Novo risco para a humanidade: a globalização do inimigo
26/11/2001
- Opinión
Como reação aos tentados da Terça Feira Triste de 11 de setembro
de 2001 nos EUA, o Presidente George W. Busch fez uma série de
pronunciamentos que implicam alto risco para o futuro das relações
entre as nações: o terrorismo será enfrentado em qualquer parte do
mundo; atarcar-se-ão também aqueles países que dão guarida às redes do
terror. Quem não aceita esta luta é contra os EUA e a favor do
terrorismo.
Aqui há uma manifesta globalização do inimigo e uma globalização da
guerra com características singulares, combinando a brutalidade da
guerra tecnológica moderna, mostrada na intervenção norte-americana no
Afeganistão, com a guerra suja da inteligência que implica atos de
terror e o assassinato planejado de lideranças tidas por terroristas.
Esta estratégia nos projeta cenários sombrios e altamente perigosos
para a convivência da humanidade no processo inexorável da
globalização, fase nova da história da Terra (Gaia) e da espécie homo
sapiens e demens.
O primeiro efeito ocorreu nos EUA: a criação do Conselho de Defesa
Interna, dotado de uma Força-Tarefa de Rastreamento de Terroristas,
fundos específicos e de sua correspondente ideologia justificadora.
Nós conhecemos o que significa o Estado de Segurança Nacional cujo
ideólogo-mor Carl von Clausewitz (1780-1831) conferiu normalidade à
guerra como "continuação da política com outros meios". Em nome da
segurança inverte-se o sentido básico do direito: todos são
supostamente terroristas até prova em contrário. Em consequência
disso, surgem inexoravelmente serviços de contrôle e repressão,
espionagens, grampos, prisões para interrogatórios, violências por
parte dos corpos de segurança e torturas. Cria-se o império da
suspeita e do medo e a quebra da confiança societária, base de
qualquer pacto social. Há o risco do terror de Estado.
Dois temores bem fundados acolitam semelhante universalização do
inimigo: a delimitação do que seja terrorismo e a identificação dos
nichos alimentadores de terrorismo.
A formulação de bem-mal, amigo-inimigo do Presidente Bush nos remete a
um dos grandes teóricos modernos da filosofia política de transfundo
nazi-fascita, Carl Schmitt (1888-1985). Em seu O Conceito do Político
(1932, Vozes 1992) diz: "a essência da existência política de um povo
é sua capacidade de definir o amigo e o inimigo"(p.76). Quem é
inimigo? "É aquele existencialmente outro e estrangeiro, de modo que,
no caso extremo, há possibilidade de conflitos com ele…Se a alteridade
do estrangeiro representa a negação da própria forma de existência do
povo, deve ser repelido e combatido para a preservação da própria
forma de vida. Ao nivel da realidade psicológica, o inimigo
facilmente vem a ser tratado como mau e feio"(p.52).
Bush interpretou a barbárie de 11 de setembro de guerra contra a
humanidade, contra o bem e o mal, contra a democracia e a economia
globalizada de mercado que tantos benefícios (na presssuposição dele)
trouxeram para a humanidade. Quem for contra tal leitura, é inimigo,
o outro e o estrangeiro que cabe combater e eliminar. Tal estratégia
pode levar a violência para dentro dos EUA e para todos os quadrantes
do mundo. É a violência total do sistema contra todos os seus
críticos e opositores. A lógica que preside aos atentados terroristas
é assumida totalmente pelas estratégia do Estado norte-americano,
apenas com sinais invertidos. Terror é enfrentado com terror,
gerando-se a espiral da violência sem fim. Nessa solução não há
nenhuma sabedoria, apenas expressão de vindita e de retaliação do olho
por olho, dente por dente. Só políticos medíocres, sem a estatura de
estadistas, podem adotar semelhantes estratégias.
O segundo problema aventado é a identificação dos nichos
fomentadores de inimigos. Na atual estratégia são países tidos por
párias ou bandidos e identificados por seus nomes, a Líbia, o Sudão e
Iraque e outros.
Dentro de pouco percerberce-á que mais importantes que estas
nações, são ideologias libertárias e religiões de resistência e
libertação como se tem mostrado na oposição ao regime soviético e nas
regiões do Terceiro Mundo, dominadas por governos repressores.Elas
criam verdadeiras místicas de engajamento e fazem surgir militantes
altamente comprometidos com a superação da presente ordem social
mundial, devido às altas taxas de iniquidade social que produz. Entre
eles se contam as históricas esquerdas anti-capitalistas, os
movimentos transnacionais contra o tipo hegemônico de globalização
econômico-financeira e os setores religiosos ligados à mudanças
sociais como o cristianismo de libertação nascido na América Latina e
ativo na Africa, na Asia e em setores importantes da sociedade civil
norte-americana e européia. A estes se soma ainda grupos fortes do
islamismo popular, de cunho fundamentalista e setores teológicos
islâmicos que resgatam as origens libertárias da gesta de Maomé e o
sentido original do Alcorão francamente ligado aos estratos pobres da
população seja do deserto seja das cidades. Todos esses serão
considerados inimigos eventuais pois serão vistos como forças
auxiliares do terrorismo. Conhecemos as consequências de tais
identificações: a vigilância, a tentativa de desqualificação pública,
os sequestros, as torturas, os assassinatos. Será que os EUA não
acolheram uma lógica que os condenará repetir com mais furor o que
ocorreu na América Latina nos anos 60 sob os Regimes de Segurança
Nacional (bem entendido, segurança do capital)?
Tais espectros não são fantasias sinistras. As medidas já tomadas de
criação de tribunais especiais contra terroristas, em qualquer parte
do mundo, o segrêdo dos julgamentos, a incomunicabilidade com seus
advgoados e os julgamentos sumários apontam para formas de exceção,
perigosas para uma consciência de cidadania e de observância dos
direitos fundamentais da pessoa humana. Os ninhos de serpentes foram
criados. E elas crescem, se multiplicam e podem morder letalmente,
agora em nivel global.
https://www.alainet.org/es/node/105430
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