O que aconteceu com o Fórum Social Mundial? Alguém sabe, alguém viu?
03/10/2013
- Opinión
Os responsáveis pela direção do processo de construção do “Outro mundo possível” poderiam mandar algumas notícias aos terráqueos para que eles saibam o que foi feito desse movimento que encantou milhares de pessoas em todo o mundo.
Algumas entidades e organizações do movimento social estão tentando promover um Fórum Social Temático no início de 2014 em Porto Alegre. Não está sendo fácil. A perda de visibilidade e de centralidade política do FSM vem se agravando a cada ano. Uma das evidências disso é a absoluta ausência de qualquer referência ao Fórum nas manifestações que levaram milhares de jovens às ruas do país nos últimos meses. As escolhas feitas pela maioria das entidades que dirigem o processo FSM estão levando esse movimento a uma diluição que beira cada vez mais a irrelevância política. O mundo mudou. Não é mais aquele que marcou o surgimento do FSM em 2001, quando este apresentou-se como um contraponto ao fórum de Davos. O que o Fórum Social Mundial tem a dizer sobre essas mudanças? Há algum documento ou reflexão a respeito? O silêncio e a falta de visibilidade do FSM em relação aos últimos acontecimentos é muito eloquente. Vale a pena recordar um pouco as origens políticas e sociais do Fórum para refletir sobre a situação atual desse processo.
Uma brevíssima história do Fórum Social Mundial poderia ser contada tomando como ponto de partida o ano de 1998, com a derrota do projeto do Acordo Multilateral sobre Investimentos (AMI), e, logo em seguida, em 1999, com o êxito das manifestações de Seattle contra a reunião de cúpula da Organização Mundial do Comércio (OMC). O AMI foi uma iniciativa dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), iniciada nos anos de 1990 e que teve sua negociação suspensa devido, entre outros fatores, a constantes desacordos entre seus membros, principalmente no que se refere a temas como nacionalização, exceção cultural, desregulamentação, propriedade intelectual e segurança. E Seattle foi um ruidoso desmentido das teses dos defensores do fim da história. Foram duas derrotas inesperadas para os defensores da globalização neoliberal, que pregavam o aprofundamento da desregulamentação econômica em todo o mundo, com ampla liberdade de circulação de capitais.
Animado por essas importantes vitórias, um conjunto de movimentos sociais de vários países começou a discutir a necessidade de realizar um encontro internacional para se contrapor ao Fórum Econômico Mundial de Davos, que reúne os ideólogos do atual modelo de globalização. Nascia, assim, o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, um movimento internacional por outra forma de globalização. Um movimento que não parou de crescer. A capital gaúcha foi escolhida como sede do FSM em função das políticas de participação popular implementadas pelas administrações petistas na cidade. A primeira reunião do Fórum Social Mundial foi marcada pela idéia de estabelecer um contraponto a Davos. O sucesso foi tamanho que, já no ano seguinte, o caráter anti-Davos começou a ser substituído por uma agenda própria, de caráter propositivo, que iria se internacionalizar e se aprofundar nos anos seguintes.
Em 2001 e em 2002, os organizadores e participantes do FSM trataram de, como observou o jornalista Ignácio Ramonet, criar “uma reunião paralela simétrica, mas de sinal político inverso”, ao Fórum Econômico Mundial, que todos os anos reúne, em Davos, na Suíça, os “donos do mundo”, preocupados em aumentar seus lucros e negócios sem levar em conta os custos políticos, sociais, ecológicos e culturais. O lema “Outro mundo é possível” ganhou repercussão e múltiplos significados em todo o mundo, surpreendendo aqueles que identificavam o novo movimento como uma nuvem passageira que iria se dissipar rapidamente no ar. Mas, ao invés de se dissipar, o FSM acabou se espalhando no ar, o que ficaria evidenciado em suas edições seguintes, em 2003 (mais uma vez em Porto Alegre), e, em 2004, em Mumbai, na Índia. A internacionalização do Fórum foi aumentando a cada ano, incorporando crescentemente novos temas e agentes sociais.
