Maio: Hidalgo, a quinta estela. (O México de baixo)

31/01/2003
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A mão acompanha o olhar quando este folheia o calendário e se detém no mês de MAIO. E é o sol de maio que ilumina uma palavra: HIDALGO. Hidalgo. De acordo com o INEGI, há três anos atrás, Hidalgo tem dois milhões e 150 mil habitantes. Delses, mais de 300 mil, maiores de 5 anos, falam uma língua indígena. Sobre os solos hidalguenses moram indígenas nahuas, otomíes-hñahñus, tepehuas, zapotecos, huastecos, mixtecos e totonacos. Maio. Hidalgo. Para andar por estas terras tem que se agarrar ao solo, e a nuvem se torna pedra para seguir o passo do México de baixo. É que Hidalgo é um exemplo, ao mesmo tempo, aterrador e de esperança do que é o porão deste país. Aterrador? Sim, De acordo com o pesquisador Julio Boltvinik, o estado de Hidalgo está entre os 7 estados mais pobres do país, 73% de seus moradores vivem na pobreza extrema, quase na indigência, e 29% são pobres. Em resumo, 92% dos hidalguenses são pobres ("La Jornada", 30 de agosto de 2002). Quanto ao índice de marginalização, alguns estudos (CONAPO) situam Hidalgo entre as cinco entidades com "grau de marginalização muito elevado" (analfabetismo, casas sem banheiro, baixos salários, falta de serviços de saúde) junto a Chiapas, Guerrero, Oaxaca e Veracruz. As análises do governo Fox atribuem a Hidalgo números assustadores: está entre os estados da República com menor esperança de vida, com maior mortalidade infantil e com maior mortalidade geral, com menor produto interno bruto per capita, com maior desigualdade no trabalho, com piores salários, com mais analfabetismo, com maior evasão escolar, com mais casas sem esgoto, sem água potável, sem energia elétrica, com piso de terra. Somente em 5 municípios, com um total de mais de 100 mil habitantes, o analfabetismo está em torno de 50%, mais de dois terços da população não têm o ensino primário completo, a mesma proporção é de moradias sem esgoto, sem energia elétrica, com piso de terra e uma apinhada na outra. De acordo com este mesmo estudo da presidência da República, mais da metade da população no estado de Hidalgo é rural e quase a quinta parte é indígena. A pobreza é tamanha que a nuvem feita pedra azul não sabe se errou o caminho voltando para Chiapas, sua origem. Não, não está em Chiapas, ainda que de alguma forma sua origem é lembrada quando se aproxima a La Huasteca hidalguense que, com a de Veracruz, de Potosi e Tamaulipas é um claro exemplo do que abunda no México de baixo: miséria extrema, repressão, rebeldia. Huejutla de Reyes, em La Huasteca, é o município hidalguense com maior concentração de indígenas (mais de 60 mil habitantes do povo náhuatl), mas há um bom número de municípios desta região de La Huasteca cuja população é composta por povoados indígenas entre 500 e 9 mil habitantes. La Huasteca. Esta é a terra que viu nascer esta pedra que rola e que a alimentou com sua sabedoria e sua luta. É a terra da qual se despediu há anos, não sem antes aprender que não se podia viver sem fazer alguma coisa. "Onde há muitos pobres, há poucos ricos", diz o ditado que está gravado em outra pedra, a da história, junto a outro que reza: "E onde há poucos ricos, alguns deles são governo". O governador de plantão é A. Núñez Soto (nascido em Actopan, no dia 30 de janeiro de 1951). Não foi eleito pelos hidalguenses, mas sim por Murilo Karam num processo que deixou de fora José Guadarrama, um ex-reitor da universidade, chefe de pistoleiros e especialista em fraudes eleitorais. Com o apoio dos fugitivos da justiça (Zedillo e Labastida) Núñez Soto consegue a candidatura e nas eleições e nas eleições concretiza uma das fraudes mais descaradas e escandalosas da história deste país. Para isso, contou com o apoio do candidato do PAN-PVEM, Francisco Javier Berganza, que legitimou a fraude logo após o fechamento das urnas. O senhor Berganza, que tem experiência em questões de fraude (como quando era "cantor" de músicas infantis e ganhava os "concursos" com a mesma técnica), é um personagem ridículo, oportunista, medíocre e corrupto, que, por isso mesmo, sempre fracassará