"Paga o que me deves!"
08/10/2003
- Opinión
Nestes dias a imprensa divulgou as cifras do pagamento de juros que o
Estado brasileiro já efetuou neste ano. Os números impressionam. Até
agosto foram nada menos do que cento e dois bilhões de reais, só de juros
pagos pela União, Estados e Municípios.
Como sempre, os números precisam ser traduzidos, para avaliarmos o que na
verdade significam. Bastaria dizer que o montante corresponde a sessenta
vezes os recursos empregados pelo "Fome Zero". Dizendo de outra maneira,
com esses recursos o governo poderia ter multiplicado por sessenta tudo o
que ele conseguiu fazer até agora com o seu famoso plano social de
redução da miséria.
Com isto, fica evidente uma verdade: enquanto o governo explica que é
muito difícil ter dinheiro para atender às demandas sociais, salta aos
olhos que vultosos recursos estão garantidos para saciar, não a fome do
povo, mas a fome de juros do sistema financeiro.
A continuar assim, resulta evidente outra verdade: caminhamos rapidamente
para um impasse. Pois o governo não tem dinheiro para pagar tantos juros.
Basta ver os dados que nestes dias também foram publicados. Com todo o
arrocho realizado pelo governo, com o "superávit fiscal" obtido neste
período, ele não conseguiu pagar nem a metade destes juros. Pois só
economizou quarenta e nove bilhões de reais. Os outros cinqüenta e três
bilhões, necessários para completar o pagamento dos juros, ele precisou
pedir emprestado.
Assim, a dívida pública cresceu mais ainda. Isto é, pela frente, teremos
mais juros a pagar. Será necessário um arrocho maior. Que por sua vez não
será suficiente. Então, será preciso buscar mais dinheiro emprestado.
Para nosso controle, é bom saber que já estamos devendo oitocentos e
noventa e um bilhões de reais, assim dizem as cifras publicadas nestes
dias. Esta a nossa dívida interna, isto é, o ajuste de contas que precisa
ser feito entre as administrações públicas e os seus credores dentro do
país. Lá fora estamos devendo dólares, numa quantia que já ultrapassa os
duzentos bilhões.
Estas cifras nos deixam tontos. Mas é preciso aprumar a cabeça. A dívida
interna, por exemplo, já representa 57% do PIB brasileiro. Os próprios
técnicos do FMI apontam o limite de 35% do PIB, se o endividamento de um
país passar disto, o desequilíbrio tende a ser irreversível.
Aí está, evidentemente, um sério problema que precisa ser enfrentado pelo
atual governo.
Mas a questão precisa ser olhada com outros critérios. Não é por acaso
que a dívida entra com freqüência nas parábolas de Cristo. A mais famosa
é a história do homem que devia uma soma fabulosa. Perdoado pelo senhor
que dele teve compaixão, esqueceu logo o grande favor recebido, e passou
a cobrar implacavelmente ao pobre que lhe devia alguns trocados. Jesus
coloca na boca deste impiedoso cobrador de dívidas a famosa frase, que
parece escudar os atuais cobradores do sistema financeiro mundial: "paga
o que me deves!".
A frase parece se revestir de justificativa ética. "Dívidas devem ser
pagas!". Acontece que em economia precisamos ver as circunstâncias. São
elas que, na verdade, apontam os caminhos da ética. O impiedoso cobrador
esqueceu que ele tinha sido altamente favorecido. Nas circunstâncias
atuais é o sistema financeiro o altamente favorecido. Ao seu serviço
estão as instituições supranacionais, a força dos contratos, as taxas de
juros, as multas preventivas, o jogo da especulação, os mecanismos das
bolsas, tudo concorre para salvar o sagrado direito de cobrar as dívidas.
Enquanto isto, os pobres devedores estão sendo estrangulados, sem dó nem
piedade.
A parábola de Cristo termina contando como os outros todos, que ficaram
escandalizados com o rigor do cobrador vingativo, foram contar ao senhor,
que por sua vez tomou prontas providências para coibir a fúria da
cobrança cega e impiedosa.
Pois bem, o que falta hoje no mundo é um clamor unânime para denunciar as
injustas vantagens do sistema financeiro. O dinheiro, em vez de servidor
da economia, se tornou algoz da produção, e escravizador dos devedores.
E' o Evangelho que nos autoriza a clamar por um basta na injusta situação
decorrente do endividamento dos países do terceiro mundo. Sem nos eximir
da seriedade em administrar nossos negócios.
https://www.alainet.org/es/node/108523
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