América Latina, adios?
04/08/2002
- Opinión
A América Latina nasceu para o mundo no século XX. Antes disso, pouco ou
quase nada do continente tinha importância no mundo. No começo do século
passado, alguns grandes acontecimentos fizeram o mundo "descobrir" a
América Latina e ela mesma se descobrir a si mesma. O primeiro foi o
massacre da Escola Santa Maria de Iquique, no norte do Chile, em que
milhares de trabalhadores mineiros foram fuzilados diretamente do navio
em que estavam os "negociadores" do governo chileno diante da greve dos
trabalhadores. As ruas de Iquique jorravam sangue pelas calçadas, o
governo demonstrava que não podia suportar a paralização da principal
atividade econômica do país, controlada por empresas norte-americanas.
Poucos anos depois, explodiu a maior revolução social do continente até
então – a revolução mexicana, de Zapata e Pancho Villa, revolução que deu
a pauta dos movimentos populares durante meio século na América Latina,
seu caráter nacionalista, agrário e antimperialista. Ainda na segunda
década do século, em Córdoba, na Argentina, surgiu a primeira reforma
universitária, um movimento que colocava o tema da democratização da
educação e da incorporação do movimento estudantil às mobilizações
sociais que viriam a se generalizar nas décadas seguintes.
O continente mostrava que o novo século seria um século de revoluções e
de contra-revoluções. Foi o século em que países do continente
protagonizaram um dos mais importantes movimentos históricos dentro do
capitalismo – a industrialização de países da periferia, rompendo a
dicotomia que identificava países ricos com a industrialização e países
da periferia com economias agrárias. Foi também o período do surgimento
de projetos nacionais, de economias voltadas para o mercado interno, da
construção de lideranças e de partidos populares com ideologias de raízes
nacionais. Também de movimentos revolucionários na esteira da revolução
mexicana, como a salvadorenha de Farabundo Martí, a nicaraguense de
Augusto Cesar Sandino, a boliviana de 1952, até que eclodiu a mais
importante de todas – a revolução cubana, de Fidel Castro e Che Guevara.
Paralelamente, a cultura latino-americana se afirmou com perfil próprio,
conquistando espaço própria no cenário mundial. Prêmios Nobel de
literatura, como os da poetisa chilena Gabriela Mistral, do romancista
guatemalteco Miguel Angel Asturias prenunciavam o surgimento do chamado
"boom" latino-americano, que além de Gabriel Garcia Marquez, Júlio
Cortazar, Mario Vargas Llosa, revelou ao mundo Jorge Luis Borges,
Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, entre tantos outros, além da
afirmação da pintura latino-americana.
Essa grande aventura latino-americana no século XX desembocou na virada
liberal das duas últimas décadas do século e desta entrada do novo
século. Nunca um modelo se generalizou tanto no continente e nunca um
modelo fracassou tão estrepitosamente na história do continente como o
modelo neoliberal. Os resultados estão à mostra: regressão nos graus de
industrialização avançados, debilitamento geral dos sistemas políticos,
polarização e exclusão social como nunca a América Latina havia
conhecido, desemprego recorde, entrega do destino dos países do
continente ao Fundo Monetário Internacional.
Decadência que se estende a vários outros planos, como o da penetração da
influência cultural norte-americana como nunca havia existido,
mercantilização da vida e da mentalidade de amplos estratos da população,
enfraquecimento dos projetos com raiz nos países e na realidade
continental, violência cotidiana, desestruturação social e comunitária,
empobrecimento da educação e da saúde públicas, crises generalizadas e
extensão do desalento e da baixa auto-estima.
A América Latina, nascida para o mundo no século XX, morreu neste começo
de século XXI? Se continuar a se submeter ao FMI e aos bancos
internacionais, se não afirmar sua identidade e integração diante da
agressiva política dos EUA, se não renovar seus projetos e lideranças, se
não fomentar sua cultura e todas suas formas de expressão popular,
teremos regredido ao que fomos até o século XIX. Acabou a fase dos
mandatários neoliberais, tipo Menem, Fujimori, FHC. Quem os substituirá?
As eleições próximas do Brasil e da Argentina podem ser esse marco de
renovação ou um passo a mais no caminho da tumba.
https://www.alainet.org/es/node/106202
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