Futebol e filosofia
24/06/2002
- Opinión
Nestes dias falar de outra coisa que não seja de futebol é condenar-se à
irrelevância. É que o futebol comparece como realidade seminal. Mobiliza todos os
chacras, desde aquele dos instintos mais primários até aquele do êxtase. Por isso,
além de ser o esporte mais apreciado do mundo, representa uma metáfora poderosa para
coisas da maior importância. Nas minhas matutações descobri, entre outras, três
dimensões fundamentais.
Em primeiro lugar, enquanto jogo, o futebol surge como a metáfora mais adequada para
entendermos o universo. Pois é assim que a maioria dos cosmólogos como Reeves e os
físicos quânticos como Bohr falam. Os antigos imaginavam o universo uma pirâmide
estática, culminando em Deus. Os modernos à la Newton e Galilei o representavam como
um relógio que obedece a leis determinísticas. Os contemporâneos, vindos das
ciências do caos e da complexidade, o projetam como um jogo onde todos os vetores e
fatores se inter-retro-relacionam, constituindo um jogo que obedece ao princípio da
indeterminação de Heisenberg. Do vácuo quântico, saturado de energia primordial,
emergem, como num jogo incessante, energias que se consolidam umas, e então se
chamam de matéria, ou que formam campos energéticos ou mórficos e então se denominam
função de onda. No futebol não há assistentes passivos. Todos participam ou jogando
ou torcendo. Como no universo, assim também no futebol, não se pode prever o
desfecho. O mais fraco, Senegal, pode vencer o mais forte, a França.
Mais ainda. O futebol nos lembra a lei suprema do universo. Esta não é a seleção
natural com a vitória do mais forte como queria Darwin. Se assim fora, os
dinossauros estariam ainda por aqui. A lei suprema do universo, nos atestam os que
pensam o universo todo em evolução e não apenas os organismos vivos, é a cooperação
de todos com todos. A sinergia e a simbiose, vale dizer, a capacidade de consociar-
se, de adaptar-se um ao outro, de estabelecer redes de solidariedade entre todos
para que todos, também os mais fracos, possam viver e ser incluidos: eis o eixo
articulador de tudo. Para se convencer disso, basta ler o livro de John F. Haugt,
Deus após Darwin(José Olympio,2002) onde se faz a refutação convincente das teses
neodarwinistas. Ora, o futebol é a arte e a técnica de articular sinfonicamente onze
jogadores, formando um time e não a soma de craques cada um por si buscando o gol.
Sem a cooperação criativa entre todos, jogadores, técnico e torcida, o gol não sai e
não irrompe como um vulcão das gargantas dos torcedores.
Por fim, o futebol configura o ideal de toda economia sã com a qual sonhamos: o
livre comércio com igualdade, coisa que o capitalismo continuamente nega. Ele quer o
livre comércio mas dentro da mais veroz competitividade. Essa sim é puramente
darwiniana: só reconhece a vitória do mais forte, gerando desigualdade. Liquidando a
igualdade acaba também com a liberdade dos outros para reservá-la só ao vencedor.
Para manter a igualdade se faz mister regras e disciplina que limitam a voracidade
da competição. Isso o futebol ensina. Cada jogador é igualmente importante. A regra
é clara e a disciplina permite o jogo fluir. Só dentro deste acerto prévio o gol é
válido.
Será que ao torcer e ao celebrar nossas vitórias, não cabe pensar nisso tudo e
alimentar nossos sonhos maiores?
* Leonardo Boff, Escritor.
https://www.alainet.org/es/node/106003
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