Ler um vídeo (Quinta parte): cinco decisões de bom governo

21/09/2004
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Durante o primeiro ano das Juntas de Bom Governo se formalizaram alguns acordos internos, tomados já faz tempo, e se concretizaram novas decisões. São as que se referem à conservação dos bosques, ao narcotráfico, ao tráfico de migrantes clandestinos, ao trânsito de veículos nas regiões e às eleições estaduais para as prefeituras e a Assembléia Legislativa local. 1. Sobre a conservação dos bosques. Transcrevo textualmente uma das leis vigentes nas Juntas de Bom Governo. A redação varia de uma região pra outra, mas a essência é a mesma: Lei de cuidado das árvores, ou seja, cuidado com a natureza. Por acordo da Junta de Bom Governo Coração do Arco-íris esta lei é válida nos territórios dos municípios autônomos rebeldes sem distinção; esta lei é para proteger os bosques porque os bosques chamam a água, o oxigênio, porque são nossa vida e também proteção dos animais silvestres; por isso, todos devemos entender que é importante cuidar do nosso bosque em todos os territórios dos municípios autônomos. Como Junta de Bom Governo propomos que cada município faça o seu viveiro para ajudar a cumprir esta lei: 1. As árvores só deverão ser cortadas para as necessidades domésticas, não para vender. 2. Temos a obrigação de cuidar e preservar os bosques e temos também o direito de usar árvores de uso doméstico com a autorização das autoridades autônomas. 3. Por cada árvore cortada, a obrigação de quem a cortou é plantar duas mudas e cuidar delas. 4. Cada território autônomo sancionará em cada município de acordo com o seu regulamento. 5. Sem a autorização de derrubar uma árvore se punirá com plantar 20 mudas. 6. Todas as permissões se farão com a comissão de terra e território. Há um acordo de que onde há um espaço a ser reflorestado, cada município o faça. Árvores com as quais se pode reflorestar são as que se fazem necessárias no interior da comunidade. Os espaços a serem pensados para plantar são lugares que são bons para realizar uma excursão familiar, como as margens do rio. Por exemplo, no Município Autônomo 17 de Novembro temos 4 centros reflorestados por um total de 2 mil pés de cedro. Também os priistas continuam tirando licenças de até 10 anos de contrato, ainda que tenhamos tentado suspendê-las e vemos que para eles são motivos de provocação. 2. Sobre a semeadura, o tráfico, a comercialização e o consumo de drogas. Ainda que a lei seja de antes do início da guerra, as Juntas de Bom Governo têm formalizado a proibição contra o narcotráfico. Aqui está um exemplo: "A Junta de Bom Governo [decreta que] em território zapatista é totalmente proibido cultivar, traficar e consumir drogas; os que fizerem isso serão expulsos pelas leis zapatistas. As bases de apoio zapatistas que semearem este enervante serão rechaçadas na organização e na comunidade onde esta pessoa se encontra. O mesmo com os que consomem. Caso se localize um terreno semeado com drogas será destruído e todas as plantas queimadas. Quem tiver feito a semeadura terá que arcar com os gastos da destruição, como os gastos da gasolina para queimá-la, e será expulso da organização. Quem consome é castigado com dez dias de trabalho e seis meses fora da organização. Por acordo da Junta de Bom Governo, cada município em seu território faz uma vistoria por ano para ter certeza de que não existem pessoas que fazem este trabalho ilícito". 3. Sobre o trânsito de veículos nas regiões das Juntas de Bom Governo. Nas Juntas de Bom Governo se registram os veículos que transitam pela região. A medida é para evitar o tráfico de pessoas, narcóticos, armas e madeira. Com este controle, a Junta de Bom Governo pode detectar um veículo que seja usado para atividades criminosas, investigá-lo e se tiver algum delito e for zapatista, castigá-lo de acordo com as nossas leis; e se não for zapatista levá-lo às autoridades oficiais. O registro veicular zapatista permitiu ordenar também as rotas de transporte para que os povoados tenham transporte o dia inteiro, e para que não haja conflitos entre as várias organizações de condutores. Para evitar que as regiões zapatistas se tornem santuários de carros roubados e chocolates os registros que a JBG outorga só são entregues àqueles que têm seus papéis oficiais em dia. Ou seja, para ter o registro veicular das JBG é necessário ter placas e documento de circulação. E o condutor deve ser habilitado. 