na política. Um personagem assim só poderia ser acolhido pelo PAN... bom, também pelo PRI... bom, também pelo PRD... mmh... bom, como dizíamos, o senhor Berganza, apesar da derrota nas eleições para governador, tem um grande futuro como político e poderia chegar a ser coordenador da bancada parlamentar do Senado de qualquer partido político. O candidato do PRD-PT, Miguel Angel Granados Chapa, denunciou a fraude, mas foi rapidamente abandonado pelos partidos que, supostamente, o apoiavam, talvez porque é honesto. As eleições de Núñez Soto foram sintomáticas: mais de 50% de abstenções. Dois anos depois da eleição, José Guadarrama (seguindo um caminho que já é comum entre os políticos mexicanos) mudou de partido e entrou... no PRD! Que o recebe de braços abertos. Núñez Soto governa como todos os governadores priistas, como um cacique. E a lógica do cacique diz: o que não se pode comprar, se pode surrar, prender, matar. Os hidalguenses sabem disso há vários mandatos. Em 1995, a FDOMEZ, denunciou assassinatos em Yahualica, Tianguistengo, Huezalingo, Atlapezca e Huejutla. O professor Pedro Palma, assassinado por ordens de Jonguitud Barrios em 1982, está enterrado em Ixmiquilpan. E o professor Misael Núñez Acosta (mandado assassinar pela protegida de Los Pinos - residência presidencial também conhecida como "Cidade Sahagún" - Elba Esther Gordillo), nasceu nestas terras, em Chapulhuacán. Para não ficar pra trás, Núñez Soto fez o mesmo que seus predecessores. A Liga Mexicana pela Defesa dos Direitos Humanos (LIMEDDH) denunciou as intimidações, agressões detenções arbitrárias e desaparecimentos contra indígenas nahuas da comunidade de Tlhalchiyahualica, município de Yahualica. Tudo isso consta do relatório MEXO080500 da Organização Mundial contra a Tortura, com sede em Genebra, Suíça. Mas em Hidalgo não são só os líderes sociais e indígenas a sofrerem a repressão. A Agência Confidencial de Notícias (ACN), criada em 2001, como um movimento anticorrupção e anti-repressão no interior do grêmio jornalístico (divulgam sua informação sem cobrar nada e não pedem para serem citados como fonte), documentou vários casos de pressão contra a imprensa de Hidalgo. Em Mineral del Monte, no dia 21 de fevereiro de 2001, o repórter Jorge Lozano Pérez, do jornal "Aguila o Sol" desta cidade, foi detido, espancado e roubado por policiais. Seu "crime" foi o de denunciar as anomalias e irregularidades no povoado San Miguel del Monte e os abusos da polícia. Quando foi detido por um incidente rodoviário encontraram a credencial de imprensa do jornalista e então os policiais lhe disseram que tinham ordens da então prefeita Algelina Rosa Bulos Islas, de "pô-lo em ordem". Em outubro do mesmo ano, Feliciano Hernández López e Juan Manuel Hernández Rodríguez, correspondentes dos jornais "Ruta" e "Avanzando em Hidalgo", respectivamente, na serra otomi- tepehua, denunciaram no relatório CNIOCDHEH/018/2001, perante a Comissão Nacional e Internacional das Organizações e Confederações de Direitos Humanos no Estado de Hidalgo, de serem vítimas de intimidações do então prefeito de San Bartolo Tutotepec, Dagoberto Islas Trejo, que pretende ditar-lhes as notícias à base de ameaças e utilizando a polícia municipal. No dia 31 de outubro, o repórter Dylan Rodríguez, do jornal "Ruta", foi intimado pelo agente do ministério público federal, Jaime García Belio, a comparecer na averiguação P/217/2001 por ter denunciado numa reportagem (relativa ao mecanismo utilizado para fazer chegar a Hidalgo os explosivos para fogos de artifício) alguns atos de corrupção nos quais estão envolvidos elementos do Exército mexicano e da Polícia Federal Preventiva. De acordo com a reportagem de Maria Eugenia Pérez García, publicada em "Los periodistas" da Fraternidade de Repórteres em janeiro de 2001, no estado de Hidalgo o controle político, ideológico e econômico coopta boa parte da imprensa. O governo controla a mídia através da propaganda e "distribui doses" de informação através dos escritórios de imprensa das cidades. De La Huasteca, a pedra rola até a capital do Estado, Pachuca, "a bela gentil". Se em La Huasteca o crime é ser indígena, em