Objeção de consciência e serviço civil para a paz

14/05/2003
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A objeção de consciência - esta atitude de quem, por razões religiosas, éticas ou simplesmente humanitárias, nega-se a servir ao exército, a pegar em armas, ou participar em conflitos armados - não tem merecido dos brasileiros muita atenção. No entanto, a objeção de consciência é um direito reconhecido pela ONU que consagra o 15 de maio como Dia internacional dos Objetores de Consciência . A Constituição de 1988 reconhece este direito, mas precisa de leis complementares que, não por acaso, até hoje, não foram votadas. Na Europa, há anos, em vários países, existem organizações que permitem a rapazes e moças cumprirem seu dever com a pátria em serviços sociais e trabalhos comunitários, realizados, com grupos de pessoas idosas ou com crianças excepcionais, com dependentes de elementos químicos e, principalmente, em trabalhos pela Paz. Ao ler os Evangelhos, todos se admiram de como Jesus praticou e ensinou a não violência e o cuidado prioritário com a paz. Nos primeiros séculos, vários cristãos, como Marcelo e Maximino em Roma, foram condenados à morte por terem se negado a pegar em armas e continuarem a carreira militar depois de terem se convertido ao Cristo. Tertuliano foi um catequista de Cartago, norte da África, no século III. Este pai da Igreja ensinava que o militar que se convertesse ao cristianismo só poderia ser batizado se deixasse a carreira militar. Já a Igreja de Roma sempre assumiu postura menos radical e mais adaptada à mentalidade belicista predominante ao longo da história da humanidade. Isso acabou levando os cristãos a se engajarem nas guerras do Império. Santo Agostinho defendeu a possibilidade da guerra justa e, desde então, até os bispos tinham suas armas que até hoje, constam, simbolicamente, em brasões e escudos que as dioceses expõem em paredes. No Vaticano II (de 1962 a 1965), os bispos católicos do mundo inteiro conversaram sobre este tema e assumiram um compromisso de defender a Paz e promover uma cultura não armamentista. Na Constituição sobre a Igreja no mundo de hoje está escrito: As leis devem respeitar as pessoas que se negam a pegar em armas por motivo de consciência e aceitam, ao mesmo tempo, servir de outra forma à comunidade humana (Gaudium et Spes, 79). A partir daí, bispos de todos os continentes têm apoiado abertamente o direito à objeção de consciência. Na América Latina, mesmo Igrejas que têm levantado bandeiras importantes no plano social, até aqui não têm dedicado a este assunto a importância que ele merece. É verdade que, na 2a conferência geral do episcopado católico em Medellin, Colômbia, em 1968, os bispos denunciaram o nacionalismo exacerbado de alguns países e apontaram o armamentismo como escândalo intolerável (Medellin, Paz,, II). É realmente um absurdo que um país como os Estados Unidos gaste em um bombardeio milhões de dólares e tenha em seu interior mais de 40 milhões de pessoas vivendo em condições de pobreza absoluta. É urgente promovermos por todos os meios ao nosso alcance um debate público e profundo sobre este assunto. O serviço militar obrigatório é uma criação recente da nossa sociedade. A cada ano, dos jovens que se apresentam aos quartéis brasileiros para servir ao exército, são dispensados um milhão e 700 mil sem que o governo tenha qualquer planejamento de como aproveitá-los. Defender o direito da objeção de consciência é simplesmente pedir que, além da possibilidade de que os jovens cumpram o serviço militar voluntário, o Estado reconheça a legitimidade de outras formas de servir à comunidade em diferentes campos humanitários e profissionais, tanto para rapazes como para moças. Neste momento em que a maior parte da humanidade ainda sofre com a agressão norte-americana e inglesa do Iraque, as pessoas que trabalham pela Paz sentem ainda mais urgente a necessidade de trabalhar pela desmilitarização da sociedade civil e a organização de serviços comunitários abertos e acessíveis a todos. A violência estrutural de nossas cidades, construídas sobre a injustiça e a desigualdade, nunca será vencida pela força de armas, mesmo que se ponha todo o exército nas ruas. Só a verdadeira inclusão social, a formação para a paz e a cidadania mudarão o rosto do nosso país. Lula tem repetido que esta inclusão é a única guerra justa que todos nós devemos empreender. Para que o Fome Zero seja um programa inclusivo e de promoção humana, e não só emergencial, é importantíssimo que seja um projeto de educação e integração social. Então, é hora de se oficializar a objeção de consciência e, no bojo do Programa Fome Zero , organizar diversas possibilidades de um serviço civil comunitário que mobilize rapazes e moças para construirmos um país de paz e justiça. Da antiga espiritualidade do Oriente nós aprendemos: Quem obedece ao Tao caminho divino - não tenta dominar com violência, porque sabe que toda a violência recai sobre o próprio violento. O sábio vive sempre de prontidão, mas não obriga ninguém com violência. Não conhece ambição nem glória, não alimenta presunção alguma, nem aspira ao poder. Faz o que deve fazer, mas sem forçar ninguém .(Tao-te-King 30) * Marcelo Barros, monge beneditino, autor de 26 livros, dos quais o mais recente é "O Espírito vem pelas Águas" (A crise mundial da Água e a Espiritualidade Ecumênica) Ed. CEBI- Rede.
https://www.alainet.org/es/node/107540
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