A divina gravidez do universo

19/12/2003
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Nestes dias, a sociedade de consumo promete a vinda do Papai Noel com seus presentes, comprados no Shopping mais próximo. Os cristãos preparam o Natal como memória do nascimento de Jesus de Nazaré e ação de graças pelo fato de que, através deste ser humano igual a nós, Deus se revelou presente e atuante no mundo. Jesus mostrou que a presença e ação divinas se espalham por toda a humanidade e até pelo universo, independentemente de sermos cristãos, budistas, muçulmanos, crentes do Candomblé ou ateus. Deus faz isso porque é amor e nos ama gratuitamente. Jesus disse: "Ele faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus, faz chover sobre os justos e os injustos". Santo Agostinho ensina que a própria história está grávida de Deus e nos convida a descobrir nos acontecimentos pessoais e sociais os sinais da ação divina. No século XX, Theillard de Chardin escrevia que, por uma lei física e por vocação inscrita no mais íntimo de cada ser, todo o cosmos evolui para uma espécie de plenitude no amor que contagiará todo o universo. Ele denominou este processo de "cristificação". O amor do Cristo tomará conta de todo mundo, respeitando a autonomia e a diversidade das religiões, apenas impregnando todos os seres da ternura divina. A nossa sociedade vive na cultura do momento presente. Muitos sofrem injustiças e angústias, na esperança de que "dias melhores virão", como se o tempo desse um jeito em tudo e, automaticamente, o amanhã sempre acabasse sendo melhor do que hoje. Esta confiança no determinismo da história tem sido, repetidas vezes, desmentido. Em encontros da sociedade civil, como o recente 2º Fórum Social Europeu, realizado em Paris, o tema que mais apareceu em todos os debates e conferências foi a preocupação com o futuro. Parecia que as pessoas e organizações desejavam garantir o mínimo de controle sobre o futuro incerto e imprevisível. Conforme a Bíblia e outras tradições religiosas, a esperança mais profunda não se baseia apenas nas potencialidades do presente, nem da análise da realidade que um dia confirma nossas expectativas e no dia seguinte as decepciona. A esperança vence o medo quando se enraíza na vida cotidiana e dá frutos na realidade, mas vem da fé e da espiritualidade. Etimologicamente, o termo futuro vem do latim e significa "aquilo que, hoje, tem potencialidade de ser", ou seja, aquilo que o presente revela possível. Só o que já existe escondido ou em potencialidade latente pode tornar-se futuro. Uma realidade atual carregada de injustiça e violência não pode dar frutos diferentes da semente plantada. Segundo o mito grego, a phisis (de onde veio o termo latino: futuro) é o seio materno eternamente fecundo do ser. Mas, infelizmente, este futuro está sempre preso ao passado. Será apenas o desenvolvimento natural e previsível do presente. Conforme o Evangelho, Jesus disse: "Uma árvore sadia dá frutos bons e uma árvore doente dá frutos ruins. Uma árvore boa não pode dar frutos maus e uma árvore má nunca dará frutos bons" (Mt 7, 17- 18). As Igrejas cristãs mais antigas preparam a festa do Natal celebrando durante quatro semanas o tempo litúrgico chamado Advento. Advento significa "vinda". É o termo latino para expressar a esperança de que alguém – no caso Deus – virá nos iluminar e inspirar para transformarmos a realidade atual em uma terra de paz e justiça. Esta vinda que o Advento celebra e as comunidades cristãs esperam neste Natal não é apenas "o menino Jesus que nasceu no passado". Não depende das potencialidades presentes na história e na atualidade. Não é a continuidade corriqueira da vidinha que levamos. Nem é fruto do hoje. É expressão da promessa de Deus que nos revela o seu projeto sobre nós e sobre o mundo. O Advento significa uma vinda nova, prometida e esperada. Não apenas para os cristãos. O Judaísmo não celebra Advento nem Natal, mas nos ensina a vivermos com eles a esperança definitiva do Messias que nos abre à plenitude da história. Para o Islã, a nova vinda é a recepção da misericórdia do todo Compassivo e para os índios pode ser a vinda da Terra sem Males. Deus não pede que esqueçamos a história ou desvalorizemos a memória. "Crer é lembrar-se", dizia o rabino Abraão Heschell. Quem crê aceita recordar tudo o que Deus realizou na história para ter confiança de que ele continua agindo e renovará conosco os sinais de sua vinda salvadora. Ele não pede que falemos dele nem que procuremos converter toda a humanidade à nossa religião, mas que nosso engajamento pela Justiça e pela Paz seja sinal da sua vinda e da realização do seu projeto no mundo. Podemos, hoje, atualizar em uma esperança ecumênica, o antigo cântico inspirado no profeta Isaías e que, há séculos, em uma versão litúrgica, as Igrejas cantam nestes dias antes do Natal: "Que os céus orvalhem a paz, e as nuvens chovam justiça. A Terra abra-se ao amor-perdão e germine a libertação". * Marcelo Barros é monge beneditino e escritor.
https://www.alainet.org/es/node/109011
Suscribirse a America Latina en Movimiento - RSS