Ao boné do MST

03/07/2003
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Em qualquer tempo e lugar, a classe dominante quer sempre controlar. É egoísta e prepotente, principalmente quando se trata do cargo de presidente. O preconceito é antigo, mas cabe aqui comparações. Na antiga Roma, o perigo eram os vilões. Moradores do campo considerados rudes e grosseiros, instalados em vilas e comunidades, e representavam uma grande ameaça quando iam para a cidade. Para livrar as autoridades dos "impuros", mandaram erguer ao redor da cidade enormes muros. Se pra cidade fossem agrupados: "Lá vem a turba!" começavam a gritar. Daí é que surgiu a palavra perturbar. Pobre organizado em turba, perturba. Na corte o Rei a poucos atendia. Daí também vem a palavra cortesia. Era o bom trato dado a quem ali chegava. Assim era como o poder e o poderoso funcionavam. Da antiga Roma aqui para o nosso solo. Ao invés de muros os ricos edificaram o protocolo. Serve para preservar a autoridade. Por isso os trajes a rigor, a cerimônia e a seriedade. Assim, o governante não se identifica; a não ser, é claro, com a classe rica. Ali em seu palácio instalado, o mantém preservado, para que as mãos "impuras" não o toquem, não o perturbem, nem o provoquem. Mas eis que há uma variação. Certa ocasião, o presidente recebeu de presente, uma bola, um boné e frutos da produção, e, numa manobra louca, levou um biscoito até a boca de um Sem Terra com a própria mão. "Contaminou" com saliva a sua reputação. Na Corte foi além em sua cortesia. Ensaiou com a bola o que faria num campo em qualquer jogo. "Quebrou o protocolo!", dizem os jornais cuspindo fogo. Se assemelham os Sem Terra aos antigos vilões; são tolerados se ficarem nos grotões. Os ricos os deixam votar nas eleições, participar das festas e comemorações; aplaudirem e sentirem-se contentes; mas a eles não pertence o Presidente. Esta é a imagem da falsa democracia, onde o pobre vota, mas dele o poder se distancia. A autoridade pertence à minoria! Não importa se é dos pobres que vem o presidente, mas, lá ao chegar, deve se comportar de forma diferente. Qualquer boné poderia ali entrar e receber a cortesia, menos este vermelho que sua cor carrega ideologia. Aos ricos isto causou espanto, como se alguém tivesse atirado uma pedra em um santo. Profanou-se o espaço e a simbologia que tanto deu prazer à burguesia. Na verdade não é o boné que os incomoda. É que este presidente inventou uma nova moda: jogar bola na sala da audiência: paciência! Podemos então dizer com satisfação: o Presidente pode até, pela situação precária, não fazer a reforma agrária; mas vai matar de raiva a elite atrasada que sente que o seu poder não vale nada, e pode, a qualquer tempo, ser desafiada. O boné vermelho ficará lá como um conselho com o chefe da nação, que optou a ser igual seu povo, até o dia em que voltarmos lá de novo. Canalhas! Egoístas e ladrões! Há quinhentos anos enganais as multidões! Pela primeira vez ali entrou a simbologia simples e séria! O que vos incomoda, não é o boné, é o alerta da miséria que pôs os pés nos tapetes do poder. A audiência é o prenúncio do que pode acontecer, no dia em que está pátria for levada a séria. Bahia, 4 de julho de 2003
https://www.alainet.org/es/node/107854

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