Ministro da Fazenda reafirma corte nos gastos e austeridade fiscal

A política econômica vai muito bem

17/01/2001
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Quem ouviu nesta quarta-feira, 16, a fala do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, não deve mais ter dúvidas do caminho escolhido pelo governo Lula. Atendendo ao chamado dos senadores da república, Palocci foi enfático em considerar que a política econômica brasileira apresenta ganhos perceptíveis e consistentes. Segundo ele, por causa dela, o Brasil está vivendo um ciclo intenso de crescimento desde o segundo semestre de 2003, com resultados sociais também significativos. Mas, em vez de listar os ganhos para os mais pobres, sua fala deixou claro que quem mais tem lucrado no país são os exportadores. “As exportações tiveram um resultado de 100 bilhões de dólares, o que mostra que esse modelo de exportação com câmbio flutuante mostrou-se muito bom. O lucro das empresas do setor foi maior do que os do setor financeiro e é o maior em 23 anos”. Também por causa disso, disse o ministro, aumentaram os empregos e salários dos trabalhadores, embora sobre isso não tenha apresentado números. Durante a exposição do que chamou “ganhos” da política econômica, a surpresa ficou por conta dos agradecimentos que fez aos governos passados. Para Palocci, além da coragem do presidente Lula em fazer o duro ajuste que - segundo crê - está provocando o crescimento da economia, é preciso que o país agradeça à equipe do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi a responsável pela opção do câmbio flutuante e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, sem o que o Brasil não chegaria onde está. Também lembrou o ex-presidente Itamar Franco pela coragem em combater a inflação e o ex-presidente José Sarney, que criou o Tesouro Nacional. “Não espero deixar todos os louros para a minha equipe. É preciso dividir esse ganho com todos essas pessoas que fizeram parte da história do país”. Por fim, agradeceu ainda aos trabalhadores, responsáveis pelo “necessário” sacrifício. Agora, para o ministro da fazenda, é preciso perseverar na paciência, pois é disso que depende a estabilidade econômica. “Temos que ajustar a política monetária, cuidar da dívida pública e manter o esforço fiscal, reduzindo as despesas públicas. Só assim vamos fazer crescer o PIB”. Pediu aos senadores e senadoras que ajudem no sentido de garantir a manutenção do controle das despesas e da dívida pública. “Faço um apelo a todos, insisto nisso”. O que o ministro não disse O discurso otimista do ministro da Fazenda tem lá os seus críticos. Existem economistas que insistem em dizer que o governo criou o mito da austeridade fiscal e vende a imagem de que isso vale para todos. Quem não concorda com a idéia simples de que um governo não pode gastar mais do que arrecada? Isso vale para qualquer dona de casa que precisa administrar os gastos com o salário familiar. Mas, a pergunta que ninguém responde é a mais importante. Que chefe de família preferiria pagar uma dívida contraída sem sua vontade, em vez de comprar comida para seus filhos? Que dona de casa deixaria sua família sem médico, sem educação? Pois é isso que o governo tem feito. A política de ajuste fiscal que o ministro Palocci reputa como vitoriosa é a que tem promovido o famoso superávit primário, cujos valores são sangrados para pagamento da dívida odiosa, feita sem consulta ou respaldo popular. Dívida que, juridicamente, sequer deveria ser paga, a se usar os argumentos levantados pelo próprio governo dos Estados Unidos quando se recusou a pagar a dívida de Cuba, ao assumir sua tutela logo depois que a ilha se libertou de Espanha, em 1898. Conforme atesta o fecundo trabalho do historiador Alejandro Olmos Gaona, no livro La Deuda Odiosa, os argumentos dos EUA foram de que uma dívida contraída contra os interesses do povo - e com condições impostas - não pode nem deve ser paga. Não é o que se vê no Brasil. E a opção de pagar a dívida é o que faz com que o superávit desapareça em detrimento de investimentos públicos. Pelo menos isso o ministro admitiu. Segundo ele, o investimento público realmente caiu e a tarefa do governo agora é buscar aumentá-lo, embora seja preciso “dar espaço também para os investimentos privados”. Sobre essa falta, quem necessita dos serviços de saúde, educação, moradia e segurança sabe muito bem. Os serviços públicos vivem em estado de caos crônico e a maioria da população não tem qualquer cobertura. Assim, a economia pode até ir muito bem, mas o povo amarga a falta de tudo. A greve nas universidades Diante da fala do ministro Palocci sobre a necessidade de se apertar ainda mais o ajuste nas contas do Estado - que na língua das gentes comuns significa menos verba para os serviços públicos - a greve nas universidades federais, que já dura mais de 90 dias, precisa sair do marasmo. A equipe econômica já deu seu recado. Não vai abrir os cofres para melhorias nos salários dos professores e técnicos-administrativos. O Ministério da Educação se mostra refém da Fazenda e do Planejamento. O presidente Lula faz seu número de “não sei de nada”. Resta às entidades de trabalhadores endurecerem ou capitularem diante dos argumentos de que poderão ser as responsáveis pela parada no trilho do crescimento. A religião professada pelo governo Lula é a mesma dos neoliberais. Caso seja necessário um sacrifício – e sempre é – que seja dos trabalhadores. Aos banqueiros internacionais exigir que posem de cordeiro parece coisa impossível. Mas, nesta queda de braço entre trabalhadores e governo existe um elemento que enfraquece e fragiliza ainda mais o lado dos sacrificados: a opção de importantes lideranças sindicais de fazer a defesa do governo. No caso dos professores, uma cisão na entidade nacional – Andes - provocou o nascimento oportunista de uma nova representação docente, o ProIfes, com quem o governo se afina. Já entre os técnicos-administrativos, a disputa entre as correntes é interna, mas o equilíbrio entre o grupo mais próximo do governo e o outro mais radical tem segurado as ações mais contundentes. Nesse diapasão de rachaduras e fragilidades da classe trabalhadora, o governo se fortalece e apresenta propostas rebaixadas. Os parlamentares, sem força para mudar a lógica de aperto de cinto para os gastos com serviço público, tampouco conseguem fazer avançar as negociações. Assim, a greve se arrasta e nada acontece. Como saída não há opções: ou o movimento dos trabalhadores supera a esquizofrenia das lideranças que se acreditam governo, ou viverá uma dura derrota. Os resultados são imprevisíveis, seja qual for o caminho escolhido. Enquanto isso, a população, que deveria defender a universidade pública como um patrimônio da nação, sequer consegue saber o que se passa nos intestinos da disputa. Afinal, para os meios de comunicação, a greve segue invisível, embora mobilize diretamente quase duzentas mil pessoas em todo o país. = Elaine Tavares – jornalista
https://www.alainet.org/es/node/113542
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