Em 2003, a crise política internacional gerada pelos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e a iminente invasão do Iraque pelos Estados Unidos impuseram uma agenda prioritária ao FSM: a luta contra a guerra e pela paz. A incorporação desse tema não se deu apenas por um caráter conjuntural. Ficava cada vez mais evidente a relação entre o atual estágio do sistema capitalista internacional e a lógica da guerra e do unilateralismo como mecanismo de resolução de conflitos. A militarização da agenda política das nações mostrava-se como a outra face da globalização neoliberal. Deste modo, lutar por um “outro mundo possível” significa, entre outras coisas, lutar contra a política unilateral e imperialista comandada pela maior potência do planeta, os EUA, e por seus aliados. Em 2003, milhões de pessoas saíram às ruas em todo o mundo para protestar contra a guerra e contra a transformação da “guerra ao terrorismo” em uma guerra pelo controle do mundo.
Para dar maior densidade e articulação política a essa luta, o Fórum Social identificou como uma tarefa estratégica o aprofundamento de seu caráter internacional. Foi assim que, em 2004, saiu de Porto Alegre e foi para Mumbai, na Índia. O FSM ganhou em diversidade e em internacionalização. A luta contra a guerra e pela paz esteve mais uma vez no centro dos debates, mas a novidade mais importante foi a participação massiva de movimentos sociais e atores políticos que não haviam participado dos três fóruns anteriores em Porto Alegre. Mas não foi meramente o deslocamento para a Índia que garantiu o êxito desse processo de internacionalização. Antes de Mumbai, dezenas de fóruns regionais e temáticos foram realizados em diversos países e continentes, incorporando cada vez mais novas organizações e temas ao universo do FSM, que se consolidou como um movimento de caráter global, com crescente capacidade de articulação política.
Na quinta edição do Fórum, que retornou a Porto Alegre, em 2005, a evolução política qualitativa do movimento altermundista ficou evidente. Essa evolução manifestou-se pelo amadurecimento de propostas concretas para a construção de um outro modelo de globalização, uma globalização solidária dos povos e não exclusivamente do capital. Um grupo de intelectuais e movimentos sociais lançou a Carta de Porto Alegre, apresentando propostas nesta direção. Ao todo, foram apresentadas 352 propostas das mais diferentes organizações do planeta. De um espaço de contraponto ao Fórum de Davos, o FSM tornou-se definitivamente um espaço de construção de propostas, passando da resistência e dos protestos à elaboração de alternativas. Totalmente autogestionadas, as atividades de 2005 deram um vigoroso impulso às mobilizações contra a política imperial dos EUA, implementada pelo governo de George W. Bush.
A evolução do Fórum Social foi marcada por uma forte participação da juventude. Os acampamentos internacionais realizados nas edições dos FSM revelaram uma inegável vontade de participação política. Revelaram também o desgaste das formas tradicionais de fazer política. O recado aos partidos políticos de esquerda foi muito claro: ou mudam profundamente, ou se tornarão estruturas obsoletas do ponto de vista daqueles que veem o FSM como um espaço para a construção de políticas alternativas à ordem global dominante.
Onde foi parar toda essa vitalidade? A última edição do Fórum foi realizada no início deste ano na Tunísia. A ideia era “aproveitar” o clima político da chamada Primavera Árabe. Aproveitou? Apontou para onde? Alguém sabe? Os responsáveis pela direção do processo de construção do “Outro mundo possível” poderiam mandar algumas notícias aos terráqueos, aqui no planeta Terra, para que eles saibam o que foi feito desse movimento que encantou milhares de pessoas em todo o mundo. Afinal, o Fórum Social Mundial tem algo a dizer sobre o que está acontecendo no mundo hoje?
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