Governança Progressista

09/07/2003
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Nos próximos dias terá lugar em Londres mais um encontro da chamada "Governança Progressista", patrocinado pelo primeiro-ministro britânico Tony Blair. Além de Blair e o chanceler alemão Gerard Schroeder, participarão outros oito chefes de Estado, entre eles o presidente Lula e seus colegas da Argentina e do Chile. A "Governança Progressista", como foi batizada a "terceira via", surgiu por iniciativa do ex- presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e tomou forma numa reunião realizada em Florença, em abril de 1999, da qual participou também, com a pompa e circunstância características da época, o ex-presidente brasileiro FHC, que cultivava boa imagem de "social-democrata" e "progressista" mundo afora, enquanto internamente levava a efeito uma política desastrosa para o país e ruinosa para o povo. Outras reuniões tiveram lugar, paralelamente à cúpula do milênio das Nações Unidas, em Nova Iorque, em Estocolmo e em Berlim, todas no ano 2000. Depois a "Governança Progressista" entrou em baixa com as sucessivas derrotas eleitorais dos partidos social-democratas na Europa e principalmente com a ascensão do governo Bush e todos os graves fatos que marcaram os últimos dois anos e meio: os atentados de 11 de setembro, as guerras de ocupação no Afeganistão e no Iraque, a intensificação da política unilateral e belicista dos EUA. Agora o primeiro-ministro britânico, cujo governo tem sido caudatário e linha auxiliar do imperialismo norte-americano, principalmente na guerra de agressão ao Iraque, resolve relançar a "Governança Progressista". Com ares de grande estrategista e já revelando pretensões que escapam à sua capacidade e extrapolam os limites do movimento, o chefe do "novo" partido trabalhista britânico quer transformar a "terceira via" numa referência central de um debate que perpassa "desde a centro-esquerda européia até o Brasil e até mesmo a China". Ficamos no aguardo do que será o encontro da "Governança Progressista" para avaliar seus resultados e o proveito que o Brasil poderá tirar com a participação do presidente Lula. Por enquanto, fiquemos na tentativa de compreender as motivações dos seus promotores para relançar uma articulação política que não chegou a debutar de fato e estava coberta pelo pó do esquecimento. Talvez as encontremos na dura e crua realidade política internacional, no panorama de crise do capitalismo e nas explosões sociais larvares em todos os continentes. As políticas unilaterais e belicistas do imperialismo encontram- se cada vez mais isoladas. Insegurança, turbulências, caos, problemas em agravamento são os traços da realidade, que fazem com que se avolumem as vozes em favor de outra ordem mundial. No terreno econômico, os problemas estruturais se exacerbam, paira sobre os principais centros da economia mundial o espectro da recessão e da deflação e a possibilidade de se repetirem crises nos mercados financeiros é sempre presente. Tudo isso acarreta problemas sociais de tamanha gravidade que explicitam objetivamente a necessidade de buscar soluções de fundo, revolucionárias. Muito embora o atraso das condições subjetivas, é cada vez mais patente a incapacidade das forças da direita e da social-democracia tradicional de encontrar soluções para a crise do sistema e, por conseguinte, para os conflitos sociais e políticos. A "terceira via" ou a "Governança Progressista" busca novas respostas para os antigos problemas do capitalismo, e evidentemente para os novos problemas acarretados pela crise atual, partindo de uma revisão ou adaptação do legado social-democrata: "O que une os participantes da conferência é a crença de que o conservadorismo na esquerda não pode ameaçar o esforço pela modernização e as reformas", disse Peter Mandelson, deputado do "novo" PT britânico e um dos organizadores do encontro que, segundo ele, "revigorará a terceira via". Há também objetivos pragmáticos explícitos, eleitoreiros e de administração do poder na disputa com outras correntes políticas. Para o primeiro-ministro britânico os partidos de centro-esquerda devem mostrar que "são capazes de vencer, de ocupar e manter o poder". Para isso, crê Tony Blair, é necessário não repetir os "velhos mantras". O desafio, para ele, é encontrar a fórmula pela qual os valores da social- democracia podem ser defendidos e aplicados nas novas circunstâncias. Para isso Tony Blair propõe uma "nova agenda", cujos pontos centrais seriam a combinação da disciplina fiscal e do primado do mercado com medidas socialmente compensatórias, além da inter-relação de "direitos e responsabilidades" dos cidadãos. Na política externa, a intenção é promover a chamada "parceria global", sem evidentemente questionar a primazia dos interesses das grandes potências imperialistas. Não temos espaço para o comentário circunstanciado sobre a "nova agenda" blairiana, mas saltam aos olhos, além das platitudes e das boas intenções que o capitalismo atual não realiza, a tentativa de encontrar uma via que assegure compensações para a aplicação dogmática do princípio neoliberal fiscalista e do primado do mercado e, na política externa, a tentativa de encobrir a aceitação da ordem imperialista sob o manto da chamada "parceria global". A política de "centro-esquerda", "terceira via" ou "Governança Progressista" difere muito pouco da de direita propriamente dita. Na França de Jacques Chirac e Jean-Pierre Raffarin acaba de ser feita uma reforma do sistema previdenciário que corta direitos históricos dos trabalhadores em meio a declarações do primeiro-ministro de que "fez a escolha pela pacificação social". No que diz respeito a nós, esquerda progressista e revolucionária brasileira, num momento singular de tentativa de afirmação e consolidação de um governo progressista, preocupa-nos o esforço desse setor da social democracia mundial para envolver setores da esquerda de nosso país, procurando estender para cá a sua malsã influência política e ideológica. Tentativa que não é a primeira nem será a última, já que circula a notícia de que São Paulo, sob os auspícios da sua Prefeitura Municipal, sediará em outubro deste ano o próximo congresso da Internacional Socialista. * José Reinaldo Carvalgo. Jornalista, vice-presidente do Partido Comunista do Brasil-PCdoB, responsável pelas relações internacionais
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