A terra de Colombo de olho na América Latina
17/07/2001
- Opinión
Gênova, Itália.
Há mais polícia nesta cidade, cuja arquitetura conta dois milênios de
história européia, do que turista. A operação pente-fino não me
parece, contudo, muito eficiente.
Foi parado por uma patrulha, ontem à noite, o carro no qual eu me
encontrava, dirigido por Marcello Danovaro, um dos responsáveis pelo
fórum da universidade local. Pediram os nossos documentos. Os meus
haviam ficado no hotel. Examinaram os do motorista, sem importunar-
me.
O genovês não vê a hora de o G-8 retirar-se da cidade. Há barreiras
por toda parte e equipamentos militares pesados ao longo da orla
marítima. As forças de segurança são vítimas do próprio pavor de
terrorismo. Bastou avistarem um velho carro estacionado em local
proibido, para mobilizarem o esquadrão antibombas. Não encontraram
nem explosivos nem o motorista.
Embora seja reduzida aqui a presença de latino-americanos nos eventos
anti-G-8, a América Latina é citada com freqüência, devido à
gravidade de seus índices sociais. De seus 442 milhões de habitantes,
220 milhões vivem abaixo da linha da pobreza.
Duas características preocupam os analistas: é o continente onde a
pobreza mais cresceu nos últimos vinte anos e onde são mais
acentuados os níveis de desigualdade entre os mais ricos e os mais
pobres. Em apenas três anos, de 1997 a 2000, o número de pessoas
vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou em 16 milhões.
A ONU considera que são necessários no mínimo dez anos de
escolaridade para uma pessoa sair do atoleiro da pobreza. A média
latino-americana é de 5,2 anos. São altos os nossos índices de evasão
e repetência. Os professores são mal preparados, mal pagos e pouco
valorizados, como se o investimento em educação fosse a fundo
perdido.
Um dado curioso levantado no ciclo de conferências da Faculdade de
Arquitetura é a rentabilidade do investimento na educação de meninas.
Está provado que quanto maior o nível de escolaridade da mãe, menor o
índice de mortalidades materna e infantil. Cuidados elementares de
saúde estão associados à cultura.
Reduz-se ainda o risco de gravidez na adolescência quando a menina
ocupa-se com os estudos. E considerando que na América Latina a
tendência, sobretudo entre a população carente, é a mulher assumir a
chefia da família (cerca de 30% das famílias do continente), o
enfoque ganha maior relevância.
De educação os G-8 entende. O Japão, que é do tamanho do Maranhão e
abriga população equivalente à do Brasil, saiu da guerra destroçado.
Graças ao investimento em educação (cerca de 12% do orçamento anual),
conquistou o capital de maior valor: os recursos humanos.
Nos EUA, grandes fortunas rompem o ciclo da herança para engordar
fundações voltadas à educação ou criar novas universidades. Na Europa
ocidental, os alunos passam, em média, oito horas por dia na escola.
No Brasil, quatro.
"Por que os governos latino-americanos não investem em educação? O
FMI não deixa?", perguntou o jornalista e escritor Gianni Miná nos
debates ontem na universidade. Nenhum dos latino-americanos presentes
tinha notícia de que o receituário do FMI para o continente tivesse
previsto, alguma vez, maiores recursos para a educação.
Educação, distribuição de renda e políticas públicas de combate ao
desemprego foram citadas como urgentes para estancar a pobreza de
nosso continente. Segundo Albert Hirschman, as políticas sociais são,
quando existem , "políticas pobres para pessoas pobres". Nunca
atingem as causas estruturais.
Nas últimas décadas, há uma clara inversão de papéis entre o Estado e
a Igreja católica na América Latina. Esta investe em ações sociais
eficientes, como a Pastoral da Criança, no Brasil; a formação de
cooperativas, no Equador; as associações de moradores, em Honduras,
os restaurantes populares no Peru.
O Estado "mínimo" dos ajustes fiscais restringe-se a programas
caritativos na área social. As frentes de trabalho e as cestas
básicas aos flagelados da seca do Nordeste brasileiro, que se repetem
a século e meio, foram citadas como exemplo.
"Se não existisse o MST o governo Cardoso falaria em reforma
agrária?", indagou Antonio Vermigli, da Rete Radie Resch, associação
italiana de solidariedade a iniciativas populares do Terceiro Mundo.
Os manifestantes anti-G-8 estão de olho no Segundo Fórum Social
Mundial de Porto Alegre, marcado para janeiro-fevereiro de 2002.
Talvez nem haja mais o contraponto com Davos, que corre o risco de
ser cancelado, pois muitos de seus participantes preferem evitar o
risco de novos confrontos com manifestantes reais (os ativistas
presentes na cidade) e virtuais (os hackers e o FSM de Porto Alegre).
Assim, Porto Alegre terá mais tranqüilidade para, ao menos, esboçar o
perfil deste novo mundo possível desejado pelos críticos do
neoliberalismo e do atual modelo de globalização.
https://www.alainet.org/es/node/105253
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