Pachuca é ser jovem, da turma e punk. Para o governo e os ricos de Hidalgo, "Garoto", "Turma", "Punk" e "Jovem" são sinônimos de delinqüência. Mas estes jovens, que vivem nas colônias mais pobres de Pachuca, procuram organizar-se, abrir espaços de expressão cultural e conseguir empregos. Um deles diz: "outro dia estava numa entrevista de trabalho, quando chegou outro garoto arrumado e bem-vestido e o deram pra ele". Devido à gravidez, expulsaram da escola uma garota da turma, tirando-lhe assim a oportunidade de estudar. A polícia do governo tem suas horas de "caça", nas quais se dedica a perseguir, surrar e prender jovens pelo "crime" de se vestir de forma diferente. Os partidos políticos de aproximam deles em época de eleições (também, "caçando", só que eleitores), e tão logo estas passam, se unem ao ambiente de intolerância. Os grupos de jovens punk ou "garotos da turma" não só sobrevivem, mas aqui resistem e lutam. Há grupos semelhantes em outros lugares do México de baixo: Cuernavaca, Atizapán, Neza, Iztapalapa, Monterrey, Guadalajara, Cidade Madero, DF, Leon, Celaya, Querétaro, Tijuana, Hermosillo, Chihuahua. Mas estes jovens passam muito longe de serem moídos pelo sistema. Organizam-se em grupos musicais e de estudo e, com sua música, seus bailes, suas discussões, seus acordos e suas ações se vinculam às lutas populares de todo o país. Os que são também "grafiteiros" obrigam as paredes a gritar a rebeldia. O governo não gosta e leva-os presos... quando consegue pegá-los. A pedra segue o seu caminho e pula a Zapotlán. Aí, na cidade de Acayuca, temos maquiladoras administradas por pequenos proprietários, o pessoal que trabalha nestes municípios tem poucos recursos e não goza de nenhuma garantia, já que são lugares clandestinos. Aqui no Vale de San Javier, onde o território é dividido entre os municípios de Zapotlán, Tolcayuca, Villa de Tezontepec e Tizayuca, as terras foram oferecidas para a construção do aeroporto alternativo ao da Cidade do México. Este mega- projeto incluía a construção de uma rodovia de três pistas que chegaria até o DF. A proposta ainda não foi aceita, contudo surgiu outra nova: um corredor industrial, claro, com capital externo. Os camponeses da região se opõem à expropriação de suas terras. Muitos destes camponeses têm se organizado para defender suas terras. Quando o governo municipal aprovou e deu todo o seu apoio à construção do aeroporto, um grupo deles ocupou a sede da prefeitura em duas ocasiões, além de fechar duas pistas da rodovia México-Pachuca. Cabe assinalar que os partidos políticos têm tratado de cooptá-los prometendo que respeitarão suas terras, mas os projetos do corredor industrial e o crescimento das maquiladoras continuam. O governador do Estado de Hidalgo Manuel Angel Núñez Soto, havia manifestado um profundo interesse em fazer com que as prefeituras que abrangem o Vale de San Javier ficassem nas mãos dos priistas. E conseguiu, à exceção de Tizayuca, onde ganhou o PAN. Mas como PRI e PAN não diferem muito no grau de corrupção, nem no (baixo) coeficiente intelectual, nem no uso da repressão, o senhor Núñez Soto está satisfeito (e, com ele, os grandes poderosos de Hidalgo). Rolando, sempre rolando, a pedra chega ao município de Ixmiquilpan. Aí está o balneário de águas termais El Tephé. É um hotel limpo, confortável, com bom atendimento, barato e familiar. Mas não pertence a nenhuma das grandes redes hoteleiras. È propriedade de uma comunidade indígena e é administrado por seus integrantes. Sem servilismo, mas com a devida atenção, os turistas nacionais e estrangeiros que visitam El Tephé são recebidos por estes indígenas que lutaram duro para recuperar a terra que os ricos haviam tirado deles. E esta dupla lição, o lutar pelo que lhe pertence e o administrar com sucesso e equidade a riqueza de sua terra, é algo que os poderosos não podem perdoar aos indígenas de El Tephé. A pedra vá e aprende. Segue seu caminho e, na parede de um monte de argila, amparada pela madrugada, risca uma verdade disfarçada de grafite: "Rebeldia" se escreve com "X" (de México e de El MeXe). E, "like a rolling stone", a pedra continua seu caminho