Trotski, o PSTU e a cisão na CUT

18/04/2005
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A partir de uma leitura principista sobre a natureza “neoliberal e pró-imperialista” do governo Lula e da avaliação voluntarista sobre a gestação iminente de uma crise revolucionária no planeta [1], o PSTU tem exacerbado o seu sectarismo entre as esquerdas brasileiras. Tudo é feito para demarcar campos. Ninguém presta! No auge da sua soberba, ele estigmatiza todas as demais correntes do campo popular. “Se explodir a revolução brasileira, o que veremos da parte desses dirigentes será mais e não menos traição... Tudo isso ocorre porque não se trata de revolucionários confusos e, sim, de setores ganhos pelo regime capitalista a partir dos privilégios materiais que este lhes outorga”, esbraveja um ideólogo desse grupo trotskista [2]. Sobre o PT e o PCdoB, os rótulos já são conhecidos contra “os traidores sociais-democratas e stalinistas”. Mas os ataques não cessam. Até o MST, reconhecido por sua capacidade de mobilização, não é poupado pelos donos da verdade encastelados nesse partido. “A direção do MST tem a estratégia de pressionar o governo pela reforma agrária, mas mantendo o seu apoio a Lula. João Pedro Stedile, líder do MST, considera Lula e Rosseto como aliados para a reforma agrária... Por esses motivos, a direção do MST não poderia se somar numa marcha contra o conjunto do governo”, critica o jornal desse grupo [3]. Um outro texto presunçoso é taxativo: “O apoio crítico que a direção do MST dá ao governo é um erro fatal” [4]. Já o recém-criado P-SOL, que tem na sua executiva nacional uma maioria egressa dessa facção trotskista, disputa as mesmas bases sociais e já atraiu diversos quadros dessa organização, é hoje o alvo predileto da língua ferina do PSTU. Excluído da fundação desse novo partido, ele sentiu o baque e foi para a revanche, teorizando sobre seu caráter reformista, eleitoreiro e burocrático [5]. A esquerda petista, que possui várias tendências de matriz trotskista, também é recorrentemente alvejada. A metralhadora giratória chega a ser risível – não fossem trágicos os seus efeitos. Com essa cegueira sectária, o PSTU incentiva a cizânia nos movimentos sociais. “É hora de romper com o governo, com a CUT e com a UNE”, atiça seu jornal [6]. Ruptura na CUT O ataque mais virulento, porém, tem se dado no front sindical. A partir das críticas – muitas delas justas – à postura passiva e acrítica da CUT diante do governo Lula, o PSTU resolveu precipitar um processo de desfiliação da central e de criação de uma nova instância – a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas). Surgida de contrabando num encontro contra a reforma sindical, realizado em Luiziânia (GO) em março de 2004, essa híbrida articulação reúne ex-filiados cutistas, oposições sindicais, organizações estudantis, movimentos comunitários e até algumas entidades antes taxadas de pelegas. Sua conformação é bastante gelatinosa. É mais um amontoado de organizações sociais do que uma entidade de caráter sindical! Não há precisão sobre a sua real força. Segundo José Maria de Almeida, ex-membro da executiva da CUT e principal líder da Conlutas, o evento de Luiziânia teve “1.800 sindicalistas de quase 300 entidades”. Já o encontro realizado no Fórum Social Mundial, em janeiro último, contou com 1.448 credenciados de 178 entidades sindicais, 21 organizações estudantis e 11 movimentos populares – inclusive dos sem-terra [7]. Se sua representatividade é um mistério, a hegemonia interna é inquestionável. O PSTU é o indutor dessa coordenação e deseja ardentemente formalizá-la como central. Algumas entidades do funcionalismo têm até garantido a sustentação da Conlutas, mas já criticam nos bastidores à postura aparelhista desse partido. Já algumas correntes cutistas, desiludidas com os rumos do governo Lula e ressentidas pelo hegemonismo da força majoritária da central (Artsind), ainda debatem a justeza e a viabilidade desse fórum paralelo. No P-SOL, uma frente