As pesquisas eleitorais como elas são e a mídia como ela é
09/09/2014
- Opinión
Pesquisas de intenção de voto não mudam apenas os humores de candidatos e eleitores. Elas são cada vez mais importantes para o direcionamento das doações dirigidas às diferentes campanhas. O dinheiro corre com mais facilidade para os cofres dos que aparecem com mais chances de vitória. Prestam-se também para influenciar eleitores indecisos ou determinados a mudar o voto na última hora, deixando de lado a escolha inicial e optando por outra, não tanto de sua predileção, mas capaz de evitar o sucesso do maior adversário, criando o chamado “voto útil”. Sem falar na desmobilização de militantes antes do fim do pleito ao verem seu candidato desabando nas pesquisas.
Em 1985, nas eleições municipais em São Paulo, o candidato Fernando Henrique Cardoso sentou na cadeira de prefeito antes da hora, confiando na pesquisa do Datafolha. Nas urnas, a vitória foi de Jânio Quadros, que não perdeu a oportunidade de usar seus dotes teatrais, desinfetando o trono antes de ocupá-lo.
Danosa, no entanto, para o jogo democrático, foi o papel da pesquisa e o seu uso pela mídia nas eleições de 1998 para o governo de São Paulo. Dois dias antes da eleição do primeiro turno, o Datafolha divulgou pesquisa apontando Paulo Maluf, com 31% dos votos, seguido de Francisco Rossi com 18%; Mário Covas, candidato à reeleição, com 17%; Marta Suplicy, com 15%, e Orestes Quércia, com 6%. Na véspera da votação, a imprensa tratou a eleição como se a decisão se limitasse a saber quem entre Covas e Rossi enfrentaria Maluf. E o temor da ida ao segundo turno de dois candidatos conservadores, Maluf e Rossi, levou um grande contingente de eleitores de Marta a optar por Covas, realizando o “voto útil”. Abertas as urnas, sentiram-se enganados. Covas ficou a apenas 0,9% de votos à frente de Marta e ela superou Rossi em 5,39%. Sem a influência do Datafolha e, sobretudo, da forma como a pesquisa foi “trabalhada”, Marta e não Covas (tampouco Rossi) teria disputado o segundo turno com Maluf.
São lembranças que não autorizam a descrer totalmente das pesquisas, mas ressaltam a importância de se ter com elas muito cuidado, principalmente sabendo-se de como são usadas pela mídia. Neste ano, por exemplo, a Rede Globo considerou os 3% das intenções de voto do Pastor Everaldo suficientes para levá-lo à bancada do Jornal Nacional para uma exposição de 15 minutos. O objetivo era claro: ainda com Eduardo Campos na disputa, a tendência seria a eleição se encerrar no primeiro turno com a vitória de Dilma Rousseff. Uma pequena ascensão do pastor evitaria isso, e o Jornal Nacional estava ali, à disposição, para dar o empurrão necessário.
Tarefa oposicionista que o principal noticioso da Rede Globo realiza não apenas durante o período eleitoral, embora seu protagonismo cresça nessas épocas. Sempre se soube disso, mas agora os dados são mais concretos. Nas eleições de 2002 e 2006, um trabalho de fôlego da pesquisadora Flora Neves, da Universidade Federal de Londrina, analisou 199 edições do Jornal Nacional, constatando a manipulação do noticiário.
Um exemplo: em 2006, entre início no horário eleitoral obrigatório e o primeiro turno das eleições o JN levou ao ar 68,57% de notícias positivas para o candidato Geraldo Alckmin, 61,76% para Heloísa Helena, 52,94% para Cristovam Buarque e 16,43% para Lula. A íntegra está no livro Telejornalismo e Poder nas Eleições Presidenciais, da Summus Editorial, 2008.
Em 2014 a história se repete, e quem nos prova isso é o site Manchetômetro, importante realização do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Seus pesquisadores acompanham desde o início do ano as manchetes dos três jornalões brasileiros (Folha, Globo e Estado) e as do Jornal Nacional. O alinhamento dos quatro veículos em oposição ao governo fica evidente. O Manchetômetro constatou que entre 1º de janeiro e 22 de agosto o JN dedicou quase uma hora e meia do seu tempo para apresentar notícias negativas em relação a Dilma. Sobre Aécio foram quatro minutos.
- Lalo Leal, para a RBA 10/09/2014
https://www.alainet.org/es/node/103214
Del mismo autor
- O jogo mudou: sai Neymar, entra Moro. E o futuro promete 14/06/2019
- Pensamento único e destruição do futuro. O papel da mídia nessa coisa toda 17/05/2019
- A esperteza ridicularizada 25/01/2019
- Bolsonaro e as redes: a mentira e a manipulação sem intermediários 17/12/2018
- Padrão Bolsonaro de comunicação desorienta a mídia 19/11/2018
- Mídia aposta na apatia com a política para favorecer seus candidatos 16/07/2018
- As novas investidas do governo Temer contra a comunicação pública 14/05/2018
- Do jornalismo e dos jornalistas exige-se respeito 12/04/2018
- Das senzalas aos estúdios contemporâneos, racismo naturalizado 04/12/2017
- TV Digital, avanço tecnológico desperdiçado por falta de vontade política 10/04/2017
Clasificado en
Clasificado en:
