Ao gosto do mercado

31/10/2000
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A globalização nada mais é do que a redução do mundo a um mercado, onde investem os donos do capital e no qual a condição de cidadão importa menos que a de consumidor. Tudo transforma-se em mercadoria: idéias, projetos, relações, objetos etc. Vendem-se empresas, estradas, influências e governos. O valor de troca de um produto adquire mais importância que seu valor de uso. Sua grife cobre-se de fetiche, a ponto de imprimir mais valor ao usuário do que aquele que é inerente à sua natureza humana. O homem, em si, parece não valer nada. Mas se revestido de mansão com piscina, carro importado e roupas sofisticadas, passa a ser visto como tendo mais valor que o aquele outro que mora numa meia-água de periferia, locomove-se de ônibus e veste camisa de malha. Topa-se tudo por dinheiro. O mercado não tem preconceitos, apenas interesse de lucro. Assim, transforma Che Guevara em cerveja inglesa, liturgia em show business e os filhos de Gandhi em bloco carnavalesco. O importante é mercantilizar e reificar tudo: do emblema revolucionário às nadegas da dançarina. Tornar o supérfluo necessário. Só assim dilata-se o consumo. Para isso, há uma poderosa engrenagem publicitária. Vendem-se sabão em pó e propostas políticas, nudez da atriz e sorriso do candidato, anjinhos de gesso e bordéis telefônicos. Os novos paradigmas dessa sociedade da abastança virtual são os modelos publicitários a quem, para efeito de propaganda, nada falta: beleza, saúde, fortuna e fama. Chiques e famosos, de tal modo suas caras são revestidas de plenitude que, do outro lado da linha de observação, o consumidor é induzido à carência, não do que lhe falta, mas do que o paradigma consumista lhe impõe como indispensável. Nem a religião escapa. Criada para elevar as pessoas a outro nível de consciência, para que vivenciem a comunhão com Deus e entre si, e fundada em valores derivados de revelação transcendente, aos poucos perde sua dimensão profética, de denúncia e anúncio. Despe-se de seu caráter ético, de crítica ao que desumaniza, para adequar-se à embalagem que a torna, no mercado, um produto atrativo. Assim, ela brilha sob as luzes da ribalta, trocando o silêncio pela histeria pública, a meditação pela emoção trucada, a liturgia pela dança aeróbica. Na esfera católica, torna o produto mais palatável, destituindo-o de três fatores fundamentais na constituição da Igreja, mas inadequados ao mercado: a inserção dos fiéis em comunidades; a reflexão bíblico-teológica; e o compromisso pastoral no serviço à justiça. As homilias se reduzem a breves exortações que não incomodam as consciências. Faz bem a CNBB em alertar para a manipulação comercial dos "padres cantores" que, com exceção do padre Zezinho, não pregam sobre a Campanha da Fraternidade, não convocam para o Grito do Excluídos, na promovem Semanas Sociais, alheios à pauta pastoral da Igreja católica no Brasil. É preocupante ver seminaristas mais interessados em aprender a dançar do que em estudar teologia, servir aos enfermos, à população de rua, aos encarcerados e aos que lutam por justiça. Tivesse adotado estilo semelhante, Jesus não teria sofrido perseguição, nem sido preso, torturado e assassinado na cruz. A multidão teria clamado por ele, e não por Barrabás. Na entrada de Jerusalém, o burrinho cederia lugar ao cavalo branco dos imperadores. Afinal, um Deus poderoso não combina com a fragilidade de um nazareno que acolhe prostitutas e pecadores, nem a bondade divina se coaduna com as diatribes de um galileu que chama o governador de "raposa" e, armado de um chicote, expulsa os que fazem da casa de Deus um "covil de ladrões". Um Jesus travestido de pop-star convém melhor às exigências do mercado, ainda que essas não correspondam às do Evangelho.
https://www.alainet.org/es/node/105185
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