Lições da Venezuela

19/08/2004
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Muito se pode e se deve aprender da experiência venezuelana, depois do referendo de 15 de agosto, dos seus resultados, da situação atual dos governos eleitos ou apoiados pela esquerda no continente, das perspectivas e dos problemas vividos pelos movimentos sociais e da situação geral da luta contra o neoliberalismo na América Latina. As primeiras lições têm que ser tiradas pela grande mídia, que se havia somado ao coro da mídia privada venezuelana e multiplicada pelas agências norteamericanas e dos outros países das metrópoles capitalistas. Compraram as versões estilo guerra fria, segundo as quais se trataria de um ditador, elogiando a oposição como "democrática", recebendo a Gustavo Cisneiros no Brasil como se não fosse o grande magnata golpista da direita, protagonista do maior monopólio de imprensa na América Latina, mas um respeitável empresário de sucesso. O governo de Hugo Chavez foi incluído aos temas de Cuba e do MST, como malditos, tornando-se praticamente unanimidades na condenação dos editoriais e nas coberturas internacionais editorializadas. A consulta eleitoral, instrumento único em escala mundial de controle pela cidadania dos mandatos populares, foi realizada com total transparência, segundo até mesmo a OEA e a Fundação Carter, com o reconhecimento internacional unânime da lisura da apuração. Os jornalistas que foram cobrir a consulta devem igualmente ter se dado conta do caráter totalitário que o monopólio privado da mídia tenta impor aos venezuelanos. Que se tirem as conseqüências, que se proceda como os maiores jornais norteamericanos – o New York Times e o Washington Post – fizeram, de realizar uma autocrítica da cobertura que vinham realizando e inclusive da linguagem - "democratas" os opositores, "autoritário" Hugo Chavez. Outras lições devem ser tiradas pelos movimentos sociais. Estes têm protagonizado as principais lutas de resistência contra o neoliberalismo, de3sde o grito zapatista de Chiapas até os Fóruns Sociais Mundiais, passando pelas lutas na Bolívia, no Equador, no Peru, na Argentina, no Brasil, no México. Sua capacidade de resistência, de canalização dos interesses e dos sentimentos populares os afirmaram definitivamente como os melhores representantes da luta popular latinoamericana. Mas alguns movimentos sociais têm pretendido substituir as forças políticas e ocupar o espaço política apenas a partir da acumulação de forças social. Esta experiência tem revelado a capacidade de veto dos movimentos sociais, mas não tem permitido construir um novo projeto hegemônico. Esta tem sido a experiência dos movimentos indígenas equatorianos, do movimento camponês e indígena boliviano, entre outros. A crítica dos limites da ação estatal para um processo realmente emancipatório não deve sair de um "politicismo" para uma concepção que peça à luta social o que ela, sozinha, não pode dar. Temos que encontrar novas formas de fazer política, mas fazendo política, inclusive institucional, combinando-a com a luta de massas. Desprezar a luta institucional e o potencial de ação do Estado é entrega-los de presente para as forças tradicionais que, desprezando as lutas sociais e os movimentos sociais, usarão o Estado para políticas conservadoras. A luta contra o neoliberalismo é a luta pela afirmação dos direitos, consagrados universalmente para todos. Esta luta tem nos movimentos sociais seu principal protagonista, mas só podem ser consagradas no plano do Estado, de um Estado democratizado, que confirme e garanta os direitos para todos, mediante o fortalecimento de sua dimensão política. O caso venezuelano, em um país em que se vem de um enorme atraso na organização popular, com o espaço sindical ocupado por uma aristocracia operária vinculada às empresas petrolíferas, representa um bom exemplo de como os movimentos sociais podem se desenvolver e se fortalecer em aliança com governos que realizem uma política de privilégio do social e de reformas democráticas do Estado. A Venezuela é o país – talvez o único atualmente na América Latina – em que os direitos sociais avançam, em combinação de políticas governamentais e da ação de movimentos sociais. O mesmo caso já tinha surgido na luta contra a Alca e pelo fortalecimento da organização dos paises do sul do mundo, quando na reunião de Cancun foi criado o Grupo dos 20. A luta por um projeto de integração alternativo passa pela aliança dos movimentos sociais com governos que levem à prática uma política de soberania e de construção de uma reinsercão ativa no plano internacional. A outra lição deve ser tirada pelos partidos políticos e governos de esquerda na região. O governo de Hugo Chavez demonstra que uma alteranativa de esquerda no continente, que combine a prioridade do social no plano interno com a soberania política no plano externo, promovendo ativamente a organização do movimento social. Que governos como os de Lula e de Kirchner – assim como o de Tabaré Vazques, que pode triunfar este ano -, assim como o PT, a Frente Ampla do Uruguai e as outras forças de esquerda tirem as lições da Venezuela. Que deixem de lado a crítica de que a polarização entre ricos e pobres leva ao isolamento dos governos. Hugo Chavez não a promoveu, apenas deu a ela expressão no plano político, abrindo espaço para o surgimento de novos movimentos sociais em um país até ali dominado pelas burocracias sindicais corruptas.
https://www.alainet.org/es/node/110397
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