Soberania em causa
04/09/2002
- Opinión
O lema do Grito dos Excluídos, neste ano, acerta em cheio uma causa
decisiva para o futuro do país. SOBERANIA NÃO SE NEGOCIA! É fácil
perceber o alerta concreto que este lema aponta. A grande negociata
do momento é a ALCA. E o que está em jogo não é só o comércio de
mercadorias. O que se pretende é enquadrar os países da América às
conveniências das grandes corporações que ambicionam o continente
como espaço cativo para os seus interesses, passando por cima das
identidades nacionais e atropelando valores e direitos conquistados
ao longo da história pelos povos desses países.
Por isto, o que de fato está em causa é a soberania. O que está em
jogo é a capacidade de determinação de um país, de sustentar sua
identidade percebida, e de projetá-la para o futuro, assumindo opções
estratégicas que lhe permitam concretizar seus objetivos nacionais.
Por isto, a soberania precisa contar com perspectivas históricas. Ela
pode ficar irremediavelmente comprometida, se as opções do momento
forem equivocadas. Daí a gravidade da situação que hoje vivem os
países da América, diante da proposta da Alca.
É preciso ter visão de longo alcance. O critério que deve iluminar
uma decisão que compromete o futuro do país não pode ser o das
conveniências momentâneas, nem o das vantagens ocasionais. A obtenção
de empréstimos ou o alongamento das prestações a pagar não podem
servir de pretexto para os países alienarem sua autonomia nas mãos de
quem pretende assumir o controle de um processo econômico
condicionador de todo o continente. Soberania não se negocia.
E’ importante enfatizar uma constatação, cuja gravidade precisa ser
percebida. A soberania se firma e se constrói em perspectiva, com
decisões acertadas que lhe servem de gênese e lhe abrem o caminho
para a sua consolidação, intuindo as circunstâncias propícias que lhe
permitem sua realização.
A soberania se planta no presente, e se colhe no futuro. Como
igualmente, pode ser comprometida agora, para se perder amanhã. A
história dos nossos países o comprova. Os próprios Estados Unidos
nasceram de sua rebeldia diante da Inglaterra. Eles não aceitaram a
“alca” daquele tempo, e perceberam que eles próprios podiam fabricar
os produtos que a metrópole queria lhes impor. Daí nasceu a grande
nação que eles hoje são. Pois bem, cabe a nós agora assumir a mesma
postura, diante de proposta semelhante de colonização e de
dependência, que a Alca significa. Foi o “grito do Ipiranga” que,
mesmo timidamente, sinalizou a hora do Brasil assumir sua soberania.
Olhando o mapa do mundo, podemos constatar as mudanças realizadas na
geografia política nos últimos cem anos, só para ficar com
referências mais próximas ao momento em que vivemos.
Como será a geografia política da América daqui a cem anos? Vai
depender da decisão que os países tomarem diante da Alca. Os Bispos
do Canadá, em sua análise das conseqüências do Nafta e na sua
projeção sobre a Alca, perceberam com lucidez a dimensão do problema,
flagrando que, na verdade, se está “Vendendo o Futuro”, como diz o
título do seu documento.
As apreensões sobre nossa soberania não são fruto de conjecturas
gratuitas ou infundadas. Basta ver o livro que circula em escolas
americanas, intitulado “Uma introdução à Geografia”. Nele já se
subtrai a Amazônia do mapa dos países da América do Sul, para ser
identificada como uma “reserva internacional”, confiada à
responsabilidade dos Estados Unidos!
A independência de um país se mede por sua capacidade e disposição de
afirmar sua soberania. Ela não pode ser comprometida por negócio
nenhum. Soberania não se negocia!
* D. Demétrio Valentini, Bispo de Jales, SP
https://www.alainet.org/es/node/106343
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