Posição da CUT sobre as negociações da ALCA
14/02/2003
- Opinión
São Paulo, 14 de fevereiro de 2003
Exmo. Sr.
Embaixador Celso Amorim
Ministro de Relações Exteriores do Brasil Ref. Posição da CUT sobre as negociações da ALCA Antes de entrarmos no tema em questão, queremos reafirmar nossa satisfação com a visita de V.Exa., no ultimo dia 03 de fevereiro, à Direção Executiva da CUT, reforçando, com sua atitude, a marca democrática e participativa do governo Lula que têm dito constantemente que nada fará sem antes consultar e dialogar com a sociedade brasileira. Posição reafirmada por V. Exa., quando afirmou publicamente que a sociedade civil seria informada e consultada sobre a proposta que eventualmente o governo brasileiro apresentaria em cumprimento ao cronograma e agenda acordados pela administração anterior nas negociações da ALCA. Na visita de V.Exa à CUT ouvimos as linhas gerais da posição que seria levada no dia seguinte à reunião de Ministros de Relações Exteriores do Mercosul, relativa à entrega da lista revista de tarifas para bens industriais e agrícolas e adiamento da oferta para os temas de serviços, compras governamentais e investimentos. Posteriormente soubemos, pela imprensa, que em reunião com a Coalizão Empresarial Brasileira – CEB (06/02/02) V.Exa. informou que a moção brasileira foi apoiada pelos demais governos do Mercosul e debateu com as representações empresariais o conteúdo da oferta brasileira. Feita essa introdução, gostaríamos de dizer que não podemos opinar ou avaliar a proposta que o governo brasileiro estará apresentando com o Mercosul à Secretaria Técnica da ALCA, no dia 15/02, porque não tivemos acesso à sua formulação inicial e final e porque consideramos que uma proposta dessa importância requer uma avaliação de profundidade sobre os impactos que o aprofundamento da liberalização comercial poderá causar sobre os diferentes setores produtivos, principalmente sobre o emprego e outros aspectos sociais. Mas, mais que reivindicar a transparência das negociações na ALCA, assim como em toda a esfera externa, defendemos que o governo Lula deflagre um amplo debate sobre essa hipótese de acordo e suas conseqüências, com os principais atores sociais, políticos e econômicos. Uma atitude natural e coerente de uma administração recém instalada e que exerce o direito de revisar os compromissos que herdou do governo anterior. No seu discurso de posse, o presidente Lula considerou "essencial" que, nas negociações comerciais, o Brasil preserve "os espaços de flexibilidade para nossas políticas de desenvolvimento nos campos social e regional, de meio ambiente, agrícola, industrial e tecnológico" e que o seu governo estará atento para que essas negociações "não criem restrições inaceitáveis ao direito soberano do povo brasileiro de decidir sobre o seu modelo de desenvolvimento". No dia 14 de janeiro, em seu pronunciamento conjunto com o Presidente da Argentina, nosso presidente voltou a afirmar que a integração deve ser feita em benefício de suas populações, apoiando a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável voltado para o crescimento, a justiça social e a dignidade da pessoa humana e fundado nos princípios de participação e transparência e na ética. Nós apoiamos essas declarações e entendemos que essas não poderão se viabilizar, assim como o Mercosul não se consolidará, se continuarmos a cumprir o cronograma de negociações da ALCA, já que a agenda que está em negociação prejudicará irremediavelmente aquilo que o presidente anunciou como sendo essencial em qualquer acordo. A CUT tem se colocado contra a ALCA desde seu lançamento, por entender que as desvantagens econômicas e sociais para o Brasil serão muitíssimo maiores que as possíveis vantagens comerciais que possamos alcançar e não compensariam as perdas que poderemos ter em alguns setores, pois os Estados Unidos e Canadá tem um desenvolvimento tecnológico e padrões de produção muito superiores aos nossos, têm uma política de tributação e juros muito mais baixos que os nossos e, além dos subsídios, praticam políticas protecionistas que elevam muito sua capacidade de competição comercial. Em sua recente visita à França, o Presidente Lula disse que o Brasil não aceitará as medidas "protecionistas" aprovadas pelo Congresso americano e que as negociações para criação da ALCA dependerão da revisão dessas medidas e das leis comerciais americanas, que protegem o mercado americano nos casos de produtos