Pelo celibato facultativo
14/05/2002
- Opinión
A Igreja católica exige o celibato de seus sacerdotes e bispos. Entre
monges, frades e freiras, a exigência é intrínseca à nossa vocação.
Vivemos em comunidade, fazemos votos de pobreza, castidade e
obediência. Portanto, em se tratando de membros de Ordens e
congregações religiosas, é no mínimo um contra-senso qualquer debate
quanto à quebra desses compromissos.
O mesmo não se pode dizer de padres diocesanos, também chamados de
seculares. A vocação sacerdotal não coincide necessariamente com a
vocação ao celibato.
E esta não é uma característica exclusivamente eclesiástica. O
celibato é encontrado também em outras tradições religiosas, e mesmo
em militantes políticos consagrados a uma causa. Ho Chi Minh foi
celibatário a vida toda, e Luis Carlos Prestes até beirar os 30 anos.
A Igreja primitiva ordenava homens casados. Não associava sacerdócio
ao celibato, pois tinha em mente que Jesus escolheu para apóstolos
homens casados. Prova disso é que ele curou a sogra de Pedro (Marcos
1,30). Quem teve sogra, teve mulher.
Jesus foi celibatário, como tantos místicos que o precederam na
história das religiões. E não reconheceu valor em si no celibato, e
sim em função da missão em prol do Reino de Deus (Mateus 19,1-12).
Ao contrário do que se pensa, o celibato não se universalizou entre o
clero para impedir que o direito de herança viesse a dilapidar os
bens da Igreja. Fosse assim, as Igrejas evangélicas, cujos pastores
se casam, já estariam falidas. Foi a progressiva monaquização do
poder eclesiástico, a partir do século VIII, que aproximou o clero
das exigências próprias da vida religiosa. Ainda assim, no período
colonial brasileiro era comum encontrar padres casados cercados de
prole abundante.
Na opinião do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, o celibato clerical
deveria ser facultativo. Aqueles que não tivessem vocação para
abraçá-lo exerceriam seu ministério sacerdotal ainda que contraindo
outro dos sete sacramentos: o matrimônio.
Julgo que não há motivo teológico que justifique o direito de os
homens terem acesso aos sete sacramentos, como ocorreu ao grande
abade beneditino dom Timóteo Amoroso, meu diretor espiritual. Viúvo,
fez-se monge e padre. Já as mulheres só podem receber seis
sacramentos, pois estão excluídas da Ordem. Assim como a Igreja
luterana já admite pastoras que celebrem a eucaristia, seria de
grande proveito à evangelização que mulheres também pudessem ser
ordenadas, pondo fim ao patriarcalismo que marca a estrutura
católica.
Urge que padres casados (sim, pois não existem ex-padres, como não há
ex-batizados) sejam readmitidos no ministério sacerdotal. Eles são
cerca de 4 mil no Brasil. Muitos exercem atividades pastorais sob a
bênção de seus bispos. Mas gostariam de voltar a administrar os
sacramentos e, assim, complementar o trabalho de cerca de 15 mil
sacerdotes que, no Brasil, servem aos 124,9 milhões de católicos. Não
fossem os ministérios leigos, a evangelização católica estaria ainda
mais fragilizada.
Enquanto Roma não permite o celibato facultativo, é preciso que, nos
seminários, o critério de seleção de candidatos seja mais rigoroso,
evitando o ingresso de jovens com sérios distúrbios patológicos, como
a pedofilia. Esta é uma doença que também se manifesta em homens
casados, e exige tratamento. Quando se traduz em assédio sexual,
merece punição. No entanto, é preciso que nas casas de formação de
padres e religiosos(as) temas como afetividade e sexualidade sejam
debatidos sem culpas ou escrúpulos. Sexo é como política, quanto
menos se fala, mais bobagem se faz.
Todos nós, inclusive o papa, somos frutos da relação carnal entre um
homem e uma mulher. O próprio Jesus tinha pulsão sexual e não
repudiou o seu corpo. Ao contrário, exaltou os corpos humanos pela
cura e deixou-se tocar por mulheres (Lucas 7, 36-50); 8,45). Movido
pela mística que o unia ao Pai, Jesus sublimou a sua sexualidade.
Ao elevar o matrimônio à condição de sacramento, no qual os ministros
são os noivos (e não o padre, como muitos pensam), a Igreja resgatou
a sexualidade das cavernas platônicas. É hora de dar mais um passo:
tornar o celibato facultativo ao clero diocesano, reinserir no
ministério sacerdotal os padres casados, e ordenar mulheres. Assim, o
Evangelho ressoará, de fato, como Boa Nova.
* Frei Betto é escritor, autor do romance sobre Jesus "Entre todos os
homens"(Ática), entre outros livros
https://www.alainet.org/es/node/105916
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