O que é a notícia?
23/08/2005
- Opinión
À primeira vista, a notícia não poderia ser mais óbvia: de 2 a 5 de
agosto, especialistas em Educação de todo o Brasil reuniram-se no Recife,
na Fundação Joaquim Nabuco, para avaliar o programa nacional do livro
didático. Era e foi o Encontro Nacional do Programa do Livro Didático.
Simples, não? Como fato, claro e limpo como água boa. Não bastasse um
encontro nacional vir para um estado que um dia, dolorosamente distante,
foi o Leão do Norte, não bastasse um resistente por que me ufano da minha
terra, esse acontecimento seria notícia no Recife pelos temas e
discussões agendados.
Entre as muitas mesas e deliberações do Encontro havia uma pauta rica,
digna de matérias e reportagens, que variava de trabalhos como “A
diversidade cultural e a regionalização dos conteúdos dos livros
didáticos”, a “Compra de obras de ficção e de não-ficção pelo governo”,
ou essa coisinha boba, desprezível, de o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Educacional, o gerador desse Encontro, ser o maior
comprador de livros do mundo. Simples, não?
Simples, pero no mucho
Simples, sim, até a abreviatura. De Goiás ao Pará, passando pelos sites
da Câmara Brasileira do Livro e do MEC, o Encontro foi notícia. No
entanto, como a insinuar que nem todo fenômeno é muito simples, em
Pernambuco, acreditem, o silêncio foi quase absoluto. Somente o
www.pernambuco.com, com incursão breve como um raio em uma notinha no
Diário se dignou a mencionar o Encontro. Por que isto?, perguntaram-se os
especialistas em Educação reunidos no Recife. Numa tentativa de superar o
mal-estar, a Fundação Joaquim Nabuco encaminhou então um release aos
órgãos de imprensa de Pernambuco na quinta-feira 4 de agosto.
- Para quê? – Pra nada, como no poema de Ascenso Ferreira. O silêncio se
fez ainda mais cerrado. Desta vez, nada, nem notinha, em nenhum dos
jornais na sexta-feira 5 de agosto. Então o presidente da Fundação
Joaquim Nabuco, o ex, notem bem essa condição de ex, que remete a um
poder que se foi, o ex-Ministro da Justiça Fernando Lyra ligou para as
redações dos jornais do Recife, com educação e boas maneiras, como deve
ser toda relação e diálogo de uma autoridade com a imprensa. E recebeu
como sentença, onde não cabe apelação ou recurso, recurso jurídico, vale
dizer, porque veio de Editores e de uma instância inexorável, a resposta:
- O Encontro Nacional do Livro Didático do Programa do Livro Didático, do
Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional, com seus Programas e
Especialistas do Extremo Norte ao Chuí, com seus Temas e Declarações e
conseqüências sobre a vida escolar de milhões no Brasil, ainda que no
Recife, para a imprensa do Recife, não é notícia.
Mas o que é a notícia?
Perguntavam-se na penúltima sexta-feira os técnicos e sociólogos da
Fundação Joaquim Nabuco. Para exprimir um sentimento e palavra que
viraram moda e notícia, “perplexos”, perplexos, perguntavam-se. Sim, o
que é a notícia? Não adiantava ir aos dicionários, porque diante da
velocidade do mundo, e da leviandade ligeira do Brasil, a definição de
notícia dos dicionários já nasce mumificada. Até porque para ser um
relato, como está no Aurélio, um relato de interesse público, atual, não
é fácil atingir uma determinação. Nem mesmo o que é “de interesse”, o que
é “atual”, e o que é “público”, este principalmente, porque o público se
tornou cada vez mais privado. Esqueçamos, portanto, o dicionário, porque
ele não é recente, porque ele próprio não é um news em nenhuma revista, a
não ser como marketing de lançamento.
Mas esquecer não é superar, desde os mais antigos freudianos, à margem e
dentro do mercado. Especialistas diferentes, incluídos aí os professores
de comunicação, e até mesmo os velhos jornalistas, com o devido perdão
pela ausência do novo, do novíssimo jornalista, que sempre é indício, na
experiência humana, de qualidade pouca, diferentes especialistas
divergem. “Notícia é a expressão de um fato novo, que desperta interesse
do público a que o jornal se destina”, dizem uns. Mas o que é o fato
novo? É o acontecido há pouquíssimos instantes, ou o inusitado, o jamais
visto? Neste sentido, um homem que matasse um tigre a dentadas enquanto
escrevo estas linhas seria uma extraordinária notícia, pelos dois
motivos. No entanto, este incomum nem sempre é possível. Sabemos nós que
o mundo se move nem sempre por linhas absolutamente novas, novíssimas,
nunca pressentidas ou anunciadas, bomba, bomba, como desejam os editores,
mas por linhas às vezes em círculos, em voltas progressivas de espiral,
como de resto é a própria história humana.
Outros há que definem a notícia como tudo aquilo que possa interessar a
alguém (sexo, sangue, sport, pois não?), que notícia é a informação
transformada em mercadoria. A estes deveríamos dizer que o mercado não
precisaria depravar a informação a tanto. Uma coisa é o mercado servir-se
da notícia para veicular os seus produtos, e outra, um pouquinho
distinta, é fazer da própria notícia mercadoria. Por esse último caminho
chegaríamos fácil, fácil ao maravilhoso filme kodak dos atentados de 11
de setembro, ou ao anúncio comercial do genocídio da bomba de Hiroxima.