importados beneficiados por subsídios ou dumping. Por outro lado, os defensores da ALCA argumentam que a eliminação dessas distorções seria a principal vantagem do acordo, ampliando o acesso ao mercado estadunidense. Porém, as limitações postas pelo TPA aprovado no Congresso estadunidense e as recentes declarações da administração Bush, praticamente anulam essa possibilidade e reforçam nossa descrença que o contencioso comercial, ora existente entre o Brasil e os EE.UU., possa ser solucionado pela ALCA. E fundamentalmente o que nos preocupa é o pouco ou nenhum debate ao nível institucional e político das desastrosas consequências sociais e trabalhistas que esse acordo de livre comércio trará e a perda de soberania política e descaracterização cultural que adviriam de um tratado como esse. O Brasil é o país que mais tem a perder com a formação da ALCA porque a capacidade produtiva instalada que ainda dispõe sofreria enormes consequências numa competição tão desigual e principalmente porque poderia perder vários dos investimentos aqui instalados, já que muitas das multinacionais sediadas na América do Norte poderão ter livre acesso ao nosso mercado consumidor sem precisar manter sua produção aqui e estabelecer cadeias produtivas que concentrem a produção de partes, componentes, montagem e distribuição para toda a América Latina, reduzindo ainda mais os empregos e salários em nosso país. Concordamos com as declarações de V.Exa. em recente entrevista ao "O Estado de S.Paulo" (5 de janeiro de 2003) quando disse que fará balanços das negociações da ALCA enquanto estão em andamento, e não apenas na sua fase conclusiva por considerar que "é um erro pensar que se pode negociar, negociar e, quando chegar ao final, dizer se é bom ou não. No final, se você ficar isolado, se a sua opção for aprovar ou ficar de fora, você acabará forçado virtualmente a aceitar". Por isso lamentamos que a posição de adiar a entrega de todas as ofertas à Secretaria Técnica da ALCA, defendida por V. Exa. no início desse debate, em janeiro, não tenha prevalecido na posição final do Brasil.- o -
Consolidar o Mercosul e promover a integração com os países da América do Sul.
Temos visto com satisfação a prioridade dada pelo governo Lula ao projeto do Mercosul, a
base estratégica para a implementação de um outro modelo econômico e social no Brasil e para seu
relacionamento externo. Por isso, não podemos tratar de forma isolada o tema da ALCA e a revisão
de nossas propostas nesse âmbito devem ser concomitantes com fortalecimento e aprofundamento
desse processo.
Devemos garantir que nas negociações do Mercosul prevaleça o princípio básico da
complementação e não-concorrência entre os setores produtivos, para que nossas indústrias e
agricultura se complementem na busca de novos mercados. O Mercosul deve ser a base de
construção de cadeias produtivas de valor regionais e para isso é preciso reavaliar e unificar a Tarifa
Externa Comum, unificar as políticas fiscal, monetária e creditícia, constituir fundos de financiamento
comuns que privilegiem a pequena e média empresa e permitam o desenvolvimento de políticas
produtivas regionais e integrar nesse processo as Pequenas e micro-empresas, as cooperativas e a
agricultura familiar.
Apoiamos a prioridade para os temas sociais no Mercosul, anunciada pelo comunicado
conjunto dos Presidentes Lula e Duhalde, assim como os encaminhamentos que têm sido esboçados
nesta direção, como a prioridade para o combate a fome e criação do Instituto Social do Mercosul.
Essa é uma posição que sempre defendemos, tendo claro que o projeto Mercosul só será viável se de
fato priorizar os objetivos sociais e se houver um maior protagonismo da sociedade nesse processo.
É preciso repensar, portanto a estrutura institucional do Mercosul e criar organismos supra-
nacionais de âmbito político como o Parlamento, mas também social, dando condições efetivas de
atuação e maior peso à consolidação de organismos como o Foro Consultivo Econômico Social do
Mercosul e a Comissão Sociolaboral (único organismo tripartite existente). Ao nível do Brasil é
necessário recriar um âmbito de consulta sistemática entre o FCES, a Comissão Parlamentar
Conjunta e os organismos governamentais envolvidos nessas negociações.
A partir do Mercosul devemos acelerar as negociações com a CAN e acelerar o debate
proposto pelo Brasil na ALADI para que esta seja um instrumento e âmbito para a consecução de um
acordo comercial na América do Sul.
