O exercício da democracia popular
26/10/2005
- Opinión
O espírito da Ágora – praça onde os atenienses discutiam temas políticos – contagiou os arredores do ginásio Nilson Nelson, na tarde do dia 27, em Brasília. Distribuídos em 10 tendas gigantes instaladas, os 8 mil integrantes de mais de 40 organizações sociais brasileiras assumiram o papel de protagonistas na formulação de propostas para os problemas da população. Na cidade onde política é sinônimo do conchavo e da articulação de cúpula, a Assembléia Popular relembrou aos governantes e aos representantes do Parlamento o sentido original de democracia, o poder do povo.
Os debates não partiram do zero. Foram orientados pelos resultados de um extenso processo de discussões locais. Desde meados de 2005, movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil iniciaram um esforço para estimular o exercício da democracia direta, em uma conjuntura de completo descrédito com a chamada democracia representativa. Foram realizadas assembléias populares em comunidades, nos municípios, nas sub-regiões e, depois, nos Estados. Em todas, os participantes podiam elaborar propostas, de acordo com sua vivência, para intervir na realidade e assumir a condução do processo político.
O resultado desses debates locais foi consolidado em um documento único com sugestões divididas em dez temas, entre eles, soberania, trabalho, comunicação, campo, saúde e sistema político. Esse acúmulo serviu como referência para os acalorados debates da Assembléia Popular, marcados também pela diversidade dos participantes – camponeses, jovens, trabalhadores urbanos, etc. “Deveríamos aumentar e estimular a convocação de plebiscitos, mas é preciso ter instrumentos para evitar que a mídia deturpe o conteúdo das discussões”, sugeriu Tatiane Rodrigues, do Sindicato dos Municipários de Pelotas (RS). A gaúcha lembrou, em seu grupo de trabalho sobre sistema político, o decepcionante resultado do referendo sobre o desarmamento. “Nós temos de criar instrumentos para garantir que ocorra um debate político de idéias, e não apenas uma disputa de marqueteiros”, explicou. Logo após a proposta, outro participante do grupo se levantou e acrescentou: “essas consultas devem servir para elevar a consciência do povo, mas isso não aconteceu no referendo do desarmamento”.
Já no grupo ao lado de onde estava a sindicalista gaúcha as propostas se concentravam em outro assunto. “Deveríamos acabar com a reeleição para todo cargo eletivo e reduzir o mandato dos senadores para 4 anos”, sugeriu o catarinense Mauro José Velho, do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Assessoria, Perícia, Pesquisa e Informação em Santa Catarina. Logo depois, outra proposta mais radical: “porque não extinguimos o Senado, que não hoje só serve para ex-presidentes conseguirem um palanque permanente?”. Um participante acrescentou: “Sim, e deveríamos propor também o fim das câmaras municipais e sua substituição por assembléias populares permanentes”.
É verdade, no entanto, que a temperatura local não contribuía para as discussões. Sol forte, clima seco e quase nenhum vento. E fazia mais de 30 graus quando Gilvânia Ferreira, no entanto, permanecia atenta à discussão de soberania, enquanto amamentava seu pequeno filho de 1 ano Kaioã (pássaro que voa livre) em uma cadeira de plástico. “Ele já está acostumado”, disse a militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Maranhão, empolgada com os debates. “Os trabalhos em grupo são uma das etapas mais importantes porque podemos colocar nossas idéias para outros”, diz.
A paraense Bruna Naiara Coelho concorda. Aos 18 anos, a moradora de Igarapé-Apu (Norte do Pará) estava na capital do país pela primeira vez – como boa parte dos outros participantes – e lamentou a curta duração da Assembléia, que termina dia 28. “É no momento em que podemos trocar idéias, com nossas vivências, que podemos construir um projeto. O ruim é que só conseguimos participar de um tema apenas”, afirmou, enquanto seu grupo discutia a relação entre soberania, recursos naturais e bens universais. Bruna trabalha na sua cidade com uma comunidade formulando alternativas de desenvolvimento local, a partir da economia solidária, e pretende disseminar a experiência que está passando com outros moradores de Igarapé.
- Jorge Pereira Filho (Brasil de Fato) e Cristiano Navarra
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