É preciso mudar muito
25/02/2004
- Opinión
As últimas duas décadas foram um desastre para toda a
humanidade, e em especial para as populações mais pobres.
Apesar de todo avanço que tivemos, com uma verdadeira
revolução tecnológica, na eletrônica, na informática, na
biotecnologia, na química fina, as condições de vida da
maioria da população mundial, e brasileira, pioraram. E
muito, em todos os indicadores sociais. Desde as condições
de alimentação, de habitação, de transporte público, de
meio ambiente.
E o que é pior: as pessoas não conseguem mais ter trabalho.
E o trabalho é a base da inserção de uma pessoa na
sociedade em que vive. É por ele que se realiza como ser
humano. É por ele que participa de toda vida econômica e
social. É por ele que garante seus direitos de cidadão. O
sujeito que não tem direito nem a trabalhar não tem mais a
condição de cidadão.
Esse foi o resultado de duas décadas do neoliberalismo como
política hegemônica na maioria dos governos do mundo.
Felizmente, a população está começando a se dar conta. E
brotam protestos em muitas partes. Em outros países, como
aqui, o povo usou as urnas para mudar. Mas, infelizmente,
ainda não conseguiu mudar de fato.
Os povos de todo o mundo estão diante de graves problemas.
E esses dilemas precisam ser encarados e resolvidos, antes
que se transformem em catástrofes. Seja de extermínio de
populações inteiras, como está acontecendo na África, na
Palestina, seja pela degeneração dos valores sociais, que
foram construídos ao longo da história da humanidade.
Há, portanto, uma crise de destino. Uma crise de projetos
para os povos. Uma crise de debates de idéias. Há uma crise
de valores sociais.
E essa crise se agrava porque as forças tradicionais da
sociedade também estão em crise. Crise na forma de se
organizar, de se manifestar, de se articular.
Os presidentes dos países correndo de cúpula em cúpula, que
não resolvem nada. Apenas geram manchetes de jornais. Os
políticos tradicionais só sabem fazer discursos mentirosos.
A cara deles na televisão e suas mentiras são todas iguais.
Podem borrar as siglas partidárias, que a "historinha" é a
mesma. Os partidos viraram verdadeiras máfias de cúpulas
interessadas apenas em cargos. E ter cargo público hoje, na
maioria dos países do mundo, é apenas para ter acesso ao
dinheiro público, ao enriquecimento fácil. Aqui, nos
Estados Unidos, na China, na Itália, em Israel, no
Zimbábue!
Os partidos, como força política que deveria se preocupar
em democratizar direitos, não se preocupam com projetos de
sociedade, se preocupam apenas com as eleições. Outras
formas de organização social, como as entidades de
assessoria, as chamadas ONGs, também ficam de seminário em
seminário. De conferencia em conferencia. De fórum em
fórum. E, na prática, muito pouco ajudam a organizar os
povos.
E o povo? O povo, desanimando, também fica correndo atrás
da sobrevivência. De ônibus em ônibus. De estação em
estação. Não tem tempo para pensar. E, quando cansa, liga a
televisão para se enganar.
De fato estamos precisando de muitas mudanças. Mudanças de
métodos de trabalho organizativo. Mudanças nas formas de
mobilizar o povo. Mudanças no jeito de conscientizar nosso
povo. Para que desse novo jeito brote então um vigoroso
movimento de massas, que consiga sair da imensa crise em
que estamos envolvidos.
Estamos precisando enfrentar essa crise urgentemente. E,
para poder enfrentá-la, também teremos de mudar nossos
métodos de trabalho com o povo. Organizar verdadeiros
mutirões de debate com o povão. Sacudir essa pasmaceira que
está nas universidades. Só se preocupam em entregar
diplomas em vez de entregar idéias, projetos. Seria
necessária uma segunda semana de arte moderna, que
recolocasse o papel dos artistas e intelectuais como
agitadores das novas idéias.
Precisamos construir uma grande articulação de todas as
forças sociais, seja através da coordenação dos movimentos
sociais, ou de outras formas. Que conseguisse unir o maior
número possível de forças sociais, por um novo projeto para
o país. Não adianta apenas criticarmos ou ficarmos de
braços cruzados, esperando que o governo Lula dê certo.
O governo Lula não vai dar certo se o povo brasileiro não
se mobilizar e não realizar um grande movimento por
mudanças de fato.
* João Pedro Stedile é dirigente do MST, da Via Campesina e
membro da Coordenação Nacional dos Movimentos Sociais.
Revista Caros Amigos, 16.2.2004, Matérias
https://www.alainet.org/es/node/109464
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