Defendemos também que o Mercosul se articule com outros países em desenvolvimento como
a Índia, África do Sul e China, para pressionar pela revisão dos acordos de TRIPs e TRIMs na OMC,
assim como pela eliminação dos subsídios e barreiras não tarifárias praticados pelos Estados Unidos,
Canadá, União Européia e Japão
Para a CUT e a maioria das organizações sociais e populares, essas devem ser as bases para
qualquer negociação externa brasileira e é com esses pontos de vista que a seguir apresentamos
algumas propostas de curto e médio prazo.
Propostas
1. Defendemos que o governo brasileiro proponha aos demais países do Mercosul o adiamento
da apresentação de todas as ofertas (bens, serviços, investimentos e compras
governamentais);
2. Propomos que o MRE realize imediatamente uma reunião da SENALCA para definir o processo
de debates com as entidades sindicais, empresariais, sociais e parlamentares para uma
discussão aprofundada do projeto da ALCA e, em particular o estado atual das negociações e
que nessa reunião se discuta o formato, periodicidade e agenda de um espaço de consulta e
debate sobre as negociações comerciais externas, em especial ALCA, OMC e União Européia
(até agora cobertas precariamente pela SENALCA e SENEUROPA).
3. Propomos que o MRE, MDIC, MA, MDA e TEM programem um processo de debates setoriais
com as entidades empresariais e sindicais, para, com base nos estudos de competitividade
das cadeias produtivas realizados pelo MDIC e UNICAMP, fazermos uma avaliação realista
dos impactos dessas negociações;
4. Defendemos que o Congresso Nacional aprove um mecanismo constitucional que permita
estabelecer os parâmetros e condições para o Executivo firmar nas acordos comerciais
externos e imediatamente aprove os limites e condicionamentos nas negociações na ALCA e
com a União Européia .
5. Propomos que como conclusão desse processo o governo Lula convoque uma consulta à
população sobre a posição que o país deve adotar frente às negociações da ALCA.
No marco desse debate democrático, transparente e amplo, esperamos estar contribuindo
com nossas opiniões e propostas para o fortalecimento do projeto social e democrático e a defesa
da soberania nacional, como vem sendo defendido e priorizado pelo governo Lula.
João Felício, Presidente
Central Única dos Trabalhadores
Embaixador Celso Amorim
Ministro de Relações Exteriores do Brasil Ref. Posição da CUT sobre as negociações da ALCA Antes de entrarmos no tema em questão, queremos reafirmar nossa satisfação com a visita de V.Exa., no ultimo dia 03 de fevereiro, à Direção Executiva da CUT, reforçando, com sua atitude, a marca democrática e participativa do governo Lula que têm dito constantemente que nada fará sem antes consultar e dialogar com a sociedade brasileira. Posição reafirmada por V. Exa., quando afirmou publicamente que a sociedade civil seria informada e consultada sobre a proposta que eventualmente o governo brasileiro apresentaria em cumprimento ao cronograma e agenda acordados pela administração anterior nas negociações da ALCA. Na visita de V.Exa à CUT ouvimos as linhas gerais da posição que seria levada no dia seguinte à reunião de Ministros de Relações Exteriores do Mercosul, relativa à entrega da lista revista de tarifas para bens industriais e agrícolas e adiamento da oferta para os temas de serviços, compras governamentais e investimentos. Posteriormente soubemos, pela imprensa, que em reunião com a Coalizão Empresarial Brasileira – CEB (06/02/02) V.Exa. informou que a moção brasileira foi apoiada pelos demais governos do Mercosul e debateu com as representações empresariais o conteúdo da oferta brasileira. Feita essa introdução, gostaríamos de dizer que não podemos opinar ou avaliar a proposta que o governo brasileiro estará apresentando com o Mercosul à Secretaria Técnica da ALCA, no dia 15/02, porque não tivemos acesso à sua formulação inicial e final e porque consideramos que uma proposta dessa importância requer uma avaliação de profundidade sobre os impactos que o aprofundamento da liberalização comercial poderá causar sobre os diferentes setores produtivos, principalmente sobre o emprego e outros aspectos sociais. Mas, mais que reivindicar a transparência das negociações na ALCA, assim como em toda a esfera externa, defendemos que o governo Lula deflagre um amplo debate sobre essa hipótese de acordo e suas conseqüências, com os principais atores sociais, políticos