A UNESCO e a educação no Brasil
12/07/2005
- Opinión
No final de junho, o Banco Mundial divulgou um estudo no qual avalia a redução da pobreza em 14 países. Entre as suas várias e importantes conclusões, duas se destacam. A primeira aponta que, para cada 10% de crescimento do PIB per capita, a pobreza caiu apenas 9% no Brasil, contra 17% em média nas demais nações. A segunda indica que a diminuição foi mais expressiva nos países que investiram mais em educação, como, por exemplo, o Vietnã. De acordo com o estudo, não fosse o déficit educacional no Brasil, o número de pessoas pobres teria caído entre 35% e 50% em vez dos 24% registrados entre 1981 e 2001.
"Se o país quiser que mais pobres aproveitem seu crescimento, ampliar o acesso a escolas de qualidade é prioritário"
Esses números, sem dúvida eloqüentes, confirmam a opinião de muitos educadores no Brasil. E reforçam, sobretudo, a relevância de uma idéia pregada há anos pela Unesco: se o país quiser que mais pessoas pobres se beneficiem do seu crescimento, ampliar o acesso a escolas de qualidade é medida prioritária que precisa figurar no topo da agenda política. Sem educação para todos, nenhum país conseguirá reduzir a pobreza nem suas desigualdades -defende a agência das Nações Unidas, que completa 60 anos em 2005.
A menção à Unesco e, por tabela, a uma de suas inúmeras teses, nada tem de fortuita. Ao fazê-la, não como mera analista técnica de seus feitos e contribuições, mas na condição de sua embaixadora da Boa Vontade, desejo chamar a atenção para um fato que certamente não passou despercebido para algumas pessoas: as pesquisas mais importantes sobre educação e desenvolvimento social divulgadas recentemente no Brasil ou levam a assinatura da Unesco ou confirmam, com absoluta fidelidade, análises anteriores, preceitos ou mesmo idéias defendidas pela organização.
Embora atue também nos campos da cultura, da ciência e da comunicação com o mesmo ideal de paz, justiça e tolerância, é na educação que essa agência tem exercido maior influência no Brasil, onde está há 41 anos com representação e há 33 anos com escritório próprio. São muitas as manifestações dessa influência. Vão de idéias e valores a práticas. O melhor exemplo talvez seja a adoção da tese da "educação para todos" no texto da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996.
Pertencente ao chamado E-9, grupo que reúne as nações mais populosas do mundo e, por essa razão, foco de ação preferencial da Unesco, o Brasil é um dos poucos países signatários dos documentos da organização que tomaram como base para o seu Plano Nacional de Educação os objetivos da Declaração Mundial de Educação para Todos, elaborada em Jomtien, em 1990.
Isso não é pouco. E faz muita diferença no papel e na ação. No papel, significa um compromisso moral com os elevados e desafiadores princípios da declaração que, em síntese, tratam de assegurar educação com qualidade para todas as crianças até 2015 e de expandir as oportunidades de aprendizagem para jovens e adultos. Na prática, significa que as ações educacionais realizadas no país, nos seus vários níveis - básico, alfabetização de jovens e adultos, fundamental, médio, técnico-profissional e superior -, devem levar em conta os objetivos estabelecidos no documento da Tailândia. E mais do que isso: persegui-los cotidianamente.
É certo que os resultados educacionais de que o Brasil precisa continuam distantes das metas convencionadas em Jomtien e aquém da necessidade de um país em desenvolvimento, sempre atrás de confirmar a sua vocação de grande nação. Embora mais crianças, jovens e adultos estejam na escola, ainda temos menos escolas do que o necessário, menos professores preparados, menos infra-estrutura e muito menos qualidade no ensino do que seria minimamente desejável para o nosso projeto de país.
É certo também que, sem o esforço feito pela Unesco há muitos anos, os avanços registrados teriam sido ainda mais tímidos. Seja no papel de advocacy da causa educacional como instrumento para erradicação da pobreza, seja no de estimular reflexões técnicas por meio de estudos, pesquisas comparativas, seminários, treinamentos, participação no desenho de políticas públicas, difusão de boas práticas e acordos de cooperação com o Ministério da Educação, órgãos estaduais e municipais, empresas e organizações da sociedade civil, a Unesco tem estado presente, como protagonista, no movimento pela melhoria da qualidade e democratização da educação no país.
A Unesco é dessas organizações que, por serem ao mesmo tempo tão ativas e tão onipresentes no debate dos grandes temas nacionais, acabam por deixar a nós todos acostumados à sua presença, certos de que nunca nos abandonará, deixando, quase sempre, de perceber o impacto de suas ações. E de valorizar suas contribuições com o devido reconhecimento. É dessas organizações, raras e fundamentais, que, se não existissem, fariam enorme falta. Inclui-se no rol das imprescindíveis para o desenvolvimento de um país.
- Milú Villela é embaixadora da Boa Vontade da Unesco e presidente do Faça Parte -Instituto Brasil Voluntário, do MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo) e do Instituto Itaú Cultural.
https://www.alainet.org/es/node/112429
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