4. Sobre o tráfico de migrantes clandestinos. Alguns meses atrás, nas Juntas de Bom Governo, nos Conselhos Autônomos e em todas as comunidades zapatistas começou a circular quanto segue: Recentemente, tem aumentado o número de migrantes clandestinos que são levados pelos chamados polleros em sua jornada rumos aos Estados Unidos. Os polleros são pessoas que se dedicam ao tráfico de pessoas, cobram delas muito dinheiro em troca da promessa de levá-las a trabalhar nos Estados Unidos. Na grande maioria das vezes, os polleros enganam homens e mulheres do México e de outros lugares da América abandonando-os no lugar em que se escondem no interior dos veículos ou nos desertos, e estes homens e mulheres (às vezes, crianças) morrem de forma espantosa. Sabe-se também que os polleros estão de acordo com as autoridades federais do governo mexicano, que participam do negócio. Os homens e mulheres que vêm de outros países rumo aos Estados Unidos para lá trabalharem são, em sua imensa maioria, pessoas pobres e humildes, e seus direitos e dignidade são violados pelos polleros e pelas autoridades do México e dos Estados Unidos. Por isso, decidiu-se declarar delito grave o tráfico de pessoas, nacionais ou estrangeiras, pelo território zapatista. Comunica-se isso a todas as autoridades para que vigiem para que isso se cumpra e que os membros do EZLN que participarem, apoiarem ou protegerem aqueles que se dedicam ao tráfico de pessoas sejam castigados e, em caso grave, expulsos de nossa organização. As comissões de vigilância do CCRI e as Juntas de Bom Governo irão vigiar para que nenhum zapatista, base de apoio, responsável, comitê ou autoridade autônoma cometa, apóie ou proteja este delito de tráfico de pessoas, porque é um crime contra a humanidade. Todos os traficantes de pessoas (ou polleros) descobertos e detidos em território zapatista serão obrigados a devolver o dinheiro às pessoas atingidas e se, depois de advertidos, voltarem a cometer seu delito, se verá a forma de entregá- los às autoridades competentes para serem castigados de acordo com as leis do México. Todas as pessoas, nacionais ou estrangeiras, que são transportadas clandestinamente serão libertadas, apoiadas no que for possível (cuidados médicos, hospedagem e alimentação temporária) e aconselhadas a não se deixar enganar. Todos os seres humanos, independentemente de sua nacionalidade, têm passagem livre pelo território zapatista, mas deverão sujeitar-se às leis das Juntas de Bom Governo, dos Municípios Autônomos e das comunidades indígenas. As Juntas de Bom Governo e os Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas informarão os companheiros e companheiras bases de apoio zapatista e os membros de outras organizações que vivem em território zapatista sobre estas recomendações, no entendimento que todo zapatista que cometer este delito será desconhecido como companheiro. Os resultados? Vejam alguns exemplos: Da Junta de Bom Governo de Morelia informam o seguinte: Na questão dos migrantes clandestinos, por exemplo: no município Ernesto Che prenderam um pollero em seu território, ficou detido por dois dias e o avisaram de que da próxima vez o castigo ia ser maior e aos migrantes clandestinos se deu pousada, comida, foram avisados dos riscos do caminho e deixados irem embora. Aconteceu um caso de um companheiro que vendeu pozól a um preço elevado, e os companheiros que cometeram este erro foram castigados". De La Garrucha: "Os polleros que forem surpreendidos enganando os migrantes clandestinos serão detidos para que devolvam a eles o dinheiro. Em território zapatista é terminantemente proibida a venda de comida, água e hospedagem aos migrantes clandestinos; eles são pobres como nós e temos a obrigação de dar-lhes água, comida e hospedagem e não de vender-lhes estas coisas. No caso de um pollero ser detido pela segunda vez, será entregue às autoridades do mau governo". De La Realidad: "Com os migrantes clandestinos centro e latino-americanos, a JBG fala diretamente apresentando seus membros. Explicam que a JBG é fruto da luta do EZLN. Como autoridades civis e como bases de apoio do EZLN, explicam os sete princípios do mandar obedecendo e a autonomia. Explicam que são autoridades autônomas e que lutam contra o neoliberalismo, contra o Plano Puebla-Panamá, etcétera. Aconselham-nos a não abandonarem suas terras, que é mais seguro trabalhar o seu pedaço de terra, que é melhor lutar por democracia, liberdade e justiça em seus países, que o seu sonho americano não é seguro porque muitos morreram na passagem, que para nós não há nenhum problema e podem transitar livremente porque somos iguais a eles, que não se permitirá que lhes roubem muito dinheiro por sua viagem porque é assim que têm se enriquecido os empresários que lidam com migrantes clandestinos. Damos a eles comida, refrescos, galletas.