Lições de Solidariedade

11/02/2004
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Nos dias 25 a 30 de janeiro estive em Cuba participando do III Encontro Hemisférico de Luta contra a Alca. Estivemos debatendo sobre a Alca e suas implicações e traçando um plano de ação para barrar a implantação da área de livre comércio. Participaram mais de 1200 delegados representando 35 países. Ouvi falar que em Cuba as coisas não vão bem, que a moradia e o transporte são precários, que não há liberdade, que faltam muitas coisas, enfim, que o socialismo não está dando certo. Para tirar minhas próprias conclusões, procurei olhar o país da forma mais objetiva possível. No ano passado estive no Haiti, país "livre" e capitalista e resolvi fazer algumas comparações entre as duas realidades. Haiti vive décadas de penúrias econômicas, degradação ambiental, violência, instabilidade e ditaduras, o que o tornou o país mais pobre da América Latina. A renda per capita alcança 400 dólares ao ano, a expectativa de vida dos haitianos é de 52 anos, 52% da população são analfabetos e a taxa de desemprego é de 50%. Em 134º lugar nos Indicadores de Desenvolvimento Humano (IDH), comparado a Somália e Yemen, o país vive em uma constante batalha entre a pobreza e a sobrevivência. Hoje, 3,8 milhões de haitianos estão em estado de extrema fome. Grupos de traficantes levam crianças do Haiti para fazerem parte de grupos de mendigos nas ruas da República Dominicana. Cerca de 2,5 mil crianças do norte do Haiti cruzam a fronteira anualmente. A grande maioria dessas crianças vive em condições de extrema vulnerabilidade: péssimas condições de alojamento e alimentação e mínimo ou nenhum acesso a serviços de saúde. Porto Príncipe, a capital do Haiti, tem 90% de sua população sobrevivendo da economia informal, sendo que no restante do país o índice é de 60%. Em muitas cidades praticamente inexistem serviços públicos como transporte, saneamento básico, limpeza pública, etc. A realidade de Cuba é bem outra. Inexistem mendigos na rua, não se vê gente pedindo esmola e todos têm o necessário para viver, ainda que não haja acesso a determinados bens de consumo como têm uma parte da população nos países de economia capitalista. Mas o que mais me chamou a atenção, foi o investimento que o país faz com as pessoas, com o capital humano. Refiro-me, em especial, à educação, saúde e à prática da solidariedade internacional. Com relação à educação, todos têm acesso a ela. 100% das crianças em idade escolar estão na escola; no nível secundário há 494 mil alunos sendo que em todas há televisão, vídeo e em 2.256 escolas há energia solar. Em levantamento recente feito em todas as casas do país, constatou-se que havia 110 mil jovens fora da escola por motivos de alcoolismo, gravidez e outras razões. O governo está pagando para que todas esses jovens estudem e alguns já estão se formando. O processo permite a recuperação da auto-estima de milhares de jovens que estavam, por diversas razões, à margem da sociedade. O atual método de alfabetização, através de vídeos, permite que uma pessoa seja alfabetizada em apenas sete semanas. A educação tem como opção o seu povo, para que sejam pessoas melhores. Não é à toa que, segundo a ONU, Cuba está em primeiro lugar do mundo na educação. No que se refere à saúde ela é universal. Todos têm acesso à mesma e não é necessário comentar aqui sobre sua qualidade e os avanços que são feito neste campo. A saúde cubana é reconhecida internacionalmente. Entretanto, o que mais me chamou a atenção, é a consciência que o povo tem da solidariedade internacional e como a mesma é exercida. Refiro-me, de modo particular, ao caso da Venezuela. Cuba está formando 14.608 jovens venezuelanos entre 12 a 20 anos. São cursos de 45 dias, destinado a qualificar e preparar os jovens para que possam contribuir com a construção da cidadania venezuelana. Todos os professores são cubanos. Já se formaram seis mil jovens e outros 8.608 estão se formando em Cuba. Ao retornarem para a Venezuela, de início eles tem duas tarefas: fazer a documentação das pessoas, já que nas regiões mais pobres, 60% dos venezuelanos são indocumentados; além disto, pretendem, numa segunda etapa, alfabetizar a todos os cidadãos que não sabem ler e escrever. Tive oportunidade de visitar duas destas escolas em Cuba, fiquei simplesmente emocionado. Outro aspecto importante na solidariedade internacional é o envio de médicos para ajudar aos países pobres. Há nada menos do que 17.300 médicos cubanos em mais de 50 países. Só na Venezuela há 10 mil. Dedicam-se a atender a população nos bairros pobres das periferias das cidades e nos rincões mais longínquos do país, ali exatamente onde ninguém quer ir. Não tenho dúvidas de que a vida em Cuba, é muito mais respeitada do que no Haiti e muitos outros países das Américas. Volto de Cuba convencido de que é possível construir um novo projeto para o nosso querido Brasil. Um projeto alternativo ao sistema neoliberal capitalista que nos torna cada vez mais reféns e submissos do imperialismo estadunidense. Cuba, apesar das dificuldades impostas pela sua economia e pelo bloqueio estadunidense, prova que é possível, com poucos recursos, formar cidadãos dignos e a vida ser respeitada.
https://www.alainet.org/es/node/109399
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