviver indefinidamente se a base da estrutura da economia afunda, e com ela as classes médias. Veja a Europa Ocidental: o “consenso” imposto pela Alemanha em torno de políticas de “austeridade” nada mais é que a destruição do Estado de bem estar social nos paises vítimas.
Ao lado da incapacidade de implementar uma política de investimento público que arrastasse o privado, a política econômica não se livrou da burrice do tripé juros altos, superávit primário elevado e câmbio solto herdada de FHC. Não entendeu que isso só deu certo por conta dos chineses, como observado acima. Em conseqüência, deixamos o câmbio valorizar na hora errada, prejudicando a médio e longo prazo nossa indústria de manufaturados e, em especial, a de bens de capital. Agora tudo conspira contra nós: a queda da balança comercial, a inflação que a mídia exagera, o câmbio e até o juro, que voltou a ser o expediente “sujo” para o equilíbrio externo e interno.
Do ponto de vista ideológico, capitulamos à essência da agenda neoliberal: a Fazenda assumiu o discurso e a prática da desoneração tributária, sem se dar conta de que o Estado mínimo é justamente isso, um meio de os ricos pagarem menos impostos; assumiu também, em conseqüência, a retórica de que é o setor privado, não o Governo, que irá liderar o investimento; confia nos juros para controlar a inflação, com “vergonha” de atacar heterodoxamente pontos essenciais da inflação como a indexação de preços de serviços públicos que ainda contamina a economia, bem como a questão de estoques de produtos agrícolas de largo consumo.
Da presidenta Dilma, que tem formação econômica, espera-se que intervenha na política econômica para o bem do Brasil e a salvação de nossa juventude. A ideia, posta em circulação por “O Globo”, de que o Governo já deu 2013 como perdido e vai se concentrar no ano eleitoral de 2014 é uma intriga, um insulto à opinião pública. Acho que a Presidenta será reeleita mesmo com zero por centro de crescimento do PIB, algo bastante provável, com Mantega na Fazenda e com Tombini no BC. É que no momento em que escrevo ouço, de meu escritório, um pronunciamento eleitoral de Aécio Neves pela TV da sala: ele diz que o Governo gasta mais do que arrecada, e que o destino do Brasil, além de cortar gastos públicos, depende de gestão!
A mesa está pronta. Façam suas apostas!
Vivemos nos anos 2002 a 2008, como se fosse eterno, o miniciclo fabuloso das commodities que elevou para níveis inéditos os preços e as quantidades por nós exportadas de matérias primas minerais e agrícolas, puxados pela China. Entregamo-nos ao conforto de acumular reservas sem nenhum esforço, pois, obviamente, isso não dependia de genialidade dos condutores da política econômica. Mantivemos, com Meirelles, taxas de juros basicas escorchantes, a despeito da confortável situação externa em reservas.
Quando veio a crise de 2008, fizemos, sim, alguma coisa realmente inteligente: o Tesouro repassou em dois anos ao BNDES algo como 180 bilhões de reais para financiar investimentos em 2009 e 2010. Junto veio a desoneração fiscal de produtos duráveis de consumo. Foi apresentada como política anticíclica, e realmente funcionou no caso dos automóveis. Acontece que a indústria automobilística se tornou “dependente” da desoneração, e o Governo acabou como refém dela. Como conseqüência, estamos com nossas vias públicas, nas grandes metrópoles, entupidas de carros, sem escoamento e sem alternativa de adequados serviços públicos de transportes.
O lado do investimento público propriamente dito ficou totalmente relegado a a segundo plano, ou bloqueado por razões burocáticas e judiciais. Ao mesmo tempo, insistiu-se na política de geração de superávit primário. Numa situação em que o setor privado parou de investir, mesmo com os estímulos da desoneração, a acumulação de superávits primários tem efeito necessariamente contracionista, já que o Governo está retirando da sociedade, via impostos, mais do que lhe está devolvendo em forma de investimentos e compras. Por isso, sobretudo por isso, temos um Pibinho.
