Bons votos

03/10/2002
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Neste domingo, 6 de outubro, mais de 115 milhões de eleitores irão às urnas eleger nossos novos governantes: presidente e vice-presidente da República; governador e vice-governador; dois senadores; deputados estadual e federal. Ao digitar a urna eletrônica, cada eleitor estará revestindo de mandato público oito pessoas votadas para servir a coletividade brasileira. Entregará a poderosa máquina do serviço público não só aos eleitos, mas também ao partido que representam, aos interesses corporativos que defendem, às mãos de quem eles haverão de nomear para funções de governo. Serão homens e mulheres com o poder de realizar e legislar; tornar o Brasil mais soberano ou prolongar sua dependência ao capital estrangeiro; conservar o país de joelhos ou altivo frente ao FMI; tornar esta nação produtiva ou mantê-la como cassino de especuladores. Passarão a viver por nossa conta, graças aos impostos que pagamos, todos os eleitos e mais o grande contingente que irá assessorá-los, com direito a gabinetes bem equipados, transportes terrestre e aéreo, pronto atendimento de saúde, e o poder de verem todas as portas se abrirem sem que precisem exclamar "abracadabra". Não é qualquer candidato que merece o nosso voto. Não o merecem aqueles que, uma vez eleitos, vestirão a sua prepotência com a máscara da autoridade. Pois não dão ouvidos à palavra de Jesus: "Os reis das nações têm poder sobre elas, e os que sobre elas exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas entre vocês não deverá ser assim. Pelo contrário, o maior entre vocês seja como o mais novo; e quem governa, seja como aquele que serve" (Lucas 22, 25-26). Os que inflam o próprio ego com o poder ignoram que "ministro" vem do latim minor, "menor", e mister, "ofício", significando "aquele que faz o menor serviço" ou, no sentido evangélico, que presta serviço sobretudo aos pequenos, aos excluídos. Não merecem também o nosso voto os cínicos; os que só lembram dos pobres em época de eleição; os que se despem de sua coluna vertebral diante dos abastados e são incapazes de sequer cumprimentar o ascensorista, o office-boy, o motorista, o garçom, a moça do café, como se fossem robôs alheios aos desafios dessa maravilha chamada existência humana. O voto deve ser negado aos corruptos e a quem se cala em conivência com eles, e aos políticos que multiplicaram "miraculosamente" seu patrimônio pessoal após ingressarem na vida pública. Votar significa confiar em quem encarna os programas que defende, prioriza as urgências sociais, empenha-se na erradicação da miséria, investe na melhoria da saúde e da educação, combate o desemprego, cuida da segurança pública, evita o retorno da inflação e reduz as desigualdades entre as camadas da população. Voto é consagração, como demonstramos nós, religiosos, que assumimos os compromissos de gratuidade no amor ao fazer voto de castidade; solidaridade na justiça ao fazer voto de pobreza; e fidelidade comunitária ao fazer voto de obediência. Desejar votos de boas- festas a alguém é augurar-lhe felicidade. Nos centros de romaria, há salas de ex-votos, objetos que os fiéis depositam em gratidão ao santo protetor. O prefixo latino ex não tem aqui o sentido de exclusão, mas de realce ou relevo, como em "exposição", pôr em destaque. Por causa do voto ou da confiança depositada na santa, a graça foi alcançada. Em votações terminadas em empate há o voto de Minerva, a deusa da sabedoria, cujo equivalente grego batizou adequadamente uma cidade: Atenas. Na Odisséia, Homero realça-a como "a deusa de olhos pulcros". Clarividente, a filha de Júpiter escolhia o que melhor convinha, pois a beleza de seus olhos não tinha, para os gregos, esse sentido restrito de mera harmonia das formas. Era também um atributo subjetivo, de equilíbrio entre conteúdo e forma, como nas esculturas e nas linhas arquitetônicas de Fídias. Devemos digitar os números da urna como se o nosso voto fosse o de Minerva, de modo a arrancar o Brasil do impasse e do atraso, convictos de que, no futuro, não seremos decepcionados por aqueles que escolhemos. Do contrário, não será o ônus de nossa frustração pessoal que terá importância, mas o risco de ver este país, tão abençoado por Deus, resvalar ainda mais para a indigência, comprometendo a nossa frágil democracia, como hoje ocorre à maioria das nações da África. Bons votos, Brasil! * Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto Autobiografia Escolar" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/106459
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