Allende/Pinochet: 30 anos

07/09/2003
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O Chile havia escolhido por meio de eleições a todos os seus presidentes entre 1830 e 1970, com exceção de 1891 e do período que vai de 1924 a 1931. Constituiu-se um Congresso no Chile antes dos países europeus, salvo a Inglaterra e a Noruega. A participação eleitoral, na metade do século XIX, era equivalente à existente na mesma época na Holanda, à que a Inglaterra havia conseguido apenas vinte anos antes e à que a Itália só teria vinte anos depois. O Chile implantou o voto secreto em 1874, antes que isso fosse feito na Bélgica, na Dinamarca, na Noruega e na França. O Chile teve formas de organização sindical ainda no final do século XIX, um candidato do Partido Comunista – seu fundador, assim como participante da fundação dos partidos comunistas do Uruguai e da Argentina, Luis Emílio Recabarren – concorreu à presidência da república em 1920. Teve um governo de Frente Popular ainda nos anos 30, com participação dos partidos comunista e socialista no ministério, assim da central sindical – do qual o então jovem médico socialista Salvador Allende foi ministro da saúde. Bastariam esses dados para demonstrar a enorme tradição democrática do Chile até aquela terça-feira, 11 de setembro, há exatamente trinta anos, quando o projeto de transformação do capitalismo chileno numa sociedade socialista – aprovado pela maioria dos chilenos nas eleições presidenciais de 1970, com a vitória de Salvador Allende – foi brutalmente interrompido pelo golpe militar dirigido por Pinochet. O país com maior tradição democrática do continente se transformava no paradigma dos regimes de terror que tomaram conta do cone sul da América Latina. Com a participação do regime militar brasileiro – conforme reportagem recente do jornal conservador chileno La Tercera - , que fez com que o então embaixador do Brasil fosse chamado de "o quarto membro da Junta Militar", o projeto golpista, dirigido pelo governo norte-americano de Nixon/Kissinger – conforme atestaram as atas do Senado norte-americano - rompeu-se a tradição democrática chilena. A brutal derrota da democracia incluiu a destruição do Palácio de La Moneda (com esse nome porque o projeto francês da Casa da Moeda para o Brasil foi para lá e acabou dando esse significativo nome à sede do governo chileno), a morte de Salvador Allende, a destruição das instituições democráticas do país – incluindo a queima dos registros eleitorais -, o assassinato de milhares de pessoas, com a prisão, a tortura, o exílio, se estendendo a centenas de milhares de chilenos e estrangeiros vivendo no país. O regime ditatorial de Pinochet mutilou o país, levou à morte de Pablo Neruda, amputou as mãos e deixou que morresse dessangrando diante dos outros presos no Estádio Chile ao cantor e compositor Victor Jara (que nesta semana passa a levar o seu nome), projetou sua ação terrorista a outros países, entre eles a Argentina, o Brasil, o Paraguai e até mesmo os EUA. Apoiado na brutal derrota do movimento popular, a ditadura pinochetista introduziu, pioneiramente, o modelo econômico neo-liberal e impôs uma constituição – ainda vigente no Chile, embora com modificações – num plebiscito realizado ainda sob estado de sitio. A principal lição da experiência de governo de Allende não é – como alguns parecem afirmar – que é preciso renunciar ao projeto histórico da esquerda de lutar contra o capitalismo, porque isso poderia levar a conseqüências catastróficas, induzindo à renúncia a princípios e adequar-se às mazelas das economias baseadas na exploração, na discriminação, na dominação, na alienação. Até mesmo porque projetos muito menos radicais, como os que foram rompidos por golpes militares no Brasil, na Bolívia, no Uruguai, na Argentina, na Guatemala – entre outros – foram igualmente rompidos por golpes militares. A primeira conseqüência refere-se aos obstáculos para se optar, nos marcos da democracia liberal, entre capitalismo e socialismo. Múltiplas formas de alternância no governo existiram no Chile, sempre com os derrotados respeitando o triunfo dos seus adversários. Até que a opção socialista foi bloqueada por um golpe militar, apoiado não apenas pela direita tradicional e pela extrema direita, assim como pelos militares imbuídos pela doutrina de segurança nacional, mas também pelo partido de centro, a Democracia Cristã e pela grande maioria da grande imprensa. Uma transformação substancial do capitalismo requer portanto a combinação da luta institucional com a criação de uma grande força hegemônica alternativa, apoiada na grande massa explorada e dominada da população, associada a um projeto de transformação que atenda aos interesses dessa grande maioria e ao mesmo tempo promova a democracia econômica, social, política e cultural.Não basta a maioria eleitoral, mas a maioria política, social e cultural tem que ser expressar também no plano institucional e eleitoral, para ganhar es paços fundamentais para o grande projeto transformador da sociedade no seu conjunto. A segunda grande conclusão se refere à necessidade de alianças internacionais que abram espaço para experiências que contrariem os grandes interesses articulados em torno dos poderes tradicionais das elites dos nossos países. Além disso, a existência de forças partidárias e movimentos sociais imbuídos da consciência de que somente uma sociedade do trabalho – isto é, que garanta o direito ao trabalho para todos, em que todos vivam do seu trabalho e seja vedada a exploração do trabalho alheio -, da justiça universalmente garantida, da soberania popular e da diversidade cultural – como aquela pela qual morreu lutando Salvador Allende há 30 anos – pode representar os avanços civilizatórios que a crise e esgotamento das economias fundadas no mercado e na exploração do trabalho requerem. O Chile só pode orgulhar-se de ter vivido a experiência do governo de Allende e de buscar sobreviver à de Pinochet. A esquerda reivindica com orgulho a Salvador Allende e seu governo. Que a direita se arranje com Pinochet.
https://www.alainet.org/es/node/108327
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