Com a desoneração fiscal e a auto-imposta geração de superávit primário, os ortodoxos presentes no Governo – já que nossa política econômica continua sendo dominada pelo conflito entre ortodoxia e heterodoxia, sendo o ministro Mantega nem uma coisa nem outra – começaram a advertir que o Estado estava quebrado e não podia, ele mesmo, liderar o processo de desenvolvimento com investimentos públicos. Decorreu disso a prevalência no espírito de nossa Presidenta da ilusão de que fará desenvolvimento de infraestrutura no Brasil com PPP (Parcerias Público-Privadas).
Essa ilusão vai passar logo, diante da frustração revelada pelos fatos: o setor privado não quer PPP, que gera obrigações (mesmo a partir de empréstimos a baixo custo); quer simplesmente fazer grandes obras públicas a fundo perdido, receber pelos contratos e pular fora. Foi assim que se fez infraestrutura no Brasil e no mundo, e não será agora que isso vai mudar. Como conseqüência, temos 7,5 mil quilômetros de rodovias e ferrovias licitadas na foram de PPP e para as quais não apareceu ganhador.
O resultado disso tudo é que não temos investimentos adequados em infraestrutura. Certamente que temos uma política de assistência social efetiva e que merece todo o apoio da sociedade. Contudo, é uma ilusão pensar que uma política assistencialista, por mais justa que seja, vá sobreviver indefinidamente se a base da estrutura da economia afunda, e com ela as classes médias. Veja a Europa Ocidental: o “consenso” imposto pela Alemanha em torno de políticas de “austeridade” nada mais é que a destruição do Estado de bem estar social nos paises vítimas.
Ao lado da incapacidade de implementar uma política de investimento público que arrastasse o privado, a política econômica não se livrou da burrice do tripé juros altos, superávit primário elevado e câmbio solto herdada de FHC. Não entendeu que isso só deu certo por conta dos chineses, como observado acima. Em conseqüência, deixamos o câmbio valorizar na hora errada, prejudicando a médio e longo prazo nossa indústria de manufaturados e, em especial, a de bens de capital. Agora tudo conspira contra nós: a queda da balança comercial, a inflação que a mídia exagera, o câmbio e até o juro, que voltou a ser o expediente “sujo” para o equilíbrio externo e interno.
Do ponto de vista ideológico, capitulamos à essência da agenda neoliberal: a Fazenda assumiu o discurso e a prática da desoneração tributária, sem se dar conta de que o Estado mínimo é justamente isso, um meio de os ricos pagarem menos impostos; assumiu também, em conseqüência, a retórica de que é o setor privado, não o Governo, que irá liderar o investimento; confia nos juros para controlar a inflação, com “vergonha” de atacar heterodoxamente pontos essenciais da inflação como a indexação de preços de serviços públicos que ainda contamina a economia, bem como a questão de estoques de produtos agrícolas de largo consumo.
Da presidenta Dilma, que tem formação econômica, espera-se que intervenha na política econômica para o bem do Brasil e a salvação de nossa juventude. A ideia, posta em circulação por “O Globo”, de que o Governo já deu 2013 como perdido e vai se concentrar no ano eleitoral de 2014 é uma intriga, um insulto à opinião pública. Acho que a Presidenta será reeleita mesmo com zero por centro de crescimento do PIB, algo bastante provável, com Mantega na Fazenda e com Tombini no BC. É que no momento em que escrevo ouço, de meu escritório, um pronunciamento eleitoral de Aécio Neves pela TV da sala: ele diz que o Governo gasta mais do que arrecada, e que o destino do Brasil, além de cortar gastos públicos, depende de gestão!
A mesa está pronta. Façam suas apostas!
- J. Carlos de Assis é economista, professor de economia internacional da UEPB e autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” (ed. Civilização Brasileira).
https://www.alainet.org/en/node/76500
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