O economicamente correto
28/01/2000
- Opinión
"pálidos economistas pedem calma" (Chico Buarque)
O discurso mais mistificador da atualidade é o discurso econômico. Em primeiro
lugar, porque se tornou economicista, isto é, totalitário, pretendendo explicar
tudo pela economia, que diria o que é certo, o que é possível, o que é justo. Em
segundo lugar, porque reduziu o econômico, por um lado, a um conjunto de normas
que se pretendem inexoráveis e, por outro, porque reduziuo econômico ao
financeiro e, mais restritamente ainda, à conjuntura financeira, de maneira que
nosso destino se jogaria em torno de alguns índices monetários cotidianos.
Não se fala de história, o social virou resídou, o cultural um epifenômeno, a
polític um instrumento dócil da economia. Falar de economia seria falar de
ciência - da única ciência -, o resto é o resto, aquilo que o econômico permita,
seriam expressões de desejos, utopias, emoções. (Quando se votavam celeremente
as reformas constitucionais e, de repente, irrompeu a marcha dos sem terra sobre
Brasília, um dos ideólogos do pensamento único propôs que se suspendesse
momentaneamente o debate no Congresso, porque a vida nacional havia sido afetada
por uma onda de irracionalismo, que logo passaria e a racionalidade - econômica,
nem é preciso dizer - voltaria a se impor.)
As elites no poder tem nos economistas, com suas variantes tecnocratas, sua
alma, aqueles que detêm as alavancas fundamentais do governo e um bando de
pessoas que se vergam a eles ou são triutradas por sua lógica implacável. Bom
governante não seria nem o que entende de economia - para isso existem os
economistas -, mas o que se rende à sua lógica, o que reconhece suas leis de
ferro, seu papel sendo o de preparar as condições políticas para que essas leis
se imponham da forma mais direta e brutal possível. (FHC prometeu, na primeira
campanha, que se governo teria nos ministérios da saúde, da educação e da
agricultura, seu eixo, que na realidade está nos ministérios econômicos.) Deve-
se falar do resto, até para criar as condições de legitimidade da economia -
falar de educação, de saúde, de agricultura, etc., -, contanto que não se leve a
sério o que se está falando, que se respeitem os limites impostos pelos
ministros econômicos. A lógica é sempre a de que se estariam criando, na
economia, as condições para que os outros planos do governo possam ser
raelizados. (Mas como a política econômica gera cada vez maios fragilidade
diante dos capitais especulativos e multiplicou a dívida pública por seis desde
o começo do Plano Real, se está cada vez mais longe dessas condições e assim a
mão dura da economia se faz cada vez mais - e não menos - necessária. A cada
solavanco, a cada obstáculo, uma resposta pronta: é necessário radicalizar as
reformas do Estado - isto é, tungar mais as políticas sociais, como no caso da
recém aprovada DRU - e não repensar um caminho suicida para o país, como o que
vem trilhando o governo FHC.)
Assim, um discurso economicamente correto busca dar conta de tudo, explicar
tudo, sem explicar nada: trabalho muito, ganho pouco e ainda perco emprego?
Culpa da tecnologia e do minha desqualificação como trabalhador que, afoito,
ingressei cedo demais no mercado de trabalho e não estou à altura do
desenvolvimento tecnológico.
A economia vai indo, de repente as bolsas da Conchinchina despencam, a taxa de
juros sobe, o desemprego aumenta, as dívidas de multiplicam, vem a recessão?
Flutuações incontroláveis dos capitais voláteis, tasca o economicamente correto,
que trouxe um javali para cuidar da casa e de repente reclama que o bichinho
não se comporta bem.
Desemprego? Não: reengenharia! Juros escorchantes? Nada disso: chamariz para
atrais capitais externos que virão estabilizar nossa moeda. Cortes de direitos
de cidadania? Nem vem com essa: equilíbrio fiscal! Descalabro da saúde e da
educação? Entre no onda da pós-modernidade econômica: um Estado barato!
Endividamento às custas do capital produtivo? Não: depuração de empresas
deficitárias. Os professores abandonam o ensino público e as escolas fecham?
Sinal de que não passaram pelo teste vital do custo/benefício, lei do Estado
malthusiano contemporâneo.
O discurso economicamente correto, pronunciado pelas "autoridades" econômicas
internacionais e repetidos venltrilocamente pelos ministros econômicos de
plantão e pela grande maioria dos colunistas econômicos, se constitui assim no
discurso hegemônico da nossa época. Já não temos Estado, mas gerente das
condições de reprodução do grande capital. Quem pegar carona nesse barco, se
salva, para os outros, a exclusão social. A cidadania fica reduzida aos
consumidores, isto é, os habitantes do mercado. A nação se dissolve no mercado
internacional conduzido pela grandes potências capitalistas. A política externa
se reduz a um sub-departamento de comércio exterior. O presidente, a um
caixeiro-viajante que trata de vender lá fora o barato que custa o patrimônio
público e as condições degradantes a que conseguiu reduzir os trabalhadores
brasileiros.
Outros economicismos já forma hegemônicos neste século, tanto as distintas
versões da teoria da modernização, quanto o marxismo da social-democracia e o
marxismo soviético. Todos têm em comum o abandono da história, que se amoldaria
docilmente a um cronograma pre-estabelecido, que ia do atraso à modernidade no
primeiro casso, do comunismo primitivo so socialismo ou à sociedade sem classes,
passando respectivamente por todos os modos de produção que os manuais
prescreviam.
Todos têm em comum o final da história, das contradições sociais, da dialética,
da ideologia, da subjetividade, da política. E, claro, da própria teoria,
bastardamente reduzida às visões descritivas dos indicadores financeiros de um
futuro já decidido. Caberia apenas consultar o oráculo contemporâneo, revelado
apenas ao FMI, ao Banco Mundial e às empresas de assessoria dos especuladores,
para saber nosso destino. E segui-lo, docilmente.
Essa é a lógica - economicamente correta - do pensamento único, norteado pela
modalidade contemporânea, liberal, do determinismo economicista.
https://www.alainet.org/es/node/105205?language=es
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