partidária bastante heterogênea, alguns grupos já anunciaram a sua adesão à Conlutas; outros estão reticentes. Todos, porém, usam a mesma língua ferina para se vingar do seu concorrente. “Se o PSTU tivesse uma linha mais democrática, não de manipulação, a Conlutas poderia se desenvolver com força. Seu futuro, porém, está ameaçado pelo sectarismo”, analisa uma das tendências do P-SOL [8]. Outra corrente interna é ainda mais dura. Acusa o PSTU de desvirtuar a reunião de Luiziânia e de se aliar a “setores do sindicalismo brasileiro historicamente ligados à direita, aos patrões, à velha estrutura pelega sindical e com seus também tradicionais métodos burocráticos e gangsteristas (Federação dos Gráficos de São Paulo, a velha Federação dos Metalúrgicos de Minas Gerais e a dos Rodoviários do Rio de Janeiro)”, lista um texto assinado, entre outros, por Junia Gouvêa e Agnaldo Fernandes, ex-dirigentes do PSTU [9]. Para essa tendência do P-SOL, “a visão do PSTU de construir o seu aparelho, como forma de responder as traições da burocracia cutista, contribui para aprofundar as barreiras e divisões entre setores da classe”. Guerra campal A confusão é grande e os estragos são maiores ainda. Para fazer vingar o seu projeto fracionista e evitar o total isolamento, o PSTU decidiu desencadear uma verdadeira guerra campal contra a CUT. “Levar para a base de todos os sindicatos, na forma de campanha, a discussão sobre a necessidade de se romper com a central”, orienta o relatório da Conlutas. Essa disputa fratricida já atingiu diversas bases de trabalhadores e no momento mais inoportuno possível! Ao invés de unificar forças e concentrar energias, por exemplo, no combate à reforma sindical de viés liberal do governo Lula, esse racha tem obrigado muitos ativistas a se digladiarem no debate sobre ficar ou não na CUT. O clima é tenso, inclusive com cenas de agressão. Em alguns casos, a Conlutas tem seduzido áreas decepcionadas com os rumos do governo Lula. A Andes, o sindicato nacional dos docentes, acaba de aprovar a desfiliação da CUT por 192 votos a favor, 85 contra e 12 abstenções. “Num momento crucial de discussão sobre reformas trabalhista, sindical, universitária, a organização mais importante dos professores universitários se isola inapelável e irremediavelmente da grande maioria dos trabalhadores organizados do país. Uma decisão lamentável”, registra um conceituado intelectual. Para ele, “se a acusação contra a direção da CUT é a de sucumbir ao partidarismo atrelado, essa saída intempestiva também aponta o iceberg do atrelamento partidário” [10]. Em outros casos, o PSTU sorve o seu próprio veneno. Em dezembro, a assembléia dos metalúrgicos de Belo Horizonte rejeitou a proposta de saída da CUT e, de quebra, ainda decidiu se desfiliar da federação estadual da categoria, principal biombo da Conlutas em Minas Gerais. Na seqüência, outros sindicatos do setor, como os de Betim, João Monlevade e Timóteo, trilharam o mesmo rumo, num duro revés no PSTU. No mesmo mês, a assembléia dos trabalhadores em correios e telégrafos do Rio Grande do Sul rejeitou a proposta da diretoria da entidade, hegemonizada por essa corrente, de saída da CUT. Em março passado, a Conlutas também sofreu derrotas em expressivos sindicatos de servidores, como o da capital paulista. Até agora, segundo um levantamento parcial, a Conlutas conseguiu desfiliar apenas 16 entidades da CUT [11]. Mas a baixa adesão não arrefece o “otimismo voluntarista” dos dirigentes desse partido, que tentam escamotear as razões de suas dificuldades e difundem a emulação de que a Conlutas crescerá na inevitável erosão da CUT. “Esse ano não estamos filiando ninguém. Nos nossos planos estão apenas manifestações. Vamos começar a filiar a partir de 1º de Maio”, justifica o sempre animado José Maria de Almeida. Nos bastidores, porém, o PSTU já reconhece os graves riscos de seu isolamento. Até a esquerda petista e o P-SOL têm evitado a presença desse grupo em chapas unitárias do campo da CUT. Leitura