e econômicos. Uma atitude natural e coerente de uma administração recém instalada e que exerce o direito de revisar os compromissos que herdou do governo anterior. No seu discurso de posse, o presidente Lula considerou "essencial" que, nas negociações comerciais, o Brasil preserve "os espaços de flexibilidade para nossas políticas de desenvolvimento nos campos social e regional, de meio ambiente, agrícola, industrial e tecnológico" e que o seu governo estará atento para que essas negociações "não criem restrições inaceitáveis ao direito soberano do povo brasileiro de decidir sobre o seu modelo de desenvolvimento". No dia 14 de janeiro, em seu pronunciamento conjunto com o Presidente da Argentina, nosso presidente voltou a afirmar que a integração deve ser feita em benefício de suas populações, apoiando a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável voltado para o crescimento, a justiça social e a dignidade da pessoa humana e fundado nos princípios de participação e transparência e na ética. Nós apoiamos essas declarações e entendemos que essas não poderão se viabilizar, assim como o Mercosul não se consolidará, se continuarmos a cumprir o cronograma de negociações da ALCA, já que a agenda que está em negociação prejudicará irremediavelmente aquilo que o presidente anunciou como sendo essencial em qualquer acordo. A CUT tem se colocado contra a ALCA desde seu lançamento, por entender que as desvantagens econômicas e sociais para o Brasil serão muitíssimo maiores que as possíveis vantagens comerciais que possamos alcançar e não compensariam as perdas que poderemos ter em alguns setores, pois os Estados Unidos e Canadá tem um desenvolvimento tecnológico e padrões de produção muito superiores aos nossos, têm uma política de tributação e juros muito mais baixos que os nossos e, além dos subsídios, praticam políticas protecionistas que elevam muito sua capacidade de competição comercial. Em sua recente visita à França, o Presidente Lula disse que o Brasil não aceitará as medidas "protecionistas" aprovadas pelo Congresso americano e que as negociações para criação da ALCA dependerão da revisão dessas medidas e das leis comerciais americanas, que protegem o mercado americano nos casos de produtos importados beneficiados por subsídios ou dumping. Por outro lado, os defensores da ALCA argumentam que a eliminação dessas distorções seria a principal vantagem do acordo, ampliando o acesso ao mercado estadunidense. Porém, as limitações postas pelo TPA aprovado no Congresso estadunidense e as recentes declarações da administração Bush, praticamente anulam essa possibilidade e reforçam nossa descrença que o contencioso comercial, ora existente entre o Brasil e os EE.UU., possa ser solucionado pela ALCA. E fundamentalmente o que nos preocupa é o pouco ou nenhum debate ao nível institucional e político das desastrosas consequências sociais e trabalhistas que esse acordo de livre comércio trará e a perda de soberania política e descaracterização cultural que adviriam de um tratado como esse. O Brasil é o país que mais tem a perder com a formação da ALCA porque a capacidade produtiva instalada que ainda dispõe sofreria enormes consequências numa competição tão desigual e principalmente porque poderia perder vários dos investimentos aqui instalados, já que muitas das multinacionais sediadas na América do Norte poderão ter livre acesso ao nosso mercado consumidor sem precisar manter sua produção aqui e estabelecer cadeias produtivas que concentrem a produção de partes, componentes, montagem e distribuição para toda a América Latina, reduzindo ainda mais os empregos e salários em nosso país. Concordamos com as declarações de V.Exa. em recente entrevista ao "O Estado de S.Paulo" (5 de janeiro de 2003) quando disse que fará balanços das negociações da ALCA enquanto estão em andamento, e não apenas na sua fase conclusiva por considerar que "é um erro pensar que se pode negociar, negociar e, quando chegar ao final, dizer se é bom ou não. No final, se você ficar isolado, se a sua opção for aprovar ou ficar de fora, você acabará forçado virtualmente a aceitar". Por isso lamentamos que a posição de adiar a entrega de todas as ofertas à Secretaria Técnica da ALCA, defendida por V. Exa. no início desse debate, em janeiro, não tenha prevalecido na posição final do Brasil.
Central Única dos Trabalhadores
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