[1] È aí que os migrantes clandestinos começam a confiar, começam a contar suas vidas, contam que alguns têm ouvido Rádio Insurgente em seus países. Ficam agradecidos. Aos polleros que se consegue identificar, todo o dinheiro que levam é repartido em partes iguais entre todos os migrantes clandestinos centro-americanos, adverte-se o pollero que da próxima vez que for surpreendido fazendo a mesma atividade será castigado. Em outra ocasião, quando de um grupo de centro-americanos que transitavam a pé, falou-se com eles e se detectou o pollero, que disse ser de nacionalidade guatemalteca e que trazia hondurenhos, guatemaltecos, salvadorenhos e que havia cobrado mil e 5oo Pesos de cada um dos centro-americanos; foi revistado e se encontrou a quantia de 31 mil 905 Pesos, 700 Quetzales e 31 dólares, a mesma que lhe foi tirada e distribuída em partes iguais aos migrantes clandestinos. Atualmente, encontra-se detido um traficante de migrantes nacionais cumprindo um castigo de 6 meses depois da advertência que lhe havia sido feita" 5. Sobre as eleições locais chiapanecas de 3 de outubro de 2004.. Em julho deste ano, delegados do Instituto Estadual Eleitoral de Chiapas se apresentaram nas diferentes Juntas de Bom Governo para fazer um acordo que permitisse o trabalho do IEE. Esta foi a resposta dada: Ao Instituto Estadual Eleitoral de Chiapas, México. Secretaria Executiva. Tuxtla Gutiérrez, Chiapas, México. Presente. Senhoras e senhores: Escrevemos para informar quanto segue: 1. Recebemos sua atenciosa carta com a data de 14 de julho de 2004 que nos fala com respeito para solicitar o apoio desta Junta de Bom Governo para facilitar o trabalho do seu Instituto Estadual Eleitoral em terras zapatistas. 2. Como vocês sabem, nós não acreditamos que as eleições sejam um verdadeiro caminho para os interesses do povo, mas estamos conscientes de que haverá gente que ainda acredita nisso como um caminho para resolver os problemas do povo mexicano. O descrédito dos partidos políticos é muito grande porque só enxergam seus interesses e não os das maiorias, mas pode ser que haja pessoas que ainda pensem que nos de cima há um pouco de honestidade. 3. Como Junta de Bom Governo, o nosso trabalho é ver que se respeitem todos os pensamentos e maneiras de cada um nos territórios zapatistas, sem que para isso importe se as pessoas são zapatistas ou não, e também se são antizapatistas. Porque nós não queremos que todos se tornem zapatistas à força, mas sim que cada um seja como quer ser, mas respeitando e sendo respeitado nos diferentes modos e pensamentos. 4. Por isso, dizemos claramente que não terão nenhum problema em realizar o seu trabalho nas comunidades que integram os Municípios Autônomos reunidos nesta Junta de Bom Governo e que são: (lista dos Municípios Autônomos). Pedimos somente que, assim como nós respeitamos aqueles que querem votar, vocês respeitem aqueles que não querem fazê-lo e não obriguem ninguém a fazer o que não quer fazer. 5. Portanto, já têm a garantia para fazer o seu trabalho no território que pertence a nossa Junta de Bom Governo e veremos que não tenham problemas, claro que respeitando sempre a vontade das comunidades. Nos dias que antecedem a jornada eleitoral do 3 de outubro de 2004 e neste dia, o Instituto Estadual Eleitoral de Chiapas poderá realizar seu trabalho sem obstáculo algum por parte das comunidades zapatistas que se agrupam em nossa Junta de Bom Governo. 6. Dizemos também que na lista das comunidades que nos passaram em sua atenciosa carta há algumas que não pertencem à nossa Junta de Bom Governo, mas sim à de (nome da outra JBG), razão pela qual recomendamos que se dirijam também aos irmãos e irmãs desta Junta de Bom Governo para obter sua permissão. Temos certeza de que responderão na mesma forma atenciosa e respeitosa por nós usada. 7. Como se vê, quando há respeito mútuo de ambas as partes, então há bom entendimento. Nós zapatistas não queremos impor nada, só queremos que nos respeitem e haja um bom acordo entre os diferentes. Agradecemos o tom de sua carta e os saudamos da mesma forma. Atenciosamente. (Assinam os membros da Junta de Bom Governo em questão). (a continuar...) Das montanhas do Sudeste Mexicano.
Subcomandante Insurgente Marcos. México, agosto de 2004. 20 e 10.
https://www.alainet.org/es/node/110653
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