Coesão social em xeque
31/08/2014
- Opinión
Wikimedia Commons/CC
Luta por redução de desigualdades segue acompanhada da
ascensão social por força de políticas públicas federais
Desde o início da década de 2000, o Brasil passou a transitar para um novo padrão de coesão social. A correta preocupação governamental com o enfrentamento do latifúndio de desigualdades existentes abriu caminho tanto para revisão da antiga lógica da coesão social como para a resistência à mudança por parte de setores privilegiados.
Em se mantendo no tempo, o novo padrão de coesão social será possível superar o anterior, que se configurou desde o momento em que o trabalho escravo se tornou ilegal, em 1888. Antes disso, convém comentar que a origem da coesão social brasileira remonta ao longo período da escravidão e que se manteve intacta mesmo com a instalação da Independência Nacional (1822).
Assim, a unidade nacional em torno do trabalho escravo se mostrou suficiente, inclusive, para superar o ciclo de revoltas comandadas por oligarquias regionais separatistas, em sua maioria ocorrida entre 1822 e 1848. Ao contrário da experiência de independência na colonização espanhola, que levou a intensa fragmentação do espaço territorial, o fim da colonização portuguesa foi acompanhado pela gradual integração territorial e da população ao longo do território nacional.
Com o fim do trabalho escravo, a transição para a nova coesão no interior da sociedade capitalista competitiva ocorreu sem maiores tensões. O caminho conservador adotado pelo Império (1822 – 1889) para a superação da escravidão – sem mudar as instituições que a sustentava, conforme reivindicavam os abolicionistas da época – permitiu avançar o binômio da mobilidade social com ampla desigualdade.
Mas para isso, o crescimento econômico a qualquer preço se tornou uma norma a ser seguida por todos os governantes desde a instalação da República, em 1889. Somente a expansão das forças produtivas permitiria “fugir para frente”, sem resolver problemas estruturais por meio das reformas clássicas do capitalismo contemporâneo (agrária, tributária e social).
Destaca-se que entre 1890 e 1980, o Brasil foi o segundo país que mais cresceu no mundo. E com isso, a mobilidade social se tornou uma realidade, em meio a enormes iniquidades, o que o colocou na terceira posição de maior desigualdade de renda no ano de 1980, quando o país também era classificado como a oitava economia mais rica do mundo.
O fato de haver ascensão em praticamente quase todos os segmentos sociais tornou obscuro saber quem se movimentava mais rápido que os outros. Enquanto alguns segmentos sociais subiam mais rapidamente pelo elevador do “edifício Brasil”, a maioria teve que subir gradualmente pelas escadas, não deixando dúvidas que a mobilidade no interior da sociedade transcorria simultânea ao aprofundamento da desigualdade social.
Durante as décadas de 1980 e 1990, o crescimento econômico praticamente desapareceu frente à crise da dívida externa e das altas taxas de inflação. O neoliberalismo adotado no Brasil terminou ainda por desmontar parte crescente das políticas públicas que potencializavam anteriormente a mobilidade na sociedade.
Em função disso que o país passou a conviver com a imobilidade social, congelando a desigualdade em patamar elevado durante as duas últimas décadas do século passado. Este quadro apenas voltou a ser alterado a partir dos anos 2000.
A volta da mobilidade social esteve fortemente impulsionada pela recuperação do crescimento econômico e do nível de emprego concomitante com a adoção das políticas públicas de elevação do salário mínimo e de transferências de renda. Por conta disso, o processo de ascensão social ocorreu simultaneamente à redução da desigualdade, diminuindo a distância média que separa os indivíduos em todo o país.
Em síntese, o Brasil passou a se encontrar diante da transição para um novo padrão de coesão social, em que a luta pela redução das desigualdades segue acompanhada pelo movimento da ascensão social por força das políticas públicas federais.
Tudo isso, contudo, termina por revelar também certa insatisfação entre aqueles que se movem em ritmo menos acelerado, especialmente porque estavam anteriormente acostumados a liderarem a corrida da ascensão social. Isso se agrava ainda mais se acrescentar o fato de que são justamente os mais pobres que registram ascensão social mais intensa do que todos até então.
O questionamento ao novo padrão de coesão social ganha maior relevo neste ano em que as eleições podem redefinir os rumos recentes do Brasil. Considerar o movimento em curso com as propostas dos candidatos à presidência, por exemplo, pode contribuir para o melhor entendimento a respeito de qual lado eles se encontram em relação à nova fase da coesão social brasileira.
- Márcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.
30/08/2014
https://www.alainet.org/es/node/102907?language=en
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