voluntarista A participação numa “central única” nunca foi uma questão de princípios no sindicalismo. Após a vitória da revolução russa e com a ofensiva da luta revolucionária, os próprios comunistas propuseram a ruptura com as entidades burocratizadas e reformistas. Na seqüência, diante do refluxo do movimento operário e de seu isolamento em “sindicatos vermelhos”, os mesmos pregaram a reconstrução de entidades unitárias. Já no pós-II Guerra, a socialdemocracia européia e o tradeunionismo estadunidense financiaram a cisão do sindicalismo para se contrapor à crescente hegemonia dos comunistas. A Confederação Internacional das Organizações Sindicais “Livres” (Ciosl) foi criada em 1949 com essa triste missão divisionista [12]. Se a questão não pode ser tratada de forma principista, a presença na CUT também não é algo irreversível e indiscutível. Essa central é o maior patrimônio da luta dos trabalhadores, forjada no combate à ditadura e na resistência à implantação do neoliberalismo. Ela reúne o que há de mais dinâmico e representativo no sindicalismo: conta com 3.262 entidades filiadas, representando 21.972 milhões de trabalhadores e 7.422 milhões de sindicalizados. Apesar disto, há muito que a CUT enfrenta graves limitações. Muitos delas decorrem de fatores objetivos e da própria fase de defensiva estratégica da luta dos trabalhadores; outras, porém, derivam de distorções subjetivas, da orientação reformista adotada por sua corrente majoritária. Desde sua origem, a central é hegemonizada de maneira exclusivista pela Articulação Sindical (Artsind), que a utiliza como um aparelho para suas pretensões. Além disso, na fase recente são visíveis os sinais de burocratização e acomodação da central [13]. Com a vitória de Lula, esse problema se agravou, beirando certa subserviência diante do novo governo. Essa limitação ficou patente em diversas ocasiões, como na batalha contra a privatista e fiscalista reforma da Previdência. Agora, diante dos graves riscos da reforma sindical, ela exacerba a sua postura acrítica e ainda cerceia o debate interno. Não é para menos que várias correntes de esquerda e até setores rebeldes da Artsind demonstram insatisfação com os rumos da central. Todo esse processo, entretanto, não justifica a atitude precipitada e sectária do PSTU. No caso concreto, a criação da Conlutas parte de premissas equivocadas e traz enormes prejuízos à luta dos trabalhadores. Por um lado, essa iniciativa superestima a atual correlação de forças no país, apostando no rápido desgaste do governo Lula e na sua iminente ultrapassagem pela esquerda. A rearticulação da direita tucana não pesa nessa análise. Para um partido que obteve menos de 0,2% dos votos nas eleições de 2004 e elegeu só dois vereadores e teve 7% dos delegados no último Concut, as condições já estariam “caindo de maduro” para a ruptura revolucionária. Daí a sua postura de demarcar campos e de construir artificialmente a Conlutas. Nesse mesmo diapasão voluntarista, o PSTU debita na “traição das direções” toda a responsabilidade pela atual fase de defensiva do sindicalismo. Não leva em conta os efeitos da crise capitalista, com a explosão do desemprego, da informalidade e da precarização do trabalho; nem o amargo remédio neoliberal; nem o destrutivo processo de reestruturação produtiva. Na sua leitura simplista, toda a fraqueza do sindicalismo decorre apenas de fatores subjetivos, é culpa dos reformistas e centristas. O PSTU só não explica porque nas poucas entidades em que dirige não há uma ofensiva dos trabalhadores, porque elas não servem de exemplos de representatividade e porque muitas delas padecem dos mesmos males da burocratização. Por último, no que se refere às premissas errôneas, essa agrupamento trata de forma homogênea a CUT e mesmo a Artsind. Não há nuances na análise. É preto ou branco! Ele não valoriza a disputa interna sobre os rumos da central, a cultura cutista forjada em duas décadas e meio de lutas, os milhares de sindicatos filiados, a presença de