A ALCA depois das eleições nos EUA e no Brasil
19/11/2002
- Opinión
Como fica a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) depois das
recentes eleições nos EUA e no Brasil? Tudo indica que pior. Um
acordo só será concluído se o Brasil se conformar com uma negociação
que se revelará cada vez mais problemática e desequilibrada.
Ao longo dos últimos anos, tentei explicar nesta coluna, em diversas
ocasiões, por que a ALCA era uma iniciativa potencialmente perigosa
para o Brasil. Com o governo de George W. Bush, as perspectivas da
ALCA tornaram-se ainda mais sombrias. Os EUA passaram a seguir, com
uma dose de franqueza maior do que a habitual, uma concepção muito
peculiar de livre comércio. Concepção que pode ser resumida da
seguinte forma: por um lado, o máximo de abertura nos temas e setores
em que os EUA apresentam vantagens competitivas; por outro,
protecionismo, não raro sem disfarces, para os setores frágeis ou
pouco competitivos da economia norte-americana.
Sempre foi um pouco assim. Mas nos tempos de Bush as sutilezas e
hipocrisias foram para o espaço.
Essa nova linha recebeu um claro endosso nas eleições de meio de
mandato, neste início de novembro. É claro que pesou decisivamente o
prestígio conquistado pelo governo Bush na luta contra o terrorismo.
Eis aí a grande contribuição de Bin Laden e seus correligionários:
conseguiram despertar e legitimar os piores instintos e tendências
dos EUA. Em retrospecto, pode-se perceber que, graças a eles, um
governo que começou fraco e meio desacreditado encontrou um ponto de
apoio para se recuperar politicamente.
Mas, além do efeito Bin Laden, questões econômicas e de comércio
exterior tiveram grande influência nos resultados das eleições em
vários Estados ou regiões. Em 2001-2002, a aplicação de medidas de
apoio setorial ou proteção contra a concorrência estrangeira foi
cuidadosamente calibrada para reforçar o cacife político-eleitoral do
presidente Bush e do Partido Republicano. Por exemplo: as restrições
às importações de produtos siderúrgicos, a ampliação do apoio à
agricultura, o uso continuado da legislação antidumping para proteger
diversos setores e a aprovação pelo Congresso de um mandato muito
restritivo para negociar acordos comerciais ("Trade Promotion
Authority" de 2002).
Em outras palavras, medidas que já vinham indicando, de forma
bastante evidente, que a ALCA pouco nos poderia trazer de positivo
contribuíram para a importante vitória de Bush e dos republicanos nas
eleições recentes. Ora, em time que está ganhando...
Tradicionalmente, os democratas eram vistos como mais protecionistas
do que os republicanos em matéria de comércio internacional e, em
compensação, mais flexíveis em matéria financeira (FMI, dívida
externa etc.). O governo George W. Bush, entretanto, vem sendo mais
protecionista do que o seu antecessor democrata. E não compensa essa
maior rigidez comercial com flexibilização na área financeira. Ao
contrário, no campo financeiro Bush segue a tradição republicana e
tende a ser mais rígido do que Clinton (vide tratamento dispensado
pelo FMI e pelo governo dos EUA à Argentina em 2001-2002).
É verdade que nesse terreno o governo Bush não tem sido tão rígido
quanto se chegou a temer. O tratamento dispensado ao Brasil,
notadamente o tamanho do empréstimo previsto no nosso mais recente
acordo com o FMI, indica que a rigidez financeira é menor na prática
do que no discurso da administração republicana.
Para o Brasil, porém, o acordo com o FMI é "uma faca de dois
legumes", como diria Vicente Matheus. Traz, sem dúvida, um
importante alívio de curto prazo para as nossas agruras financeiras.
Mas um país que depende do FMI corre o risco de perder poder de
barganha em negociações que envolvam interesses de países
desenvolvidos que controlam essa entidade. Os EUA têm, como se sabe,
muita influência no FMI. E são os principais mentores e propulsores
da ALCA. Não é preciso dizer mais nada.
* Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante
do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP.
https://www.alainet.org/es/node/106608
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