Política-chimpanzé
15/08/2002
- Opinión
A revolução brasileira necessária não quer apenas atar a veia aberta por onde se
esvai o sangue de 50 milhões de brasileiros. Ela quer representar um fator de
humanização mais alta. Numa palavra: postulamos a revolução porque queremos dar um
passo mais profundo para dentro do reino do especificamente humano. Em que consite
esse humano?
Consiste no fato singular de comparecermos como seres de socialidade, de cooperação
e de convivialidade. Tal singularidade aparece melhor quando nos comparamos com os
símios mais próximos como os chimpanzés. Em termos genéticos nos diferenciamos
deles apenas por 1,6%. Eles também possuem vida societária. Mas se orientam pela
lógica da dominação, da hierarquização e do assujeitamento do outro. Por isso as
relações se apresentam pouco cooperativas e de dominação.
Ao surgir o ser humano, rompe-se essa lógica. Não sabemos exatamente a data,
mas seguramente por volta de três milhões de anos atrás. Ao invés da
competitividade e da subjugação entra a funcionar a cooperação. Concretamente,
nossos ancestrais humanóides saiam para caçar, traziam os alimentos, e os repartiam
socialmente entre eles. Não faziam como os outros primatas superiores que comem
cada um para si. Aqueles 1,6% de ácidos nucléicos e de bases fosfatadas próprias,
fundam o humano enquanto humano, como ser de cooperação. Esses laços de
solidariedade fizeram surgir também o enternecimento e a relação de cuidado de um
para com um do outro. Foi essa relação que serviu de ambiente para o aparecimento
da linguagem na qual reside a essência humana.
Essa interpretação da antropogênese é recorrente em grandes nomes das
ciências da vida como os conhecidos cientistas chilenos Humberto Maturana e
Francisco Varela ou Frijhof Capra, Christian de Duve e outros. Humberto Maturana
resume tudo dizendo:"O que nos faz seres humanos é nossa maneira particular de
viver juntos como seres sociais na linguagem".
A cooperação impede a excessiva acumulação de um lado e o empobrecimento do
outro. Ocorre que vige hoje um sistema social que se organiza não na troca
cooperativa mas na troca competitiva na qual só o mais forte ganha. É o
capitalismo, como modo de produção e como cultura, que representa a sobrevivência
da política do chimpanzé em nós, no dizer de Humberto Maturana, vale dizer, daquela
carga genética que temos em comum com os chimpanzés, parte que ainda não inaugurou
o reino do humano com sua força socializadora e cooperativa. Por isso, esse sistema
é individualista e excludente. Reafirma e magnífica o individuo e o eu à custa do
nós. É essa lógica que permite a perversidade de 50 milhões de famintos e
excluidos em nosso país, ao lado de 400 mil famílias de abastados.
Eis uma boa razão para querermos a revolução, para superarmos essa barbárie,
para podermos ser mais humanos, mais seres de linguagem comunicativa, de relação e
de solidariedade irrestrita.
Neste sentido, estamos ainda na ante-sala de nossa verdadeira humanidade.
Dois terços dos humanos vivem em níveis de crueldade e sem piedade, vítimas da
voracidade acumuladora da lógica-chimpanzé. A revolução necessária será por razões
éticas e de com-paixão com nossos co-iguais. Com eles queremos repartir o pão, ser
companheiros (cum panis) e companheiras na aventura planetária.
* Leonardo Boff, Teólogo
https://www.alainet.org/es/node/106234
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