outras forças de esquerda e de lideranças independentes, e nem as contradições latentes na própria tendência majoritária. Todos são pelegos, traidores da classe. Para um dos principais líderes do PSTU, “no governo Lula, a CUT deu um salto em sua integração ao Estado, com acesso direto às verbas estatais. Hoje cumpre o papel que os pelegos cumpriam no passado” [14]. Haja reducionismo! Efeitos do sectarismo Se as premissas são falsas, piores são os seus efeitos. Entre outros prejuízos, essa postura reforça atitudes sectárias que dificultam ações unitárias dos trabalhadores. No momento em que se requer maior unidade para se contrapor às pressões do capital e às dubiedades do governo, o PSTU prioriza a disputa fratricida. Na sua pressa para derrubar o governo Lula e para implodir a CUT, ele esquece que “o processo mediante o qual o proletariado compreende a sua missão histórica é longo e penoso e está repleto de contradições internas. Somente através de prolongadas lutas, de duras provas, de muitas vacilações e de uma ampla experiência, os melhores elementos da classe operária atingem essa compreensão” [15]. Essa conduta política, que já se tornou marca registrada do PSTU, revela “uma espécie de impaciência artificial, uma falta de confiança no crescimento gradual da influência do partido, um desejo de ganhar as massas mediante manobras organizativas” [16]. Num cenário que ainda é de defensiva estratégica da luta do proletariado, e não de ofensiva revolucionária, esse grupo menospreza a real correlação de forças na sociedade e parece partir para o desespero do tudo ou nada. Ele não percebe que a CUT surgiu numa fase de ascenso da luta operária e, por isso, ganhou força e prestígio nas massas; e que num contexto adverso, como o atual, essa “ousadia” voluntarista só confunde a vanguarda e divide as bases. Essa postura também estimula a divisão dos trabalhadores. Ela é deflagrada no topo do sindicalismo, no rompimento com a CUT, mas logo contamina certas bases sindicais. Os sindicatos, como organismos de “frente única”, não ficam imunes aos embates na cúpula. Não é para menos que a Conlutas já estimula chapas que tenham como critério básico a “oposição à CUT”; e, como resposta natural, que as forças cutistas, inclusive as de esquerda, já proponham excluir o PSTU das chapas unitárias desse campo. Com o tempo, os adjetivos e ações raivosas contra a central podem se transformar em apelos pela criação de entidades “puras” na base – o que reforçaria o perigoso caminho da partidarização do sindicalismo. Na prática, essa conduta se contrapõe à tradição do movimento comunista. Na rica e conturbada história do sindicalismo, os revolucionários sempre zelaram pela unidade dos trabalhadores e rejeitaram a divisão dos sindicatos. Partiram da visão de que “quanto mais amplas massas abarca determinada organização, maiores são as possibilidades que se oferecem à vanguarda revolucionária. É por isso que, geralmente, não é a ala comunista mas sim a ala reformista que toma a iniciativa de dividir as organizações de massa... Somente os sectários podem preferir uma maioria segura numa confederação sindical pequena e isolada em vez do trabalho de oposição numa organização ampla e realmente massiva” [17]. Na atual fase de crise estrutural do capitalismo e de violenta ofensiva neoliberal, o sindicalismo padece de inúmeras limitações. Muitas decorrem de fatores objetivos, que afetam a própria materialidade da classe; outras derivam de problemas subjetivos. Diante dessas dificuldades, “surge imediatamente uma idéia: não é possível superar os sindicatos? Não é possível substituí-los por alguma organização nova, incorrupta, algo assim como sindicatos revolucionários? O erro fundamental desse tipo de intenção está em que reduz o problema político de como libertar as massas da influência da burocracia a experiências organizativas. Não basta oferecer às massas outro lugar onde se dirigir. Deve-se ir buscá-las onde elas estão e dirigi-las”. “Os esquerdistas impacientes