Sexo & afeto
11/08/2004
- Opinión
A pesquisa da Unesco sobre a sexualidade da juventude
brasileira, divulgada este ano, é no mínimo preocupante. Como
ressaltou Jorge Werthein, representante do organismo da ONU no
Brasil, há aspectos positivos, como o repúdio à promiscuidade e
a busca de mais conhecimento sobre a questão. Os jovens
brasileiros tendem a iniciar a vida sexual mais cedo (entre 11 e
14 anos) e consideram desimportante a virgindade. Mas nem sempre
se protegem contra as DST (doenças sexualmente transmissíveis) e
a Aids, e tendem a discriminar os homossexuais.
Ano passado, acompanhei uma pesquisa realizada no Ceará.
Indicava o aumento da gravidez precoce e a diminuição dos casos
de aborto. As meninas, com certeza induzidas por exemplos
televisivos, preferem assumir a "produção independente", ainda
que isso implique riscos de abandono da escola, ingresso na
prostituição e mais criança na rua. Na pesquisa da Unesco, 14,7%
das entrevistadas admitiram ter engravidado, pela primeira vez,
entre 10 e 14 anos.
O Unicef constata que a educação escolar de uma menina vale, na
América Latina, em termos de efeitos sociais, pela educação de
cinco meninos. Quanto mais escolaridade da mãe, menor o índice
de natalidade e maior o período de vida do filho. São as mães
que assumem, sempre mais, a chefia da família, e também as
principais transmissoras de valores aos filhos.
O que me espanta é que os jovens se queixem de que têm poucas
fontes de conhecimento da sexualidade. Só nas últimas décadas as
escolas começaram a introduzir o tema na salas de aulas, assim
mesmo com ênfase na higiene corporal, tendo em vista as DST. A
família, aos poucos, começa a derrubar tabus, exceto nas classes
populares, onde a falta de conhecimento obriga os jovens a
aprenderem "na rua", como se dizia na minha geração. Hoje,
"aprende-se" na TV. Primeiro, com a exacerbação do voyeurismo,
tipo Big Brother. É o bordel despejado, via eletrônica, no
quarto das crianças ou na sala da casa. Sem que famílias,
escolas e igrejas cuidem da educação do olhar de crianças e
jovens.
Em minha adolescência, em Belo Horizonte, havia cine-clubes,
onde aprendíamos, nos debates após a exibição dos filmes, a
distinguir obras de arte do mero entretenimento. Por que as
escolas não exibem vídeos clipes publicitários, trechos de
filmes e telenovelas, programas humorísticos? Não há melhor
caminho para despertar a consciência crítica, o discernimento,
que debater em grupo as mensagens implícitas quanto, por
exemplo, à dignidade da mulher num quadro de humor ou o fetiche
do carro numa peça publicitária.
Os animais têm uma sexualidade atávica, presos a seus ciclos
libidinosos. Talvez essa herança instintiva, acrescida de tabus
religiosos, nos impeça de falar da sexualidade com a mesma
liberdade com que tratamos a geografia e a história do nosso
país. E quanto menos se fala, mais bobagem se faz. O melhor
seria a TV, com o seu poder de irradiação, entrar em detalhes a
respeito de menstruação e masturbação, homossexualismo e
machismo, castidade e promiscuidade. Mas nem sempre interessa
tratar esses temas às claras. O tabu reforça o mistério, que
excita a imaginação, que alimenta o voyeurismo, que atrai
milhares de telespectadores à exibição de produtos que imprimem
à sexualidade o sabor libidinoso da pornografia. Ao contrário da
realidade, a fantasia não conhece limitesŠ E dá-lhe delegacias
de mulheres, e a proliferação de assédios e estupros, e o
preconceito aos homossexuais.
Suponho que 99% da humanidade case algum dia. Mas tenho certeza
de que a grande maioria é obrigada a improvisar nessa opção tão
importante. Pois se ainda estamos nos primórdios da educação
sexual, falta muito para atingirmos a idade da pedra da educação
afetiva. Que eu saiba, uma única instituição se dedica a
preparar noivos para o casamento - a Igreja. Fora disso, não há
nenhuma didática que sistematize, para proveito alheio, a
convivência conjugal, a educação dos filhos, os valores da
família, as fases da sexualidade do casal, o modo de dialogar
com os filhos sobre vida sexual e afetiva, a descasamento e o
recasamento, o universo da homossexualidade etc. Em
conseqüência, cada um que faça o próprio caminho, à base do
improviso, repetindo erros que poderiam ser evitados se
houvesse, em nossa sociedade, espaços e recursos de educação
para o amor.
Outro dia deparei-me, num hospital público, com uma menina de 13
anos, toda machucada porque havia sido espancada pela mãe.
Estava grávida. Isso a mãe aceitou. Mas ficou revoltada quando a
menina declarou não saber quem é o pai. Pois havia participado
da dança do "trenzinho" num baile funk: rapazes sentados, a
braguilha aberta, as garotas sem calcinha pulando de colo em
coloŠ
O que me chocou no foi tanto o ritual orgíaco. Mas a carência, o
vazio, a subjetividade inconsútil, a busca desenfreada de afeto
reduzida àquela espécie de "roleta russa". Não se trata de
imoralidade, e sim de amoralidade, como entre os répteis. Porque
estamos começando a ter vergonha de assumir valores, cultivar o
espírito e fazer projetos. Nos escombros da modernidade, tudo é
aqui-e-agora, my brother. E quando o desemprego, o baixo nível
da educação, a violência, a desagregação familiar, nos fecham as
cortinas do horizonte da felicidade, o jeito é apelar para o
prazer imediato, epidérmico, já que a vida se reduz a um jogo de
sobrevivência e a morte pode estar nos espreitando na próxima
esquina.
* Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto - Autobiografia
Escolar" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/110357
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