A Educação e o PIB
14/01/2005
- Opinión
Estamos passando por um momento de especial euforia com
a elevação de 5,3% no conjunto das riquezas produzidas
pelo país. Essa boa nova, entretanto, tende a produzir
um foguetório que pode acabar ofuscando nossa visão de
longo prazo, tirando de foco desafios fundamentais que se
apresentam no horizonte. De fato, o resultado do PIB
que está aí é bom, merece ser comemorado, mas não podemos
deixar que ele nos faça esquecer que temos uma longa
trajetória a percorrer. Mais que isso: não podemos deixar
que as comemorações em torno da retomada da economia nos
façam esquecer que a chave do crescimento sustentado não
se encontra apenas na seara dos dados econômicos. É
preciso manter presente que o nosso futuro depende também
de outras questões essenciais e uma delas é a capacitação
e qualificação de nosso capital social, por meio da
educação.
O problema é que o tema ainda parece não ter entrado na
pauta das discussões nacionais como deveria. Estamos
acostumados a vasculhar cotidianamente informações sobre
a produção, sobre o câmbio, debatemos com ânimo as
contas externas, a trajetória dos juros, as questões da
infra-estrutura, em busca de uma luz para o nosso
desenvolvimento, mas o tempo que dedicamos à discussão
dos problemas educacionais ainda não foi suficiente para
resolver seu dilemas.
E neste campo, de fato, ainda temos obstáculos enormes a
superar. O relatório sobre a situação da educação no
mundo, divulgado no início de novembro pela Organização
das Nações Unidas para a Educação (UNESCO), dá alguns
indícios do tamanho do problema. Segundo a entidade, o
Brasil se situa numa modestíssima 72ª colocação num
ranking de 127 nações quando o assunto é fornecer boa
educação aos cidadãos, o que demonstra que estamos longe
de conquistar nosso espaço entre os países que alcançaram
a excelência no segmento.
Segundo o estudo, embora o Brasil avance, ao colocar na
escola, ao longo dos últimos anos, a quase totalidade
das crianças entre 7 e 14 anos, não estamos conseguindo
manter as crianças nos bancos escolares após a 4ª série
do ensino fundamental, o que nos coloca atrás de países
como Peru e Equador no Índice de Desenvolvimento
Educacional divulgado pela instituição.
Na avaliação da UNESCO, o Brasil ainda faz par com países
como Suriname e Nicarágua ao iniciar o ensino formal das
crianças aos 7 anos, quando na maioria das nações da
América Latina os estudos têm início aos 5 ou 6 anos de
idade. Pelo levantamento, também não mantemos as crianças
estudando o tempo necessário para que elas realmente
adquiram conhecimento. Nossas crianças permanecem na
escola diariamente cerca de 4 horas quando o
recomendado seria algo em torno de 5 horas.
Este quadro produz conseqüências que merecem nossa
atenção. O estudo 3º Indicador Nacional de Alfabetismo
Funcional, realizado em 2003 pelo Instituto Paulo
Montenegro, do Grupo IBOPE, revela que somente 25% dos
brasileiros entre 15 e 64 anos demonstram habilidades
plenas de escrita e leitura. Ou seja, conseguem ler
textos relativamente longos, localizar neles diferentes
informações e estabelecer correlação entre elas. O
restante da população não chega a tanto. Segundo o
levantamento, 8% encontram-se em estado de analfabetismo
total, 30% têm um nível de habilidade muito baixo ("só
são capazes de localizar informações simples em
enunciados com uma só frase") e 37% conseguem localizar
apenas uma informação em textos curtos, indicando
alfabetização básica, de pouca utilidade num mundo cada
vez mais sofisticado.
No campo da matemática também vamos muito mal. Os
resultados de 2003 do Programa Internacional de Avaliação
de Estudantes, que acabam de ser divulgados e que já
receberam tratamento editorial na Folha e em outros
jornais do país, não deixam dúvidas sobre o assunto.
Nossos estudantes de 15 anos, que participaram do
programa, ficaram em último lugar num conjunto de testes
de matemática a que foram submetidos alunos de 41 países.
Estamos, assim, equiparados aos tunisianos e indonésios
em matéria de cálculo.
O 4º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional,
produzido pelo Instituto Paulo Montenegro ao longo de
2004, também chama a atenção para o problema. O estudo
revelou que apenas 23% dos brasileiros entre 15 e 64 anos
são capazes de ³adotar e controlar uma estratégia na
resolução de um problema que envolva a execução de uma
série de operações². Segundo o estudo, ³só essa parcela
(23%) é capaz de resolver problemas que envolvam cálculo
proporcional². E mais: ³apenas nesse grupo encontram-se
sujeitos que demonstram certa familiaridade com
representações gráficas como mapas, tabelas e gráficos².
Se não transformarmos a realidade descrita até aqui, não
há como esperar que o crescimento do PIB transforme-se
numa realidade de longo prazo. Para que o país cresça de
verdade e de forma contínua precisamos de mão de obra
qualificada, de trabalhadores instruídos, de cidadãos com
capacidade de reflexão, de consumidores preparados e de
cientistas e pesquisadores de primeira linha. Este quadro
só construiremos com investimentos maciços em nosso
capital humano, em nossos talentos.
O brasileiro é de uma criatividade incomparável. Somos
flexíveis, adaptáveis, inovadores, talentosos, arrojados
e, mesmo na adversidade, mostramo-nos capazes de realizar
grandes metas. O que precisamos agora é garantir que todo
este estoque de boas qualidades seja estimulado, lapidado
e preparado para um futuro em que o conhecimento será
cada vez mais requisitado, convertendo-se em elemento
fundamental no cenário da competição global. Sem isso
vamos continuar soltando rojão sem ter muito o que
comemorar.
* Milú Villela é Embaixadora da Boa Vontade da UNESCO e
Presidente do FAÇA PARTE-Instituto Brasil Voluntário
https://www.alainet.org/es/node/111183
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