dizem às vezes que é absolutamente impossível ganhar os sindicatos porque a burocracia usa o regime interno das organizações para preservar seus próprios interesses, recorrendo às maquinações mais grosseiras... Esse argumento se reduz, na realidade, ao seguinte: abandonemos a luta concreta para ganhar as massas, usando como pretexto o caráter corrupto da burocracia sindical. Ele pode ser desenvolvido: por que não abandonar também o trabalho revolucionário em vista da repressão e da provocação da burocracia estatal? (...) Precisamente na época atual em que a burocracia reformista do proletariado se transformou em guardiã do capital, a ação revolucionária nos sindicatos, realizada inteligente e sistematicamente, pode chegar a resultados decisivos num prazo relativamente curto” [18]. Auto-exílio do PSTU A postura do PSTU ainda gera outros dois efeitos negativos: ela desequilibra a correlação de forças no interior da CUT e leva ao próprio isolamento dessa organização política. Como expressão das virtudes e debilidades da luta dos trabalhadores nos últimos 25 anos, essa central nunca foi homogênea – diferente das centrais sociais-democratas da Europa ou da AFL-CIO nos EUA. Em seu interior convivem diversas correntes de pensamento. Mesmo a tendência majoritária, a Artsind, vive tensões permanentes e públicas entre um setor mais burocratizado e cupulista e outro mais dinâmico e combativo. Os oito congressos da CUT sempre refletiram essa disputa intensa, com votações apertadas e maiorias frágeis. Ao abandonar intempestivamente a CUT, o PSTU só desequilibra esse jogo, favorecendo exatamente os setores hegemonistas da Artsind. Isso ficou patente na votação, em 16 de março, do projeto de reforma sindical do governo na executiva da central, que foi aprovado por 13 votos contra 12. Na prática, a ação precipitada e voluntarista desse partido acaba servindo aos propósitos dos que querem desvirtuar de vez o papel da maior central sindical brasileira, transformando-a num organismo domesticado e burocrático. Já ao optar pela criação de uma “central pura”, distante do nível de experiência concreta dos trabalhadores, o PSTU decreta o seu próprio exílio social e reforça ainda mais as suas “patologias sectárias”. “Isolando-se cada vez mais da classe operária, os comunistas enfrentaram os sindicatos, que abarcavam milhões de operários, com suas próprias organizações muito respeitosas, mas separadas por um abismo da classe operária. À burocracia sindical não se podia fazer um favor maior” [19]. “A tentativa sectária de criar ou manter pequenos sindicatos ‘revolucionários’, como segunda edição do partido, significa, de fato, renunciar à luta pela direção da classe operária. É necessário esclarecer este princípio irredutível: o auto-isolamento capitulador dos sindicatos de massas equivale a uma traição à revolução” [20]. Ensinamentos de Trotsky Todas as citações acima são de autoria do revolucionário russo Leon Trotsky, principal referência teórica e prática do PSTU e da sua seção mundial, a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT). Na sua sinuosa trajetória, ele nunca tratou a complexa questão da unidade como um “princípio puro por cima da realidade pecadora” e sempre enfatizou que “não fazemos um fetiche da unidade sindical. Não preterimos nada que signifique luta para quando se consiga a unidade”. Mesmo na defesa da unidade, ele exigiu “as garantias organizativas da democracia sindical, em primeiro lugar, e da liberdade de critica para a minoria sindical, sempre com a condição de que se submeta à disciplina sindical” [21]. Várias dessas opiniões foram formuladas nos anos 30, num período em que certas organizações trotskistas descambaram para posições ultra-esquerdistas, aliando-se inclusive a setores de direita do sindicalismo, e sucumbiram no total isolamento. Como já se precaveu o antenado intelectual e militante Valério Arcary, elas revelariam o esforço de Trotsky para corrigir os desvios dos seus seguidores, jovens e