pelo Hidalgo subterrâneo (que, como todo o México do porão, não abunda só em pobreza, mas também em dignidade rebelde) reconhecendo e saudando pedras irmãs. Chega assim ao município de Francisco I. Madero, também chamado Tepatepec, que quer dizer "monte de argila" ou "monte de pederneira". E aqui, como de uma pederneira, saiu uma faísca que ainda ilumina a história recente de Hidalgo. No dia 6 de fevereiro de 2000, a Polícia Federal Preventiva (na época dirigida por um militar, Wilfredo Robledo, hoje fugitivo da justiça) tomou de assalto a Universidade Nacional Autônoma do México e prendeu mais de 700 membros do Conselho Geral de Greve desta casa de estudos. Duas semanas depois, a polícia de Hidalgo tratou de fechar a escola normal rural "Luis Villareal" de El Mexe, mas algo aconteceu. Em janeiro daquele ano, a luta para evitar o fechamento da escola havia levado os estudantes a tomá-la. No dia 26, o governo anunciou que a escola estava fechada e que os estudantes que se mantinham nela "a ocupavam ilegalmente". Cortaram a luz, a água, o telefone e quase a terceira parte dos estudantes foi presa. Como condições para sua libertação, eles tinham que assinar que não participariam de outros protestos, e que se inscreveriam na Universidade Pedagógica Nacional, unidade Pachuca. Estudantes das normais rurais de outros estados, que também lutam para que não fechem estas escolas, acamparam na praça de Pachuca em apoio a El Mexe. Às três da manhã de 19 de fevereiro, mais de 400 policiais prenderam 736 estudantes e mandaram 700 de volta para o seu estado. De Pachuca, os policiais foram a Tepatepec, e tomaram o povoado de assalto batendo em mulheres, crianças e anciãos e destruindo casas. Entraram em El Mexe, prenderam 176 estudantes e cometeram estupros. Levaram os estudantes para o presídio de Pachuca e uns 150 policiais ficaram "protegendo" a escola. Duas horas depois, os moradores se organizaram para a resistência. Sitiaram a escola com barricadas de pedra e fogueiras, destruíram os veículos policiais (18) e prenderam 68 policiais (o resto fugiu em seus veículos ou através da rede de esgoto). Os moradores despiram os policiais e levaram- nos para a praça principal. Quando fizeram uma revista na escola e nos veículos, os moradores encontraram um arsenal (supunha-se que os policiais estivessem desarmados): lançadores de granadas, rifles e revólveres. O objetivo era de "semear" as armas na escola para acusar os estudantes de serem "guerrilheiros". Finalmente, o governo trocou os estudantes presos pelos policiais detidos. A maioria dos estudantes daqui está organizada na Federação dos Estudantes Camponeses Socialistas mexicanos (FECSM). A luta pela defesa das normais rurais não é nova e nem é exclusiva daqui. Seus alunos são pobres e sua vocação é a de servir seus povos e lutar para mudar a situação de injustiça em que vivem. Aí estão, por exemplo, os normalistas de Amilcingo, em Morelos; os de Panotla, em Tlaxcala; os de Ayotzinapa, em Guerrero, para mencionar alguns dos muitos que, como os de El Mexe, resistem a transformar-se em servidores dóceis daqueles que são poder e governo no México. Em El Mexe, um policial, nu e sem suas armas, sintetizou o que havia acontecido: "Sempre ganhamos, mas agora foi a nossa vez de perder". A frase é também uma profecia. Sempre rodando, a pedra se despede de El Mexe, onde um letreiro traz uma reflexão: "Infelizes os povos nos quais a juventude não faz tremer o mundo e os estudantes ficam submissos diante do tirano". A pedra sai de Hidalgo. Aprendeu muito dos gritos e silêncios que povoam as montanhas desse Estado. O principal é que o que hoje une todo o México de baixo são a pobreza e a rebeldia. Terá que se lutar muito para que esta união seja na justiça, na liberdade e na democracia. A pedra continua rodando. Lá, ao longe, nas terras de Querétaro, esperam impacientes o Firulais Loyola e o comendador Fernández de Cevallos, ou seja, o cachorro e o dono do cachorro... Das montanhas do sudeste mexicano. Subcomandante Insurgente Marcos. México, janeiro de 2003.
https://www.alainet.org/es/node/108137
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