Um cheiro de guerra fria

30/11/2001
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Somoza era um f.d.p., mas para os EUA era o “nosso f.d.p”, segundo um secretário de Estado. A URSS dizia que a ditadura de Videla não era similar à de Pinochet. Paradoxos como esses eram possíveis porque um inimigo maior se deparava diante das duas super-potências da guerra fria, o supremo objetivo do bem por que lutavam impunha alianças e bençãos a governos de qualquer tipo, contanto que se ligassem a seu bloco. Os critérios seguidos pelos EUA na sua nova política de alianças trazem um cheiro indisfarçável de guerra fria: recebe as benesses – materiais, políticas e de propaganda – quem se somar a Washington na sua “cruzada”. E como se trata de “guerra”, os critérios são logísticos e militares. Assim, a Europa perde importância – salvo o papel de “condottieri” de Tony Blair, basta consolidar o eixo anglo- saxão, aproveitar para avançar na Alemanha, isolar a França e acenar para Berlusconi, além de Aznar e possívelmente Chirac. E a América Latina, bem comportada e submissa, desce mais alguns degraus na sua já inexpressiva situação no mundo. Mas importantes são a China e a Rússia, - já que se trata da Ásia e de guerra contra forças que se identificam com o islamismo – e o Paquistão – país-chave no enigma afegão. Então os principais parceiros dos EUA passaram a ser Puttin, Jiang Zemin e Musharraf – este, um ditador com armas nucleares na mão, um óbvio candidato a Sadam Hussein ou a Bin Laden, mas que, como disse Tony Blair “escolheu o lado certo” – isto é, o do que alguns consideram o Bem. No entanto, os EUA mudaram menos do que alguns imaginam em sua política externa, além do que o cenário necessariamente requer. Falou- se muito de abandono do unilateralismo para políticas mais concertadas. No essencial, essa política não mudou: os EUA não assinaram nenhum dos tratados pendentes – nem o Protocolo de Kyoto, nem o de proibição de armas nucleares, nem aquele sobre proibição de armas biológicas ou os acordos sobre racismo. Não deixaram de boicotar a criação do Tribunal Penal Internacional, assim como as discussões sobre um novo sistema de proteção as crianças ou de opor-se ao controle de pequenas armas. Mudou o estilo de atuação norte-americana, mas na direção do unilateralismo. Os EUA atuaram com a bandeira da ONU na Guerra do Golfo, há dez anos, valeram-se da bandeira da OTAN na Guerra da Iugoslávia, há um ano e meio, agora atuam com sua própria bandeira no Afeganistão – além do apoio do seu “mais próximo companheiro de armas”, como dizia o protocolo chinês de outros tempos, agora aplicado ao primeiro ministro britânico. Os aliados são comunicados ou no máximo consultados. Mas são os EUA que definem o caráter, a duração e a pontaria da ofensiva no Afeganistão ou se algum outro país será alvo. Tanto a ONU, como até mesmo a OTAN, estão fora da jogada. A política atual de alianças de Washington não é nem a de manter estruturas de alianças, mas apenas estabelece-las em cada caso concreto, com objetivos precisos, até onde lhes convenha. Erigido o combate contra o terrorismo – ou aquele que se considera ligado a Bin Laden – como prioridade, todo o mundo passa a ser redefinido em função desse objetivo. Daí o tom de guerra fria. Não importa a natureza de cada Estado, o caráter democrático ou não de cada governo, seu alinhamento em outras questões – interessa seu lugar no enfrentamento definido como estratégico. A própria Aliança do Norte é conhecida por ter abrigado as plantações de papoula que a política de erradicação dos talibans havia expulsado das regiões sobre seu controle. Mas seu papel de ariete e eventual participante num governo pós-taliban a situa como elemento chave da política dos EUA. Da mesma maneira o comportamento da Rússia em relação à Chechênia e da China em relação ao Tibet, deixam de contar. Não interessa a cor do rato, contanto que ele ajude a perseguir o gato – parafraseando famosa frase de Deng-Hsiao-Ping – aplicado à política, esse é o princípio da nova guerra fria. A África continua morrendo de fome, de aids e de ebola, mas os senhores da guerra, dos dois lados, definiram que a prioridade que comanda o mundo hoje é a guerra. Diga-me de que lado da barricada você está e eu te direi que és. Essa a nova guerra fria, assimétrica, por isso imprevisível, mas uma guerra que ilumina tudo com as cores dos seus mísseis. Guerra e paz: Desde 11 de setembro, 2 milhões de novas receitas de Prozac foram emitidas nos Estados Unidos. As vendas de armas triplicaram na Flórida.
https://www.alainet.org/es/node/105447
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