Miséria, fome e Alca
04/05/2002
- Opinión
Na última assembléia da CNBB, um assunto foi tomando conta das
preocupações dos bispos. A miséria e a fome de milhões de brasileiros.
Sem esquecer que esta triste realidade é ainda mais grave na África. E
que ela se alastra cada vez mais em toda a América. Até dentro dos
Estados Unidos. Que dirá nos pobres países deste continente que teria
tudo para ser um paraíso de vida, mas que para muitos está se tornando um
inferno onde o tormento está no estômago, e a insatisfação extravasa em
múltiplas formas de violência.
Com este panorama, nada mais coerente para os sucessores dos apóstolos do
que seguirem o exemplo do Mestre. Diante da multidão faminta, ele teve
sentimentos de compaixão. Mas compaixão ativa e eficaz. Pediu que
colocassem à disposição o pouco que havia, e deu a ordem peremptória:
“Dai-lhes vós mesmos de comer!”.
Mesmo com a insegurança de não saberem a quantia exata de pães e de
peixes que tinham à disposição, os bispos se apressaram em sintonizar com
os sentimentos e a urgência do Mestre. Convocaram um mutirão nacional
para superar a miséria e fome.
Neste contexto, emerge com força o contraste de preocupações e de
procedimentos entre a proposta dos bispos e os objetivos da ALCA, a dita
“Área de Livre Comércio das Américas”, que o governo dos Estados Unidos
quer impor a todos os outros países da América, com a urgência ditada por
uma fome de ganância e de lucros, que não tem nada a ver com a fome do
povo que habita estes países.
Diante de um continente que arde em crises sociais e de países que
explodem sob o peso da exploração financeira que tomou conta da economia
mundial, o governo dos Estados Unidos não está nem aí com a miséria do
povo. Ao contrário, ele parece entusiasmado com as oportunidades de bons
negócios que as turvas águas do momento propiciam aos espertos e
poderosos. Sua urgência não é matar a fome do povo. Sua pressa é impor
uma liberdade de comércio que possibilite abocanhar vantagens diante da
fraqueza dos outros. Face à miséria que cresce, a Alca vem propor um
festival obsceno de negócios. Em vez de compaixão pelos pobres, a fartura
de lucros exorbitantes, às custas do agravamento da miséria.
Em vez de superar as desigualdades, os idealizadores da Alca se encantam
com as oportunidades que elas propiciam. E não se tocam diante do
espetáculo que vai se tornando corriqueiro, do contraste entre ricos
aeroportos, onde transitam mercadorias sofisticadas para capricho de uns
poucos, e os lixões de detritos, onde os pobres disputam os restos que
sobram do esbanjamento irresponsável e insensível.
Nestes dias em que a hipocrisia da sociedade se fartou com a divulgação
de escândalos sexuais atingindo algumas figuras da Igreja, é necessário
dizer que a Alca é a pior das pedofilias, que se pretende encobrir sob o
manto da liberdade. Todos concordam que os pequenos não podem ser
atropelados pela prepotência dos grandes, sobretudo se sua dignidade
pessoal for atingida. Pois vem agora o governo dos Estados Unidos propor
uma liberdade total de comércio, colocando o peso paquidérmico da
economia americana sobre as coitadas economias de pequenos países, como
Honduras, Nicarágua, Bolívia, e tantos outros. E diante do Brasil, talvez
o único que poderia opor alguma resistência, baseada em seu potencial
econômico, os negociadores arreganham os dentes, ameaçando com
represálias. Então, é hora de gritar. Se os grandes perdem a vergonha, os
pequenos não querem perder sua dignidade. Eles vão se sentir muito mais
livres, se livres estiverem da parceria com leões de dentes afiados e
voracidade insaciável.
Diante do continente americano que se contorce na miséria e na fome, há
uma opção a fazer, entre dois caminhos que se apresentam. É hora de
compaixão, ou é hora de exploração? E’ mutirão contra a miséria e a
fome, ou é campeonato de negócios escusos? A resposta do Evangelho é
clara: “Ide aprender o que significa: eu quero misericórdia, e não
sacrifício”. Eu quero amor e solidariedade, não quero esta alca obscena
e hipócrita!
https://www.alainet.org/es/node/105846
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