inexperientes. “Interpretá-las fora desse contexto não é razoável”, apela o autor [22]. Mas será que estes textos seriam apenas conjunturais, datados e descartáveis? Ou revelariam uma preocupação estratégica de Trotsky com os destinos do movimento operário e com o futuro das próprias organizações que se intitulam trotskistas? Vladimir Lênin, principal dirigente da revolução russa, polemizou com Trotsky em temas nevrálgicos da estratégia e da tática dos comunistas. Ambos estiveram em campos opostos na maior parte da experiência russa e não tergiversaram na luta de idéias. “Os velhos militantes marxistas russos conhecem Trotsky e é inútil falar-lhes dele. Mas a jovem geração operária não o conhece e é necessário falar-lhe dele. É preciso que ela saiba com quem tem que se haver quando certas pessoas erguem pretensões inacreditáveis” [23]. Mesmo na questão sindical, os dois tiveram abissais divergências – antes e depois do poder soviético. Na fase final de sua militância, Trotsky ainda radicalizou essas diferenças. É do seu famoso “Programa de Transição”, que serve de dogma para algumas organizações trotskistas, a caracterização simplista de que as condições já estariam “caindo de maduras” para a revolução, que só não vingaria devido à “traição das direções”. Num de seus últimos textos, ele quase nega o papel do sindicalismo e arroga: “Sem a direção política da IV Internacional, a independência dos sindicatos é impossível” [24]. Mas, apesar dessa posição errática, muitas das idéias de Trotsky sobre sindicalismo precisariam ser mais estudadas, principalmente pelos que se dizem seus fiéis seguidores. Trotsky parecia bem mais ponderado do que muitos trotskistas! * Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e organizador do livro “A reforma sindical e trabalhista no governo Lula” (Editora Anita Garibaldi). Notas 1- Altamiro Borges. “O governo Lula e a ‘tática’ do PSTU”. Portal Vermelho, julho de 2003. 2- Martin Hernández. “Um vendaval oportunista corre o mundo”. Liga Internacional dos Trabalhadores. 3- “A divisão da marcha pelo MST”. Jornal Opinião Socialista, dezembro de 2004. 4- Nazareno Godeiro. “É possível conquistar a reforma agrária no capitalismo?”. Revista Marxismo Vivo. 5- Eduardo Almeida. “O novo partido velho”. Portal do PSTU. 6- Editorial do Jornal Opinião Socialista, dezembro de 2004. 7- “Relatório do Encontro Nacional da Conlutas”. Janeiro de 2005. 8- “Contribuição do MES sobre o debate sindical do P-SOL”. Revista Movimento, 01/07/04. 9- “Debate sindical do P-SOL”. Coletivo Socialismo e Liberdade, julho de 2004. 10- Flávio Aguiar. “Uma decisão lamentável”. Agência Carta Maior, 16/03/05. 11- Fernanda Medeiros. “Desencantados, sindicatos abandonam a CUT”. Jornal O Globo, 21/03/05. 12- Sérgio Ribeiro. “O sindicalismo mundial”. Edições Sociais, Lisboa, 1975. George Morris. “A CIA e o movimento operário americano”. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1967. 13- Iram Jácome Rodrigues. “Sindicalismo e política: a trajetória da CUT”. Editora Scritta, 1997. Ariovaldo Santos. “Trabalho e globalização: a crise do sindicalismo propositivo”. Editora Práxis, 2001. 14- Eduardo Almeida. “CUT: romper com o velho para construir o novo”. Portal do PSTU. 15- Leon Trotski. “Uma discussão necessária com nossos camaradas sindicalistas”. Março de 1923. 16- Trotski. “Os erros de setores de direita da liga comunista sobre a questão sindical”. Janeiro de 1931. 17- Trotski. “A questão da unidade sindical”. Março de 1931. 18- Trotski. “Os sindicatos na Grã-Bretanha”. Setembro de 1933. 19- Idem. 20- Trotski. “Programa de transição”. México, 1938. 21- Trotski. “A questão da unidade sindical”. Março de 1931. 22- Valério Arcary. “Ir ou não ir além da CUT?”. Portal do PSTU, 23/03/05. 23- “Trotsky e o trotskismo”. Vários autores. Editora Maria da Fonte, Portugal, 1975. 24- Trotski. “Os sindicatos na época da decadência imperialista”. Agosto de 1940.
https://www.alainet.org/es/node/111790
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