A pergunta do ano continua sem resposta. Outras, também
15/09/2014
- Opinión
“Por que a mídia não assume?” A questão levantada pela ouvidora/ombudsman da Folha de S.Paulo Vera Magalhães Martins (em 31/8) continua no ar, intocada, irrespondida. Tudo indica que assim permanecerá.
Faltam apenas três domingos até conhecermos os resultados do primeiro turno das eleições presidenciais e nenhum jornal, jornalzinho ou jornalão – inclusive aquele que a contratou para funcionar como pedrinha no seu sapato – tentou atender ou satisfazer a cobrança, seja na forma de reflexão ou avançando opções.
A convenção adotada pelos grandes jornais americanos e europeus prevê que a solene “declaração de voto”, registrada na página de opinião, seja publicada com alguma antecedência de modo a dar tempo aos leitores para verificar se não resultou em manipulação do noticiário em detrimento dos demais candidatos/candidatas.
Esgota-se a antecedência, parece que não será desta vez que a nossa imprensa conseguirá oferecer algum avanço em matéria de transparência e responsabilidade. Constata-se justamente o contrário: as agressões e ofensas que se imaginava confinadas no âmbito da tuitelândia e dos maus bofes das redes sociais migraram para o bojo da “grande imprensa” – que tenta se legitimar buscando, debalde, se assemelhar às ágoras gregas, porém cada vez mais dominada por botinadas, valentices, calúnias e xingamentos.
Eflúvios da rinha
O pool armado para repercutir e vociferar a suposta delação do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, veiculada pela ilibada Veja, responde indiretamente à pergunta formulada pela ouvidora/ombudsman da Folha. Nossa imprensa tem enorme dificuldade em ajustar-se a regras, em buscar equilíbrios. Jamais exigida como fiel da balança, mais seduzida por cruzadas e sarrafadas do que por ponderações.
Os erros cometidos pela rede de veículos repetidores no suposto vazamento da delação de PRC exibe a incapacidade de nossa imprensa em refrear o seu irrefreável apetite para badalar escândalos e aumentar o barulho. Como já foi dito aqui, por falta de treino e forte vocação genética, a noção vigente de imparcialidade não passa de uma alternância de parcialidades.
Uma marretada no prego e outra na ferradura é o nosso ideal de distanciamento jornalístico, hoje facilitado pela troika que comanda o pelotão de candidatos, dois deles na oposição. Nestas eleições a veiculação de ofensas atingiu níveis jamais alcançados – nisso concordam até os colunistas mais exaltados das diferentes facções. As infrações eleitorais aproximam-se de patamares assustadores. E ainda faltam as três semanas finais de vale-tudo.
Assoberbada pelo volume de infrações, a Justiça Eleitoral parece incapaz de conter o ânimo dos players e impor um padrão mínimo de contenção e decência. Agarrada à questão da invulnerabilidade do sistema do voto eletrônico – sobre o qual não paira qualquer suspeita – esquece que o clima de exaltação pode ser mais letal para a democracia do que uma eventual manipulação de resultados. Manifestações de rua de teor claramente eleitoral, porém disfarçadas com palavras de ordem ideológicas, colocam em perigo a imperiosa tranquilidade que deve anteceder e suceder os pleitos.
À imprensa não deveriam escapar esses sinais. Nem a frustração do leitorado/eleitorado com o constrangido silêncio diante da provocação veiculada pela ombudsman da Folha. Até o momento nossa mídia parece tomada pelo animus diffamandi, o gozo da difamação, e mesmerizada pelo frenesi que vem da rinha. Dominada pela trepidação, esquece que uma de suas funções essenciais é evitá-la.
Observatório da Imprensa, edição 816, 16/09/2014
https://www.alainet.org/es/node/103404
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