Não desçamos a tanto. O sensacionalismo, o lugar que cede a informação à
sensação, o real fantasiado para divertir ou idiotamente espantar já fez
suas matanças. Não há muito, o geneticista Genaro Paiva lembrou de
personagens oportunistas, que se dizem e são reconhecidos como amantes da
ciência, e que disso se aproveitam para espalhar “novidades” científicas,
não há muito um personagem do gênero espalhou a boa nova de que o produto
da mistura genética entre uma célula humana e uma célula vegetal
resultaria em algum monstro do tipo metade homem, metade raiz. E concluía
o geneticista, “ por incrível que pareça, esse imenso ridículo virou
notícia”.
O que é notícia
Notícia é aquilo que o editor no poder disser que é. Reinterpretou
(esquentou), viu-lhe um novo ângulo (pôs um molho), publicou, é notícia.
Isto não se ensina em canto algum, até porque há sempre uma distância
entre a Ética ensinada nas escolas e a prática do comum dos periódicos.
Lembramos sem orgulho de um redator em Goiânia, que certo dia, na pressa
de fechar a primeira página... Era madrugada alta. A página tinha um
buraco, e o diagramador, de raiva e maldade com o último jornalista na
redação, queria vê-lo em dificuldade. E somente havia uma única foto,
para ilustrar a manchete do jornal do domingo. O aflito redator enviou
então a única foto de um purificador de águas para que fosse diagramada
em posições distintas. Com a legenda: “o mesmo purificador em um ângulo
diferente”.
Não precisamos descer a tais ângulos de diferença. Mas uma olhada nos
jornais da sexta-feira 5 de agosto no Recife mostraria precisamente o que
foi notícia para os editores que rejeitaram uma reportagem sobre o
Encontro Nacional do Programa do Livro Didático. Em lugar da diversidade
cultural e regionalização dos livros didáticos, que não mais devem falar
de semáforo na cidade onde é chamado de farol ou sinal de trânsito, o
Diário de Pernambuco estampou o perigosíssimo perigo de “Raticida é
vendido em bancas de camelôs”. Matéria importante, pelo espaço e lugar na
página, na primeira do caderno Vida Urbana. Um aviso, quase uma homenagem
a uma criação do Recife, daí a regionalização do termo, pois tratava de
um violento agrotóxico conhecido pelo diminutivo de “chumbinho”, como os
pernambucanos o chamam. Comeu, matou. Mas não de ridículo, porque mais
adiante um colunista voltava ao tema, para maior realce: “Veneno também é
arma”. Alguém duvida?
A Folha de Pernambuco, por sua vez, na segunda página do primeiro
caderno, em lugar da secundária declaração do Presidente do FNDE (Fundo
Nacional de Desenvolvimento Educacional), “somos o maior comprador de
livros do mundo. Investimos mais de 600 milhões de reais na compra do
material“, em lugar de reproduzir e discutir a qualidade dessas
aquisições, achou de melhor interesse público a matéria “Linha New
Holland da Fiat é lançada para o nordeste”, que se abria com as linhas:
“A Escavadeira Hidráulica E215LC e a Pá Carregadeira 12B/W130, da linha
de equipamentos de alta performance da New Holland, marca internacional
do Grupo Fiat...”. E que se completava com as necessárias informações “a
compra pode ser facilitada com uma entrada de 20% do valor total do
equipamento, e saldo em 48 meses...”. O estômago não permite comentar.
O Jornal do Comércio, por fim, com sua linha mais sóbria, equidistante,
em lugar de notícias, aparentemente sem importância, como o programa da
compra de livros didáticos em braille para crianças e jovens cegos, ou de
notícias como a ampliação para todos os estudantes brasileiros do que já
é feito na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, a compra de
livros de ficção pelo governo federal, descortinou o universo maior de
“Homem preso ao invadir edifício”, que rico em detalhes, personagens e
emoções, bem poderia ser material para qualquer escritor brasileiro: “A
Polícia Militar prendeu ontem, no início da noite, Edson Bento da Silva,
26 anos, após ele ter invadido o edifício Praia de Itaguaré, nos Aflitos.
Edson pulou o muro do prédio, às 17h, sendo visto por funcionários e
moradores. O porteiro acionou o rádio-comunicador instalado pela
Secretaria de Defesa Social e...”.
A notícia do fim
A omissão da notícia de um Encontro desse porte, ou melhor, a ausência da
discussão dos temas levantados por tantos educadores reunidos, que dariam
motivo para textos mais substanciosos, da própria redação ou do mundo
intelectual de Pernambuco, sobre a qualidade do livro didático que temos,
ou sobre os programas educacionais que todos queremos, ou então sobre as
possibilidades que seriam abertas para os autores pernambucanos, a
omissão e ausência dessa notícia e discussão é apenas sintoma da rica
vida de Pernambuco que não atinge as páginas dos jornais.
Para quem não sabe, este é o Estado em que se encontram alguns dos mais
maduros e criativos pintores do Brasil. Esta é a região privilegiada de
poetas, de músicos, absolutamente anônimos, na melhor das hipóteses. Na
pior, hostilizados, diminuídos da sua estatura, como o desenhista Rodolfo
Mesquita. Este é o Estado, enfim, de toda criação à margem. Daí que em
seu lugar vicejem coisas teratológicas como esta manchete que reservamos
para o fim, que nos presenteia com a sua altíssima aberração e
sonoridade. Da Folha de Pernambuco, sábado, 6 de agosto:
PREÇO DO CHUCHU AUMENTA 200%. (GÜISQUIL AUMENTA 200%, gritaria o México.)
Manchete, titular, mais perfeita e estética, e curta, e grossa, que um
RECIFE É SEDE DO ENCONTRO NACIONAL DO PROGRAMA DO LIVRO DIDÁTICO.
Simples, não?
https://www.alainet.org/es/node/112797?language=en
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