Sabedoria chinesa
27/05/2004
- Opinión
Foi amplamente divulgado que as relações China-Brasil
possuem um significado estratégico que alcança para além
das imprescindíveis trocas comerciais. Oxalá elas
comportem também intercâmbio de valores culturais. Temos
muito a aprender da ancestral sabedoria chinesa. Ela se
caracteriza pela insaciável busca de integração dos
opostos e da harmonização das forças cósmicas e
psíquicas. Nós ocidentais somos herdeiros de um
pensamento linear que trabalha constantemente com o
princípio de identidade e de contradição, tardiamente
enriquecido pela dialética. Nossa postura antropológica
nos fez imperialistas e dominadores de todas as
diferenças. Ou elas são incorporadas na mesmidade
ocidental ou subalternazidas e até destruídas.
A sabedoria chinesa procura sempre incluir os opostos.
Tal postura vem expressa pelo famoso tai-ki, o círculo
dentro do qual se entrelaçam como que duas cabeças de
peixe. É a presença das duas forças universais - yng e
yang - (céu e terra, luz e sombra, masculino e feminino)
que entram na composição de todos os seres. Yng e yang
concretizam o shi, a energia primordial e misteriosa que
sustenta tudo, chamada também de Tao. Tao é mais que o
caminho, é a energia pela qual fazemos o caminho e que
possibilita qualquer realidade. O Tao se encontra em
tudo, do esterco do campo à cabeça do Imperador. A
religião é uma das respostas à percepção do Tao, assim
como a culinária, a arte, a política e a ética. Por mais
diversos que sejam os seres, todos eles se uni-ficam no
Tao. Esta visão holística penetrou no povo e impregna a
vida cotidiana, fazendo com que o chinês comum seja
simultaneamente pragmático, laborioso e detalhista como
nas pinturas e contemplativo, grave e sereno como na
figura dos mestres. Ela introduziu uma cultura do
cuidado, fundamental no ethos chinês. O cuidado resulta
de uma atitude de respeito, quase sagrado, por cada ser,
pois ele é portador da energia do Tao. A medicina chinesa
dos chás, da acupuntura e das massagens representa a
ativação desta energia. Saúde é estar sintonizado com as
energias e com o Tao.
O valor mais importante na tradição chinesa e também na
política reside na amizade. Não é tanto um sentimento
subjetivo, mas a acolhida da diferença de forma
reverente. A amizade se mostra pela partilha e pela
solidariedade. "Partilhar é justo" diz uma máxima da
ética chinesa. Para nós partilhar pertence à ordem da
gratuidade, daquilo que pode ser ou não ser. Para os
chineses partilhar pertence à ordem objetiva do ser.
Partilhar e solidarizar-se é fazer que o yng conviva com
o yang. Então o direito de cada um é respeitado e há
justiça.
Outro valor importante é o consenso, à diferença de nós
que procuramos a hegemonia. O consenso não implica a
redução de todas as diferenças a uma única posição. É a
coexistência da riqueza delas que, juntas, constroem uma
convergência mais alta e boa para todas as partes.
Por fim a pátria constitui um altíssimo conceito. Ela é a
representação arquetípica do céu e da terra, é a tenda do
Tao, a realização social do ying e do yang. Pátria são os
ancestrais, cujas cinzas acompanham as famílias por
séculos. A China é una, os governos podem estar dividos e
passar, comenta-se sempre.
Por fim, grandioso é o lema da proclamação da república
em 1911 que se encontra nos bótons: "O amor é universal e
o céu (o nome para império) pertence a todos".
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/es/node/109985
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